O ano que se inicia não será o da extinção do Jornalismo e das empresas de comunicação. Será o ano em que teremos a chance real de nos superar e garantir a nossa sobrevivência, graças a um cenário inédito na política nacional. A presidência da República será assumida por um grupo político que foi eleito usando como estratégia de campanha as redes sociais, sendo formado por militares da reserva das Forças Armadas, aliados a juízes da Justiça Federal, economistas liberais das fileiras da Chicago Boys e parlamentares do “baixo clero”. Como essa aliança de forças irá administrar o país, ninguém sabe, nem mesmo o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL-RJ). A proposta dele é dar um tiro de misericórdia no presidencialismo de coalizão, substituindo-o por acordos com bancadas temáticas. Será preciso ver em funcionamento para se avaliar o rumo que tomará.
Vem justamente dessa incerteza a chance de nos superar. Não será fácil. Mas quem conseguir terá boa oportunidade de consolidar a sua carreira. O primeiro desafio que temos é definir qual é o nosso norte na cobertura do novo governo. Nosso foco tem de ser a defesa das garantias e dos deveres previstos na Constituição. Faz parte do jogo político, entre os competidores parlamentares, o dedo nos olhos e as rasteiras. Mas eles não devem cruzar os limites estabelecidos pela lei. E como lidaremos com isso? Publicando reportagens e matérias. Não foi uma, não foram duas, mas inúmeras as vezes em que Bolsonaro afirmou ser favorável à liberdade de imprensa. Isso é uma piada, porque ela é uma garantia constitucional e, portanto, não depende da vontade dele para vigorar. Mas ele pode dificultar o nosso acesso a dados, aliás, disse que fará isso. Aqui temos mais um desafio: como fazer fontes no núcleo de decisão de um governo com perfil belicoso? Temos que buscar quem trabalha em áreas de conflito entre as forças políticas integrantes desse núcleo. Claro, devemos sempre lembrar que nenhuma fonte é 100% confiável. Mas isso faz parte do jogo.
Não sei se é o maior desafio que teremos em 2019. Mas ele precisa ser confrontado. Trata-se da ideia, disseminada entre a população pelo grupo de Bolsonaro, de que defender os direitos das pessoas envolvidas com corrupção é ser a favor dos que roubam o dinheiro público. Não é verdade. A Constituição é clara. Todos têm o direito a um julgamento justo, mesmo apanhados em delito. Isso que temos que bater e defender. Tem ocorrido muito, inclusive comigo. Sempre que falamos no caso, recebemos uma enxurrada de pauladas pelas redes sociais. E o engraçado é que os textos protestando contra o que escrevemos são muito semelhantes. Coincidência? O importante é que alertamos o leitor sobre como essas propostas foram os pilares de regimes como o nazismo, na Alemanha, e o fascismo, na Itália.
Aqui há um ponto interessante a se analisar. Foi exatamente para dar um rosto à bandeira contra a corrupção que o presidente eleito levou para o seu governo o juiz federal Sérgio Moro, o condutor da Lava Jato, considerado referência de luta contra os crimes do colarinho branco.
Moro abandonou a magistratura para ser ministro da Justiça e Segurança Pública. Devemos atentar para o seguinte. De todos que gravitam ao redor de Bolsonaro, inclusive Paulo Guedes, seu mentor econômico, o ex-juiz é o único que ostenta brilho próprio. Isso significa que temos mais um desafio. É esclarecer qual é o tamanho, a coesão e o perfil dos juízes, dos procuradores da República e dos agentes da Polícia Federal que integram o grupo de Moro. Por que isso é importante? Se o governo Bolsonaro não der certo, e se Moro não se envolver em nada que manche o seu currículo, ele sairá credenciado para seguir na vida pública. Se tudo der certo no governo, melhor ainda para o futuro do ex-juiz. Ele tem o poder de agregar colegas que defendam seus ideais. Portanto, o núcleo Moro pode ter ambições políticas nas próximas eleições, tipo disputar a presidência da República. Por que não?
Esse é o mar que vamos navegar em 2019. Nós, repórteres, somos os mariscos. Bolsonaro é o mar, enquanto às grandes empresas de comunicação caberá o papel de rochedo. Para lidar com as empresas, o presidente dispõe de uma verba publicitária de R$ 1,5 bilhão, por ano. Do lado dos empresários há três posições que se desenham. A primeira é a do enfrentamento, como já faz a Folha de S.Paulo. A segunda é a de ficar em cima do muro, até que a situação se defina melhor: se o governo tiver sucesso, irão apoiar pelo bem do Brasil. Se fracassar, cairão de pau em nome da governabilidade. Por último, a estratégia da adesão incondicional, a qual já ocorre.
Os repórteres que têm compromisso com a sociedade não devem esperar, de parte do novo governo, nada mais do que chumbo grosso. É a expressão, usada pelos que cobrem casos policiais, para definir um ambiente hostil. Será um ano para quem tem coração forte.
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Carlos Wagner é jornalista, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, entre eles “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017.