O processo contemporâneo de desinformação contra os povos indígenas brasileiros aumentou a partir de 2018, com a chegada da extrema direita ao poder. Desde então, as redes sociais têm sido o espaço prioritário (89%) para sua divulgação, especialmente Facebook (72%) e, após a pandemia da Covid-19, também o WhatsApp (17%).
O formato preferido para propagar fake news é, sem dúvida, o texto. Ele é predominante, aparecendo em 89% das mentiras, mesmo que majoritariamente acompanhado de imagem e vídeo, mas não servindo apenas para (des)contextualizar. Em associação com as redes sociais, é importante ter atenção, principalmente, quando o texto está acompanhado de imagem ou vídeo no Facebook (96%). Já no WhatsApp, a imagem não é usada, com o vídeo estando em todas as mentiras encontradas, devendo-se redobrar o cuidado para o conteúdo recebido nesta rede social por este formato.
Esses números compreendem 36 avaliações de informações potencialmente falsas sobre os povos indígenas brasileiros, realizadas pela agência de checagem de fatos Lupa, desde a sua criação, em 2015, até 2023. Os resultados são do MÍDI – Laboratório de Mídias Digitais e Internet da Universidade Federal de Rondônia, em pesquisa financiada pelo CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
A intenção aqui foi descobrir de onde partem essas fake news, quais formatos midiáticos elas possuem e quais assuntos abordam, complementando o texto anterior publicado neste Observatório da Imprensa, quando identificamos os seus propagadores. Na ocasião, observamos que 70% das mentiras sobre indígenas beneficiam políticos e figuras públicas vinculadas à extrema direita.
A desinformação começou a circular de maneira tão expressiva nas redes sociais que foi preciso que as agências de checagem passassem a dedicar mais atenção a esses espaços digitais, em uma função chamada de debunking. Para isso, algumas ações foram promovidas para tentar reduzir a circulação e o impacto de fake news, ao menos nas redes sociais, que são o espaço principal para sua propagação, como percebemos nos dados acima.
Esse aumento é tão preponderante a partir de 2018 que até as empresas de tecnologias passaram a indicar conteúdos fraudulentos e a limitar as possibilidades de compartilhamento de qualquer informação, sobretudo daquelas potencialmente mentirosas, por meio da sua notificação, exclusão ou desmonetização. Além disso, elas se juntam às próprias agências de checagem no combate à desinformação, com parcerias e prestações de serviço.
A desinformação contra os indígenas brasileiros abarca nove assuntos, e nossa escolha foi por indicar todos de modo não excludente, ou seja, fazendo com que a fake news pudesse estar em mais de uma categoria, algo que não aconteceu apenas três vezes (Ideologia). Assim, foram encontradas as nove temáticas abaixo.
Ideologia (81%) é a que mais permeia as mentiras sobre os povos originários, sobressaindo-se também na associação com todos os outros assuntos. Nela, encontramos questões como manifestações e reivindicações indígenas, mas principalmente fala de políticos e apoiadores da extrema direita no país, pois boa parte das mentiras atacam “esquerdistas” (expressão usada por eles), o presidente Lula, seus ministros e demais apoiadores do governo.
Os outros dois assuntos com maior representatividade são Crime e Órgão. No primeiro, sempre associado a aspectos políticos, a desinformação traz atos ilegais que teriam sido cometidos pelos indígenas ou contra eles, como desviar dinheiro, falsificar identidade e invadir e queimar terras. Já em Órgão, encontramos mentiras sobre entidades privadas ou públicas, de Funai e Ibama até ONGs de proteção ambiental.
Isso demonstra que as fake news sobre ilegalidades perpetradas ou vivenciadas pelos povos originários e sobre as ações de entidades públicas e privadas ligadas a eles possuem um caráter ideológico e até partidário, reforçando ainda a relação com quem as disseminava.
Mais duas temáticas que se destacam possuem uma relação com a identidade dos povos originários brasileiros: Cultura e Território. Enquanto o último tinha mentiras sobre reservas e terras indígenas, Cultura trata do seu modo de vida, como o uso de tecnologias atuais e equipamentos de alto valor, e expressões culturais consideradas incomuns, de comida, língua e vestimenta até rituais.
***
Allysson Martins é coordenador do MíDI – Laboratório de Mídias Digitais e Internet e professor no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Pós-Doutorando em Comunicação pela UFC e Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA. É autor dos livros “Não era só uma gripezinha, mas desinformação” (2025), “Jornalismo e guerras de memórias nos 50 anos do golpe de 1964” (2020), “Jornalismo digital entre redes de memórias na efeméride do 11/9” (2022).