As transformações sociais e o impacto ambiental causados pela expansão de redes e bases de dados foram o tema do seminário “Do Comunicar ao Habitar: desafios epistêmicos da comunicação diante do Antropoceno e das Emergências Climáticas”. O evento, realizado em 01/4, no auditório Alfredo Bosi, do Instituto de Estudos Avançados da USP, foi organizado pelo grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade/JDL (ECA/IEA-USP).
Mediado pelo coordenador do JDL, Vitor Blotta (ECA/IEA-USP), o evento contou com exposição do professor Massimo Di Felice (ECA/USP) e debate com a pesquisadora Kimberly Anastacio (American University).
O seminário teve início com Massimo Di Felice. Graduado em Sociologia pela Università degli Studi La Sapienza, Massimo possui doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em Sociologia pela Universidade Paris V Descartes, Sorbonne. Em sua exposição, o professor partiu do conceito de Antropoceno para tratar da relação entre ser humano, tecnologia e natureza, abordando as ideias de “Comunicação Antropocêntrica” e “Datificação da Sociedade”.
“A Comunicação Antropocêntrica se fundamenta na base da comunicação moderna, criada principalmente dos anos 30 até os anos 60, na Europa e nos Estados Unidos, e que reproduz, sobretudo na linha norte-americana, a concepção industrial, fordista”, explica Di Felice. “Como uma sequência de etapas para o produto final”, completa.
A partir daí, Di Felice propõe uma reflexão sobre uma “Comunicação Não Antropocêntrica” – uma comunicação que, partindo do conceito de ecossistema, se afaste da divisão entre humano, técnica e natureza. Para tanto, o professor se debruça sobre o fenômeno da “Datificação”, explicando suas características. “A Datificação é a alteração de todos tipos de superfícies, de materialidades, orgânicas e inorgânicas, em data”, afirma. “Big Data são produzidos de maneira automatizada, através de internet das coisas, de sensores, de satélites que continuamente produzem esses dados, que são armazenados em databases. E os databases automaticamente os associam a data diversos, produzindo outros data”.
É a partir dos novos ecossistemas produzidos por essas novas interrelações que Massimo propõe uma comunicação que, se aproximando dos conhecimentos não eurocêntricos, permita novas aproximações entre técnica e meio ambiente. “O conceito de comunicação elaborado pelos indígenas é muito diferente do ocidental, do eurocêntrico.” pontuou. “A dimensão xamânica, intrinsecamente ligada à cultura brasileira, emerge como um ponto crucial para a formulação de uma nova concepção de comunicação. Este aspecto, inspirador e único, oferece aos pesquisadores brasileiros uma oportunidade significativa de desenvolver e enriquecer o diálogo científico global”.
Em seguida, a pesquisadora Kimberly Anastacio, doutoranda da American University, debateu alguns dos pontos levantados pelo professor. Partindo de estudos no campo da comunicação ambiental, Kimberly recupera a questão da materialidade das mídias digitais, numa discussão das questões infraestruturais da internet, sua interação com o meio ambiente, e a concretude de seus efeitos.
“O conceito de datificação das sociedade vem de algo muito embebido das relações capitalistas”, lembra Kimberly. “Tem crescido o interesse em tentar entender a materialidade, a parte física da internet. Por exemplo, há pessoas estudando cabos submarinos, satélites, data centers e até lixo eletrônico. Isso se relaciona com o nosso meio ambiente, com o espaço onde vivemos e com o que fazemos com as infraestruturas de mídias sociais.”
A pesquisadora tratou, também, dos aspectos políticos a cercar decisões técnicas, como a adoção de padrões tecnológicos e decisões infraestruturais. “Em assuntos que dizem respeito à matriz política econômica, temos muitos debates geopolíticos entre países que têm interesse em certas tecnologias em detrimento de outras, principalmente no caso do 5G e do 6G. Dentro dessas áreas de estudo sobre as infraestruturas tecnológicas, temos lidado com o que fazer com atores não humanos e como eles se relacionam com a tecnologia”. E pontua: “o que gostaria de colocar em discussão é a necessidade de reconhecermos a importância dessas entidades não humanas, não só para avançarmos além de uma comunicação baseada na dicotomia entre o humano e o natural, mas também as situarmos à luz das relações de poder que nos cercam.”
O seminário é parte das atividades do plano de trabalho do grupo Jornalismo, Direito e Liberdade/JDL para o ano de 2024, dedicado à investigação dos fenômenos da digitalização e datificação da vida, e o surgimento do que tem sido diagnosticado como “ordem desinformativa”.
A íntegra do evento pode ser vista no YouTube do IEA/USP.
***
Tiago C. Soares é mestre em Divulgação Científica e Cultural (Unicamp), e doutor em História Econômica (USP). É pesquisador bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (Mídia Ciência), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).