Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Nem sempre a Suíça está à frente do Brasil

A Suíça viveu, no domingo, o que a imprensa helvética definiu como uma votação histórica – a aprovação de uma iniciativa popular criando uma 13ª renda para os aposentados. Praticamente toda população estava ligada na televisão ou na rádio suíça para saber, às 12h30, qual a primeira estimativa do resultado da votação nacional. Um grupo importante estava reunido no restaurante Volkshaus, em Berna, capital suíça, com o político líder da União Sindical Suíça, o senador socialista Pierre-Yves Maillard, responsável pela iniciativa popular Para Viver Melhor a Aposentadoria, quando se pronunciaram os primeiros números: a iniciativa deveria ser aprovada por 52% dos votos.

Houve alegria e comemoração, mas era preciso esperar a confirmação dessa apertada estimativa. A maioria dos votos tinha sido enviada pelos eleitores suíços pelo correio, em envelopes oficiais, e estava sendo contada em cada município. Os resultados seriam enviados para a capital de cada um dos 26 cantões suíços que, por sua vez, enviariam à capital federal Berna. Era também preciso contar os votos dos suíços que tinham preferido votar pessoalmente até ao meio-dia desse 3 de março.

Os resultados iam chegando lentamente com os primeiros totais dos pequenos cantões de língua alemã, agrários e conservadores, todos contrários à criação da renda natalina para aposentados. Isso logo fez surgir a dúvida – e se esses pequenos cantões impedissem a aprovação da iniciativa? Essa hipótese podia acontecer porque a Constituição suíça exige duas maiorias para a aprovação de uma iniciativa: a de votos e a dos cantões.

Essa foi uma fórmula encontrada em 1848, ano da criação da Confederação Helvética, para impedir a supremacia dos grandes cantões. Qualquer iniciativa popular precisa ter também a aprovação da maioria dos cantões ou metade mais um. É simples, embora possa parecer complicado – são 26 cantões, porém 6 são considerados meio-cantões, ou seja, a maioria dos cantões é 12.

Por volta das 13h30, a apuração dos votos mostrou 15 favoráveis à iniciativa e 8 contrários. A proporção dos votos foi de 58,2 % a favor da iniciativa e 41,8 % contra. A partir de 2026, os aposentados suíços receberão uma renda extra natalina.

Os jornais suíços deram primeira página para essa vitória sindical, a primeira vitória de uma iniciativa de cunho social que favorece toda população idosa suíça e da qual se beneficiarão também aposentados suíços vivendo no Brasil. Quem for curioso fica com duas perguntas para os suíços responderem: como tantos suíços votaram contra uma 13ª renda da aposentadoria e como pôde haver uma abstenção tão grande de 43,7% nessa votação? Outra informação adicional: o partido dos evangélicos suíços votou contra a iniciativa.

E por que essa conquista social suíça pode interessar aos leitores brasileiros? Porque nessa questão, pelo menos, o Brasil está bem à frente da Suíça. Uma 13ª renda para todos os aposentados já foi aprovada faz mais de 60 anos no Brasil, em junho de 1962. Mas teve, é claro, um preço político e institucional.

Exatamente como aconteceu no Brasil, os políticos da direita suíça passaram estes últimos meses tentando amedrontar o povo, pela imprensa, com declarações e entrevistas, agitando a perspectiva de representar uma despesa imensa para os cofres públicos. Era a mesma argumentação dos grupos econômicos brasileiros, retratada por uma das manchetes de primeira página do jornal O Globo (26 de abril de 1962) na qual se lia: “Considerado desastroso para o País um 13º mês de salário”.

A concessão de um 13º salário para empregados ativos e aposentados, depois de uma campanha lançada pelo Sindicato dos Metalúrgicos, foi uma das últimas conquistas da campanha do presidente João Goulart pelas Reformas de Base. Dois anos depois, coincidência ou não pois o Brasil vivia um clima de reivindicações sociais, houve o golpe militar. Porém, os militares não tiveram coragem de acabar com o 13º salário e com a 13ª renda de aposentadoria natalina.

Na Suíça, essa vitória sindical em favor dos aposentados deixou os partidos da direita e as entidades patronais decepcionados, mas não está provocando qualquer crise política ou institucional e sim, como relata o jornal suíço Le Temps, uma autocrítica, por terem ignorado a situação de empobrecimento vivenciada atualmente pela população. Outra iniciativa colocada em votação nesse mesmo domingo, 3 de março, pela direita, aumentando a idade para a aposentadoria, foi rejeitada por 74,7% dos votos e por todos os cantões.

Lançar uma iniciativa popular, na Suíça, seguida de plebiscito, coisa não existente no Brasil, exige a coleta de 100 mil assinaturas num prazo de 18 meses, podendo o governo apresentar uma contraproposta. O processo, até a escolha de uma data para ser lançado o plebiscito, pode levar mais de três anos.

Os cantões suíços de língua francesa e o de língua italiana aprovaram largamente a iniciativa, enquanto os aposentados dos pequenos cantões de língua alemã, mais conservadores, votaram contra si próprios rejeitando a criação da 13ª renda para os aposentados. Essa nova lei, a primeira de teor social proposta e aprovada pelo povo suíço, deverá entrar em vigor em 2026.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Correio do Brasil.