O presidente da França não corre o risco de um impeachment, nem a liderança do Partido Socialista francês exigiu propina das grandes empresas de petróleo, eletricidade ou das empreiteiras francesas e nem a Justiça francesa está processando parlamentares ou membros do governo por corrupção. Tampouco algum filho do presidente Hollande teve empréstimo premiado para montar alguma empresa.
Numa coisa, porém, tanto o francês Hollande como nossa Dilma estão próximos: na impopularidade, embora Dilma se mantenha invicta e bem à frente com seus minguados 10%, enquanto seu colega francês reagiu para 23% no Ibope local, diante da rapidez com que a polícia francesa localizou e liquidou os autores dos atentados do 13 de Novembro.
Mas hoje o problema na França é outro, embora seja também político: nas eleições regionais, nas quais se escolhem os dirigentes dos departamentos franceses, comparáveis de certa forma aos nossos Estados, ganhou o partido extremista Frente Nacional.
Ora, o FN, criado por um remanescente do movimento contra a descolonização da Argélia hoje octogenário, Jean-Marie Le Pen, processado diversas vezes por antisemitismo e simpatizante das teses nazifascistas, representa o ressurgimento da velha extrema-direita européia com suas teses racistas e isolacionistas.
Para o leitor ter uma ideia, o FN quer como a Hungria (onde o presidente é também de extrema-direita) o fechamento de todas as fronteiras francesas e expulsão de todos os estrangeiros não documentados ou ilegais. O programa do FN inclui também o corte imediato de todas as ajudas, subvenções e pensões às famílias dos imigrantes.
No plano europeu, o FN defende a saída da França da União Europeia a fim de recuperar sua soberania e do sistema monetário do Euro. Com a expulsão dos imigrantes (isso poderia parecer um remake do vivido na Alemanha nazistas pelos judeus, mas dessa vez a ser vivido pelos árabes), o FN pretende acabar com o principal problema francês, até agora não solucionado pelo governo socialista e nem pelo governo anterior da direita, o desemprego.
A simples idéia da execução desse pesadelo nacionalista, pelo qual só serão franceses quem tiver origem francesa, provoca calafrios, pois suscitará provavelmente a criação de milícias como existiam durante a Ocupação da França e como as criadas na Itália fascista.
Porém, por enquanto ninguém acredita seriamente numa vitória do FN nas presidenciais de 2018 com a eleição de Marine Le Pen, filha do velho extremista e especialista em suavizar e adoçar as metas racistas e soberanistas do seu partido. Todos se lembram da mobilização geral dos franceses nas eleições que opunham o golista Jacques Chirac ao extremista Le Pen. Chirac foi eleito com 82% com votos, numa mobilização nacional contra o FN.
Marine Le Pen é um perigo, suas teses podem conseguir aderentes num momento de crise, mas a realidade mostra menos de um terço de eleitores com o FN, são 28%. E logo atrás está a direita tradicional, a chamada direita republicana, com 27% dos votos, seguida dos socialistas com 23%. Evidentemente, se essa mesma proporção ocorrer nas legislativas, a extrema-direita poderá impedir muitas iniciativas do governo não extremista.
Porém, algumas constatações intrigam. A principal delas é a de que a maioria do eleitorado atual do FN é jovem, de 18 a 25 anos. Longe estão, portanto, dos jovens que apoiavam o fim do colonialismo e que se revoltaram contra a sociedade controlada em Maio-68 com o famoso “é proibido proibir”. Nada a ver com o movimento antiracista “Não toque no meu amigo” e a apoteose fraternal da vitória da Copa do Mundo de Futebol da qual participavam os jovens filhos de árabes da periferia.
Uma parcela dos jovens franceses de hoje, ao que parece, não quer mais aventuras, solidariedade internacional e nem aceita a possibilidade de instabilidade no futuro, mas deseja governos nacionalistas e populistas que prometem empregos exclusivos e segurança, mesmo com restrições de liberdade. Quais os fatores determinantes dessa mudança de expectativa diante da vida para esses jovens do FN?
A atualidade dos imigrantes econômicos e refugiados vindos da África e da Síria ajudaram o FN no seu discurso xenófobo em defesa da identidade francesa contra os estrangeiros, assim como os atentados islamitas do 13 de Novembro reforçaram em muitos a islamofobia.
Outra constatação é a de que o eleitorado do FN é composto também de operários, antes eleitores ou simpatizantes do Partido Comunista.
No que os governos de esquerda e direita falharam? Toda uma pesquisa a ser feita sem a priori, porque pode interessar igualmente na análise política atual na América Latina.
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Rui Martins, jornalista, escritor, Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e rádios RFI e Deutsche Welle. Editor do site Direto da Redação.