O presidente do Haiti, Jovenel Moïse, foi morto a tiros em sua casa por um comando armado no dia 7 de julho. Duas semanas após este assassinato inesperado, o funeral do presidente está sendo organizado no contexto de um cabo de guerra político entre dois primeiros-ministros enquanto o Haiti se afunda na pobreza e na insegurança. Diante desta situação, a comunidade internacional parece permanecer em silêncio. Jean-Jacques Kourliandsky, pesquisador associado ao Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas – IRIS, e especialista em assuntos ibéricos, fornece uma atualização.
Em 7 de julho de 2021, o presidente haitiano Jovenel Moïse foi assassinado em sua casa por um comando armado. Enquanto seu funeral está sendo organizado nesta sexta-feira, o que sabemos sobre este caso duas semanas após o fato? O que podemos esperar?
Embora existam muitas hipóteses neste caso, uma coisa permanece certa: o presidente foi assassinado por um grupo de vinte e dois ex-soldados colombianos acompanhados por dois norte-americanos de origem haitiana. A prisão de alguns deles ainda não permite que a situação seja esclarecida. Entretanto, sabe-se que estes soldados colombianos foram recrutados por uma empresa de segurança privada, perfis estes bastante solicitados, especialmente aqueles que já participaram de conflitos, como no Iêmen ou no Iraque. De acordo com o testemunho de Martine Moïse, a esposa do presidente que milagrosamente sobreviveu ao ataque, eles se comunicavam em espanhol com uma pessoa que lhes dava instruções ao vivo.
Quem são os autores intelectuais deste caso? Não se sabe ainda. Foram feitas algumas prisões, em particular a do chefe da segurança presidencial, que não ofereceu resistência ao grupo de soldados encarregados da tarefa de assassinar o presidente. Quanto aos dois soldados da guarda que estavam diante da residência particular do presidente, eles foram neutralizados por cinco membros da polícia nacional haitiana que desapareceram assim que o assassinato foi cometido.
Por que o chefe da segurança presidencial não ofereceu qualquer tipo de resistência? Ao que parece, ele viajou para o Equador com uma escala em Bogotá, uma viagem que poderia sugerir uma ligação com os autores materiais do assassinato. Além disso, personalidades pouco conhecidas, mas que faziam parte do regime de Jovenel Moïse, um presidente muito contestado, podem estar envolvidas no caso, em particular um médico haitiano que vive na Flórida, onde a empresa de segurança privada que recrutou os 22 capangas colombianos está sediada. Todos os assassinatos políticos são geralmente organizados no estilo “bonecas russas”: os autores materiais do fato são conhecidos, mas é difícil identificar os mentores intelectuais.
O que demonstra este caso de assassinato político sobre a situação de pobreza, de corrupção e de insegurança no Haiti? Podemos esperar uma melhoria deste cenário com o novo governo em vigor?
A situação no Haiti é estruturalmente catastrófica. O Estado praticamente não existe e as querelas dentro da “elite” se multiplicam. Assim que a morte do presidente foi anunciada, os dois primeiros-ministros começaram a disputar a cadeira para garantir o governo interino. Em contrapartida, um presidente interino deve ser designado pelos dez senadores que ainda são legítimos, uma vez que, os seus colegas já terminaram o seu mandato há vários meses, sem que tivessem ocorrido ainda novas eleições. Um novo primeiro-ministro foi nomeado sob a pressão dos Estados Unidos, que tentaram resolver este caso o mais rápido possível. Uma missão foi enviada por Washington, de maneira rápida e impressionante, já que Claude Joseph, o primeiro-ministro interino então em exercício, deu lugar prontamente a Ariel Henry, o primeiro-ministro que havia sido designado pelo presidente dois dias antes de sua morte, mas que ainda não tinha tomado posse formalmente do cargo. Claude Joseph continua sendo membro do governo como Ministro das Relações Exteriores. Estamos assistindo, portanto, a um jogo de cadeiras no interior de uma elite que, tradicionalmente no Haiti, é uma elite predadora que, frequentemente, administra a ajuda estrangeira em benefício próprio, enquanto a população é deixada em total abandono. O Haiti é um dos poucos países do mundo onde ninguém foi vacinado contra a Covid-19 em 2020 e no primeiro semestre de 2021. A insegurança é galopante, fato que assumiu uma dimensão particularmente importante após a eleição do Presidente Moïse, que claramente permitiu que as “gangues” fizessem seu trabalho no Haiti e na cidade de Porto Príncipe. Várias dezenas delas, talvez cerca de duzentas gangues estavam aterrorizando a população e proibindo, de fato, todas as manifestações organizadas da oposição. As elites abandonaram a população, assim como a comunidade internacional.
A situação catastrófica na qual o Haiti se encontra parece inextricável. Em 2010, depois de um grave terremoto, a comunidade internacional esteve ao lado do país, mas agora parece pouco mobilizada. Qual é a situação? Ela tem um papel a desempenhar?
A comunidade internacional, em particular os Estados Unidos, quer conter o fluxo potencial de migrantes. Várias centenas de milhares de migrantes haitianos já estão nos Estados Unidos, dezenas de milhares no Canadá, particularmente no Quebec, nos departamentos franceses das Américas, como a Guiana, mas também na Europa. Toda vez que a situação do Haiti mostra sinais de colapso do Estado, sob a cobertura da ONU ou não, a comunidade internacional organiza uma operação militar antes de abandonar os haitianos a sua própria sorte. A ausência de Estado, ainda não resolvida, é algo catastrófico, para dizer o mínimo. A gestão dos serviços públicos é de fato delegada a ONGs de todo o mundo, subcontratadas para isso. São elas que estão gerindo vários setores da vida social haitiana sem que para isso disponham de uma coordenação efetiva. Havia uma Comissão Interina para a Reconstrução do Haiti, administrada à maneira norte-americana, pelo ex-presidente Bill Clinton, que organizou reuniões em inglês com participantes haitianos falando apenas crioulo ou francês, criando muitas disfunções.
A República Dominicana, onde também existem várias centenas de milhares de haitianos, fechou formalmente sua fronteira para evitar o fluxo de refugiados. Quanto aos Estados Unidos, o país enviou imediatamente representantes ao Haiti para resolver a disputa entre os dois primeiros-ministros. Sem dúvida, também, para evitar a chegada de migrantes em solo americano. Haverá uma nova operação da ONU? É possível, porque cada vez que a situação se deteriora por uma razão ou outra (terremoto, acontecimentos políticos etc.), os países ocidentais enviam soldados e policiais para bloquear a população no terreno e abrir as portas para as ONGs estrangeiras que supostamente devem compensar as deficiências do Estado. Este afluxo de ONGs foi acompanhado de numerosos escândalos, financeiros, sexuais etc., no país. Quanto às forças da ONU, lembremos que, após sua chegada ao Haiti, o contingente nepalês espalhou a cólera. Em resumo, a comunidade internacional tem falhado sistematicamente. Voluntariamente ou não, o diagnóstico que podemos fazer é o de que sua ação tem por objetivo a segurança não da população afetada, mas dos países desenvolvidos em relação à chegada de migrantes haitianos. O recurso às eleições que é sistematicamente apresentado para resolver o problema é um falso recurso. As listas eleitorais não são confiáveis. Tudo foi destruído durante o terremoto. Contestáveis, elas alimentam discussões intermináveis entre partidos e candidatos. O Haiti não precisa e não está em condições hoje de organizar eleições que não resolverão nada.
Texto publicado originalmente em francês, em 23 de julho de 2021, na seção ‘Analyses’ do Institut de Relations Internationales et Stratégiques – IRIS, Paris/França, com o título original “Haïti: un assassinat organisé en poupées russes?”. Tradução de Andrei Cezar da Silva e Denise Leppos. Revisão de Luzmara Curcino e Pedro Varoni.
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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso – UFSCar.