Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não existe um mínimo de respeito no presidente Bolsonaro

(Foto: Reuters/Bredan McDermid)

Ao que se saiba, ainda não chegou nenhuma nota diplomática de Londres, do Foreign Office, ao Ministério das Relações Exteriores em Brasília sobre a inconveniência, gafe, desrespeito, má educação ou na linguagem mais chula, grossura, cometida pelo presidente Bolsonaro, durante o luto dos ingleses pela morte de sua rainha. Os ingleses são educados, gente fina, mas seus jornais noticiaram essa ofensa do presidente, em não ter respeitado o recolhimento exigido pela ocasião. 

Assim, o Guardian, deixou claro na sua matéria, publicada com foto de Bolsonaro falando da sacada da embaixada brasileira, a utilização com objetivo eleitoral da visita a Londres para o funeral. Chegou mesmo a cronometrar apenas que Bolsonaro usou de alguns segundos para expressar suas condolências à rainha, e o restante do tempo para falar de sua campanha, transformando sua viagem a Londres numa plataforma política, alertando seus apoiadores, que gritavam “mito, mito”, na rua, embaixo da sacada, “sobre os perigos dos esquerdistas, do aborto e da ideologia de gênero”.  

“Um discurso de campanha aos apoiadores de camiseta amarela, apesar do momento de luto”, escreveu The Guardian. “Os comentários politicamente carregados de Bolsonaro encantaram os fanáticos apoiadores que vieram ouvi-lo no centro de Londres, mas provocaram raiva no Reino Unido e no Brasil”. 

O The Times, importante jornal londrino, deu como manchete “Bolsonaro rompe luto para marcar pontos políticos” e, num vídeo, mostrou como Bolsonaro desceu do carro, no pátio de um posto de gasolina da Shell, para filmar o preço da gasolina na bomba e dizer ser muito mais caro que no Brasil. 

“Estou aqui em Londres, Inglaterra, e o preço da gasolina é de £ 1,61. Isso é aproximadamente R $9,60 o litro. Praticamente o dobro da média de muitos Estados brasileiros. Nossa gasolina é, de fato, uma das mais baratas do mundo.” Essa comparação do preço em libra com o real, separada do contexto da economia e do salário médio do cidadão inglês, é tendenciosa e mentirosa. 

Algumas frases chocaram os ingleses, como se Bolsonaro, ali na sacada da embaixada brasileira, quisesse ensinar sua desastrada política: “somos um país que não quer discutir a legalização das drogas, que não quer discutir a legalização do aborto e um país que não aceita a ideologia de gênero”, continuou. 

Pior ainda foi a repetição da frase fascista, “Nosso slogan é: Deus, pátria, família e liberdade”, também utilizada no Brasil, nos anos 1930, na época dos militantes fascistas da Ação Integralista Brasileira, os chamados “galinhas verdes” de Plínio Salgado (cujos uniformes eram verdes, imitando o verde da bandeira, assim como agora os bolsonaristas usam camiseta com o amarelo da bandeira). Em 1938, os galinhas verdes tentaram um golpe e invadiram o Palácio Guanabara para matar Getúlio Vargas; reprimidos foram postos fora da lei. 

Junto com Bolsonaro vieram sua esposa, que aproveitou para fazer propaganda do seu costureiro, tendo trazido também com ela seu maquiador Agustin Fernandez.  Ainda na comitiva estavam o pastor Silas Malafaia, que não sabia explicar por que tinha ido a Londres, Eduardo Bolsonaro e o padre Paulo Antônio de Araújo. Tudo pago com dinheiro público.  

Silas Malafaia, cujas pregações são feitas aos berros, assustou londrinos que passavam e moradores vizinhos da embaixada, dando origem a um ligeiro tumulto, com alguns emigrantes brasileiros perguntado a repórteres da BBC o que faziam ali e por que não iam para a Venezuela. Um inglês quase foi agredido. 

Último discurso de Bolsonaro na ONU

A melhor definição do que foi provavelmente o último discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU, em Nova Iorque, foi a de Dora Kramer: “Ele vendeu um país irreal!”. Coincidindo com as últimas sondagens, pelas quais sua derrota poderá ocorrer no primeiro turno, o discurso de 20 minutos, feito nas quatro linhas protocolares da diplomacia, embora eivado de mentiras, mostrou um Bolsonaro sem as costumeiras agressões. 

Mas foi um discurso de campanha eleitoral, aproveitando a presença na ONU e a retransmissão no Brasil pelas rádios e TVs. 

Um discurso sobre um país que não existe, onde o presidente não deixou morrer milhares de pessoas, por não ter desenvolvido rapidamente um amplo programa de imunização e vacinas. Um país imaginário no qual se produzem muitos cereais para serem exportados, embora, e isso Bolsonaro não disse, cerca de 30 milhões de pessoas passam fome. 

Um país onde a economia sustentável está em expansão e onde a vegetação da Amazônia é preservada, apesar do desmatamento e do número recorde de florestas incendiadas.

Tudo é otimismo no Brasil de Bolsonaro, ninguém se lembra da corrupção no Ministério da Educação, no abandono da cultura, no incentivo à posse de armas; ninguém fala na rachadinha e nem nas casas compradas pela família Bolsonaro com dinheiro vivo de origem duvidosa.

Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.