Já dá para afirmar que a guerra na Ucrânia acelerou a agonia do modelo tradicional do noticiário jornalístico praticado por grandes jornais e telejornais, especialmente aqui no Brasil. O fenômeno é visível através do aumento exponencial da audiência das lives dos chamados “explicadores” de notícias, como Rogerio Anitablian, ou de jornalistas independentes como Reynaldo Azevedo e ainda por projetos jornalísticos alternativos como a TV 247.
A avalanche de notícias gerada pela internet superou a capacidade dos grandes jornais e telejornais de processar todo o material recebido e oferecer a seus respectivos públicos uma visão global balanceada, diversificada e minimamente objetiva do que está acontecendo na Ucrânia. Além disso, a maioria da grande imprensa brasileira partiu para o engajamento no lado anti-russo, ignorando que o conflito é bem mais complexo do que um confronto centralizado na figura do presidente russo Vladimir Putin.
É cada vez maior o número de pessoas que se sentem confusas com as notícias sobre o que está acontecendo no leste europeu e procuram “explicadores” em busca de ajuda para contextualizar os fatos e entender a crise deflagrada pela reação russa à decisão da Ucrânia de entrar para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o pacto militar entre 30 países da Europa e América do Norte, criado há 73 anos para se opor à então União Soviética, hoje Rússia.
Uma característica marcante dos “explicadores”, que de alguma forma podem também ser classificados como influenciadores, é o fato da maioria não ser jornalistas. São advogados, engenheiros, economistas, historiadores, cientistas políticos e até comediantes, que disponibilizam o seu conhecimento, experiência e comunicabilidade para criar grupos de pessoas. É mais um sintoma de como o jornalismo perdeu a exclusividade no manejo da notícia. Além disso, hoje, mais importante do que saber das coisas, é entendê-las e incorporá-las ao quotidiano individual.
Outra característica comum dos “explicadores” é a busca permanente de uma sinergia com as pessoas que acessam as lives e programas online, como os da TV 247. A participação da audiência serve para que o responsável também receba novos insumos informativos ao mesmo tempo que os assistentes têm a sensação de que são co-autores nos conteúdos apresentados. Isto cria um dinamismo e uma interatividade inexistente nos grandes jornais e telejornais, o que acaba distanciando o jornalismo das audiências e levando os profissionais a criar bolhas informativas, onde a principal preocupação é a concorrência com outros veículos. O publico é um acessório.
A interatividade dos “explicadores” também é uma exigência da sustentabilidade de cada live, pois redes sociais como YouTube e Facebook criaram um sistema de likes (gostei) e de assinaturas que acabam remunerando quem produz o programa. Para muitos, esta já é uma fonte de renda, que não chega a configurar um salário fixo, mas complementa ganhos de outras fontes.
Uma nova rotina nas redações
O crescimento dos informadores independentes na internet está sinalizando também novos comportamentos tanto das audiências como dos profissionais do jornalismo. As pessoas começam a diversificar fontes informativas combinando tanto telejornais e jornais convencionais com suas lives preferidas o que reduz o efeito da indução noticiosa, permitindo identificar mais facilmente quando algum lado do conflito está usando recursos de propaganda para influenciar comportamentos do público. O noticiário sobre a guerra na Ucrânia tem sido farto neste tipo de desinformação chapa branca.
Para os profissionais da imprensa, o fenômeno dos explicadores sinaliza também a necessidade de desenvolver novas rotinas informativas, diante da constatação de que não adianta entulhar as audiências com notícias descontextualizadas porque as pessoas buscarão, cada vez mais, os explicadores. O noticiário de um Jornal Nacional, por exemplo, terá mais eficácia informativa se oferecer um resumo sintético e não opinativo dos principais fatos do dia seguido de um cardápio de fontes alternativas onde o publico poderá obter mais dados.
Curiosamente, um indício claro da expansão do fenômeno dos explicadores é o fato da ideologização estar chegando também ao segmento através da extrema direita. A TV 247, um projeto online muito sintonizado por pessoas de esquerda e independentes passou a ser alvo dos seguidores do chamado “gabinete do ódio”. Tudo porque os “explicadores” ganham cada vez mais espaço na internet.
As pessoas tendem a criar suas próprias redes de explicadores. A minha, por agora, é a seguinte:
Antonio Tabet https://www.youtube.com/watch?v=ZUk8iMdZXIE
Robinson Farinazzo https://www.youtube.com/c/ARTEDAGUERRA
Tanguy Baghdadi / Petit Journal https://www.youtube.com/watch?v=Z4QCxMcE_zQ
Rogerio Anitablian https://www.youtube.com/watch?v=o3zVKT3BWEM
TV 247 https://www.youtube.com/watch?v=9YMCARdbGTo
Jamil Chade https://www.youtube.com/watch?v=DMAvnDegfH4
Programa Segunda Chamada do canal MyNews Antonio Tabet e Mara Luquet https://www.youtube.com/watch?v=ZUk8iMdZXIE
O É da Coisa / Reynaldo Azevedo – https://www.youtube.com/watch?v=KI_pIoKC0w8
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC, professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.