Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O retorno do El Dorado? A América Latina cortejada de Norte a Leste

(Foto: O Portal da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, SME SP)

Pedro Sánchez, presidente da Espanha, Frank-Walter Steinmeier, presidente da Alemanha, e Antony Blinken, secretário de Estado dos Estados Unidos, visitaram sucessivamente vários países latino-americanos nas últimas semanas. O espanhol visitou a Colômbia, Equador e Honduras em agosto de 2022. O alemão visitou o México em setembro de 2022. O americano visitou a Colômbia, o Chile e o Peru em outubro de 2022.

A guerra russo-ucraniana estaria colocando a América Latina novamente no radar das grandes potências econômicas ocidentais, como o da Europa e mesmo o dos Estados Unidos, seguindo assim as pegadas da China, que já vem lavrando a parte sul do Novo Mundo há mais de vinte anos? A multiplicação das recentes visitas alemãs e espanholas a várias partes da América Latina, e o novo apetite de Washington, indicam, no mínimo, um interesse convergente. Este interesse é sem precedentes, se não incomum, dado que europeus e americanos tinham afinidades eletivas até aqui com asiáticos: chineses, indianos, extremo-orientais e árabes.

Esta curiosidade renovada a respeito da América Latina tem suas razões, tanto tangíveis quanto intangíveis. A nova guerra europeia – a invasão russa da Ucrânia – fechou o acesso aos recursos de gás e petróleo de Moscou. A Europa em geral, e a Alemanha em particular, são grandes consumidoras desses recursos. O conflito reduziu a importação de alimentos ucranianos e tornou mais precário o fornecimento de fertilizantes, fabricados e exportados por Kiev e Moscou. Tensões paralelas entre a China e Taiwan adicionaram mais incerteza em relação aos semicondutores, um produto altamente estratégico fornecido por Taipei. Acrescenta-se a tudo isso a chuva fria da pandemia, que expôs os riscos ligados aos deslocamentos de fábricas e de indústrias farmacêuticas e as fragilidades do transporte marítimo com a China e os países detentores de combustíveis fósseis. Esta lição tem perturbado líderes nos Estados Unidos e especialmente na Europa. A conclusão que foi tirada a partir disto, por alguns e por outros, cada um por si, foi a de sair à caça a mercados em busca de primeiros socorros.

Ambos os lados estão tentando aproveitar ao máximo seus interesses em um jogo muito competitivo. A França e a Itália, de forma desordenada, estão se concentrando no Norte da África e nos estados do Golfo. A Alemanha, a Espanha e os Estados Unidos, que há muito tempo vêm construindo relações econômicas assimétricas com a América Latina, pretendem reativá-las, dada a situação atual. A Alemanha mantém há muito tempo uma rede eficaz de influência graças aos vários ramos locais de suas fundações políticas: o democrata-cristão, com o KAS (Konrad Adenauer Stiftung) e o social-democrata, com o FES (Friedrich Ebert Stiftung). Sua agenda de endereços, seus funcionários públicos bilíngues ou trilíngues (alemão-espanhol-português) podem ser mobilizados e chamados sempre que uma figura ministerial alemã vai em visita.

As empresas alemãs têm uma base em cada um dos três membros latino-americanos do G-20, Argentina, Brasil e México. Apesar dos tropismos russo e asiático, estes países têm sido visitados com bastante regularidade por vários membros do governo alemão nos últimos anos. Em 28 de maio de 2019, a Alemanha realizou sua primeira cúpula bilateral com os países latino-americanos. Tudo isso tem sido colocado em alta velocidade pela Chancelaria Federal desde a invasão russa. Do ponto de vista alemão, a América Latina “útil” poderia ser um substituto parcial para mercados e fornecedores perdidos ou potencialmente perdidos na Europa e na Ásia.

A Espanha sempre manteve uma relação especial com o que ela prefere chamar de ibero-americanos. Ao longo dos anos, foram criadas estruturas ad hoc para garantir que essas relações se mantenham. São exemplos disso as Cúpulas Ibero-Americanas realizadas regularmente desde 1991 e a criação de uma Secretaria Permanente (ou SEGIB) com sede em Madri, em 2003. Em 2012, a Espanha conseguiu convencer o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) a mudar sua sede euro-africana de Paris para Madri. No mesmo ano, convenceu os governos francês e português a fechar a União Latina, também uma organização com sede em Paris, considerada muito “ecumênica” cultural e linguísticamente. Ao mesmo tempo, as empresas espanholas, encorajadas por seus governos, investiram muito na América Latina. Em poucos anos, a Espanha se tornou o segundo maior investidor local. Apesar disso, os ventos do Oriente que dominaram a Europa desde sua expansão perturbaram esta presença da Espanha na América Latina, e que é cada vez mais ameaçada pela China, uma vez que os latino-americanos estão cada vez menos presentes nas cúpulas ibero-americanas, que por essa razão se tornaram bienais. As Cúpulas União Europeia e América Latina estão adormecidas desde 2015, um ano após a anexação da Criméia pela Rússia. A situação geopolítica atual foi vista pelos espanhóis como uma oportunidade. Eles apostam em uma jogada certeira, a de mobilizar seu compatriota José Borrell, representante da União Europeia na pasta de política externa, e que assumirá a presidência rotativa da União Europeia no segundo semestre de 2023, para convocar uma cúpula euro-latino-americana (UE-CELAC).

Os Estados Unidos, uma grande potência hemisférica desde o início do século 20, vinham há muito negligenciando seus vizinhos do sul. Após os atentados de 11 de setembro de 2001, sua atenção se fixou no Oriente Próximo e Médio. Nos últimos anos, eles desviaram o olhar para a China, suspeita de concorrência desleal – comercial, econômica, financeira, geopolítica, militar e tecnológica. Quando a Rota da Seda estendeu sua trilha até a porta dos Estados Unidos, a Casa Branca soou o alarme. O NAFTA foi atualizado e agora é chamado T-MEC (em francês, ACEUM, e em inglês, USMCA). O México está sob pressão constante para evitar qualquer transbordamento importante fora da esfera de influência dos EUA. O destino de seu lítio é motivo de preocupação para Washington. A Colômbia, um aliado tradicional na América do Sul desde os anos 20, também está sendo vigiada com olhos de falcão. A administração de Joe Biden silenciou aquela retórica excludente, de rompimento de relações com certos países da América do Sul, sustentada por justificativas de respeito a valores éticos universais. Fora da luz do dia, a Venezuela tem sido objeto de gestos das autoridades americanas destinados a fazer as pessoas esquecerem as sanções e a deslegitimação capitaneadas pelos EUA em relação às autoridades no poder nesses países. Desde que se iniciou esta nova guerra europeia, o petróleo se tornou um bem raro e estratégico. Os sinais das posições latino-americanas críticas desse tipo de política dos EUA são tratados com silêncio oficial. Dois episódios são bem demonstrativos dessa postura crítica. As cadeiras vazias de vários países latino-americanos, incluindo o México, na Cúpula das Américas em Los Angeles de 6 a 10 de junho de 2022, que se recusaram a participar do evento justamente porque não foram convidados os presidentes de Cuba, Nicarágua e Venezuela. A substituição do presidente do BID, Mauricio Claver Carone, em 26 de setembro, por uma hondurenha, Reina Mejía Chacón. Como podemos ver, a situação internacional está mudando a posição geopolítica e geoeconômica ocupada pelos continentes e Estados Nacionais até 2021. A América Latina terá que desempenhar um papel mais central. Para melhor ou para pior.

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Texto publicado originalmente em francês, em 31 de outubro de 2022, na seção ‘Analyses’ do Institut de Relations Internationales et Stratégiques – IRIS, Paris/França, com o título original “Le retour d’El Dorado? – L’Amérique latine courtisée du nord à l’est”. Disponível em: https://www.iris-france.org/171141-le-retour-del-dorado-lamerique-latine-courtisee-du-nord-a-lest/ Tradução: Andrei Cezar da Silva e Luzmara Curcino. 

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Jean-Jacques Kourliandsky É diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso, e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.