O ato de hostilizar o presidente do STF, Alexandre de Moraes, efetuado por alguns passageiros bolsonaristas no aeroporto de Roma, nos faz lembrar da campanha do ex-presidente Bolsonaro contra a Suprema Corte, mesmo porque não era ele o único no mundo a desejar controlar o Judiciário com o objetivo de gozar de plenos poderes.
Deixando-se de lado os países já sob ditaduras, de direita ou de esquerda, podemos citar a Polônia e a Hungria, países criticados no começo deste mês pela União Europeia, num relatório envolvendo, entre outros temas, o já existente controle do funcionamento do Judiciário.
Porém, o país onde as ameaças à liberdade e independência do Judiciário mais se assemelham às vividas nestes últimos anos pelo Brasil, é Israel. Manifestações populares se sucedem contra estas tentativas, seguidas de ameaças de greve geral, reprimidas pelo governo de extrema direita apoiado pelos religiosos ultra ortodoxos judaicos.
Aparentemente, manifestações sem sucesso, pois na semana passada a maioria do Parlamento judaico aprovou, numa votação apertada de 64 contra 56, uma cláusula importante da projetada lei da reforma judiciária que, tão logo seja sancionada, impedirá à Suprema Corte vetar a execução de leis decididas pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ou a aplicação de penas contra ele decorrentes de decisões judiciais. A íntegra do texto da reforma judiciária estava prevista para ser aprovada antes do fim deste mês com o objetivo de bloquear o equivalente em Israel ao STF brasileiro.
Além das constantes manifestações dentro de Israel, a oposição aos plenos poderes de Netanyahu conta com a grande maioria da comunidade judaica no exterior, notadamente intelectuais e jornalistas, apoiados também por não judeus, que se expressam com frequência nos jornais Le Monde e Liberation.
No dia da votação pela Knesset da cláusula, que favorece Netanyahu, havia 150 mil manifestantes contrários em Telavive. Segundo o Le Monde, manifestações como essa continuam ocorrendo todas as semanas em Israel.
De acordo com o jornal francês, o governo de Netanyahu tenta obter uma reforma da Justiça pela qual os parlamentares terão mais poder que os magistrados da Suprema Corte. A oposição vê também nisso uma tentativa para neutralizar os processos de que Netanyahu seja alvo. “Uma ameaça para a democracia israelense e para seus controles institucionais”, ajunta o jornal francês. Essa situação reforça a semelhança existente entre Israel com o Brasil durante o governo Bolsonaro, no qual se falava em pedir ao Legislativo o impeachment de ministros do STF, a começar por Alexandre de Moraes.
Entre os artigos disponibilizados pelo Le Monde contra a reforma da Justiça e contra o governo de união entre a extrema-direita com religiosos ultra ortodoxos em Israel, existem alguns títulos bem reveladores: “Limitar os poderes da Corte Suprema equivaleria a conceder à Knesset o poder de legislar sem controle”, “Senhor Netanyahu, não seja o primeiro-ministro que realizará o sonho de seus inimigos”, “Há alguns meses, tenho vergonha e medo do que se passa em Israel”, “Nós, ex-embaixadores de Israel, estamos inquietos diante dessa importante tentativa contra a identidade democrática de nosso país”.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.