Os norte-americanos não saberão nesta quarta todos os resultados das eleições de ontem, com os nomes dos deputados federais e parte dos senadores e governadores eleitos, por terem um sistema diversificado de votação, onde o voto impresso enviado pelo correio é majoritário. A contagem das cédulas é demorada e pode levar alguns dias. Nada a ver com a rapidez das apurações brasileiras. Porém essa demora, sujeita a contestações e recontagens, não afasta aquela preferência da direita, no caso dos candidatos republicanos, de denunciarem ter havido fraude quando não são eleitos.
O maior exemplo é o do chefe de todos eles, o ex-presidente Donald Trump, que, até hoje, não aceitou sua derrota e continua afirmando ter havido fraude nas eleições presidenciais de dezembro de 2020. A falta de um órgão centralizador de gestão das votações, tipo TSE com um Alexandre de Moraes, tem favorecido esse tipo de argumento, tanto que Trump, caso confirme o lançamento de sua candidatura à presidência dos EUA dentro de uma semana, continuará dizendo na sua campanha eleitoral ter sido roubado pelos democratas
Com bastante antecipação, o presidente brasileiro Bolsonaro, cozinhou na água morna durante quatro anos essa tática aprendida com Trump, a de alegar fraude caso perdesse as eleições, substituindo a incerteza dos votos impressos em papel norte-americanos pelos votos não palpáveis colocados dentro das urnas eletrônicas. Levou muito tempo cozinhando, mas a mentira não pegou, mesmo se evitou até agora fazer um pronunciamento claro de bom perdedor e cumprimentar o presidente legalmente eleito, como manda a Constituição.
Trump derrotado, berrando ter havido fraude nas eleições, tentou dar um golpe na diplomação dos eleitos Joe Biden e Kamala Harris, no ataque ao Capitólio, sede do Congresso, no dia 7 de janeiro, por seus seguidores por ele incitados a “lutarem contra a fraude eleitoral maciça”. Até agora, Trump tem adiado a convocação recebida por uma CPI, para depor diante do Congresso, mas talvez deponha ainda neste mês de novembro. No ataque ao Capitólio, foram presas mais de 850 pessoas, houve cinco mortos e 140 policiais feridos.
Bolsonaro não tinha um Congresso para atacar, pois não iria esperar meados de dezembro, na diplomação de Lula e Alckmin, para reagir “contra a fraude eleitoral”. Diante do fracasso de Trump no ataque ao Capitólio, no qual deputados, senadores e inclusive Biden e Kamala poderiam ter sido atacados pelo gado norte americano em cenas trágicas de um western, Bolsonaro quis ser mais previdente: convocou por antecipação os caminhoneiros seus seguidores, contando com o apoio do diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, na santa missão, abençoada pelas orações, ações e presença dos fiéis bolsonaristas evangélicos, para bloquearem os principais troncos rodoviários com suas jamantas, com uma paralisação geral do país, a fim de obterem uma intervenção militar ou golpe contra o resultado das eleições.
Não fosse a pronta intervenção do ministro Alexandre de Moraes do STF, o Brasil teria parado e poderiam ter ocorrido consequências mais graves. Durante dois dias, o presidente Bolsonaro tomou chá de sumiço, deixando aos seus seguidores observarem o script pré-fixado, enquanto seu silêncio queria dizer conivência e autorização.
Embora ainda existam alguns golpistas irredutíveis, alimentados por fake-news, ainda insistindo numa intervenção militar, a ameaça de golpe já passou, e o presidente eleito já está empenhado na formação do novo governo. A reação internacional foi de pronto reconhecimento dos resultados da eleição, a tal ponto que Lula foi convidado a participar em Sharm-el-Sheikh, no Egito, da conferência sobre o clima, quando deverá anunciar o fim do desmatamento na Amazônia.
Essa acolhida internacional entusiasmada a Lula, acabou provocando ciúmes em Bolsonaro. Recolhido ao silêncio, esperando por um golpe que não houve, praticamente inativo desde sua derrota, no domingo 30, talvez depressivo, ao saber da viagem de Lula à conferência COP 27 da ONU representando o Brasil, Bolsonaro sentiu-se usurpado do poder e, depois de proferir um palavrão, disse num vídeo circulando nas redes sociais “p…, eu ainda sou o presidente!”. Tarde demais, foi ele mesmo quem provocou sua rejeição pela comunidade internacional.
Outra semelhança nas eleições de ontem com as eleições brasileiras, foi uma frase pronunciada pelo presidente Joe Biden: “a democracia depende literalmente do seu voto, é um momento decisivo para o país” e outra frase ainda mais objetiva ” a democracia está em jogo”. Um clima de polarização, redes sociais ativas lançando fakes os mais absurdos como no Brasil, declarações colocando em dúvida, por antecipação, a fiabilidade dos resultados das eleições, envolvimento de crendices religiosas e seitas evangélicas, destacando-se o governador republicano na Flórida, Ron DeSantis, ultraconservador, sério concorrente mesmo para Trump, que se declarou no último clip” ser um escolhido de Deus”.
Geralmente nas chamadas eleições de “midterm” ou eleições de meio mandato, é a oposição quem ganha. Confirmada essa tendência, os republicanos poderão obter a maioria na Câmara e no Senado, abrindo-se as portas para o retorno de Donald Trump, um populista do tipo Bolsonaro embora mais instruído, com ambição desmedida do poder, que compromete a imagem norte-americana de país incentivador da democracia. Os constantes acenos de Trump a Bolsonaro e sua família já eram bastante reveladores. Para o Brasil de Lula, uma vitória dos republicanos e, a seguir, o retorno de Trump serão de mau agouro e poderão dificultar seu governo, sem esquecer que os conspiradores populistas e evangélicos norte-americanos estarão ligados aos seus congêneres brasileiros.
Os republicanos e Trump poderão também travar os programas de Biden em defesa do clima e em favor da utilização da energia limpa, programa considerado “por demais verde e radical” pelos republicanos.
***
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.