O governo Bolsonaro e alguns grandes jornais brasileiros disputam atualmente uma guerra pelo controle da agenda noticiosa nacional, num momento em que a informação passa a ser a arma política mais eficiente neste período pré-eleitoral.
O governo e movimentos políticos de ultra direita tentam influir nos temas que estão sendo discutidos pela população ao fazer pronunciamentos e propor ações destinadas a criar focos de tensão entre o poder Executivo e o Judiciário. Isto visa alimentar um ambiente de incerteza e instabilidade neste início de campanha eleitoral.
Já os principais grupos midiáticos nacionais adotam uma estratégia focada na divulgação de denúncias de corrupção, falta de transparência e má administração de recursos públicos, procurando deslocar o debate para o questionamento da eficiência e transparência da administração pública federal.
Um exemplo da batalha pelo domínio da agenda é o caso Daniel Silveira. O presidente Bolsonaro procurou criar uma zona de tensão com o Poder Judiciário ao publicar um decreto perdoando o deputado federal condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob a acusação de promover animosidade entre os poderes da República.
Instalou-se de imediato o debate público sobre se o perdão é ou não constitucional, o que evidentemente é do interesse do governo federal, pois a complexidade da questão permite que a discussão se prolongue e possa gerar outros temas para a agenda, todos dentro da estratégia eleitoral do Palácio do Planalto.
O caso Daniel Silveira tem todas as características de uma reação bolsonarista à sucessão de denúncias sobre corrupção e mau uso de verbas públicas que permitiram à imprensa dominar a agenda nas três primeiras semanas de abril. Casos como o dos pastores no Ministério da Educação, das polêmicas compras feitas pelas Forças Armadas, a reação violenta dos comandantes militares e o agravamento constante da crise econômica nacional.
A insegurança pré-eleitoral
Outro episódio ainda mais recente envolve a possibilidade de quebra da legalidade antes das eleições. Suspeitas de que Bolsonaro poderia “virar a mesa” diante das pesquisas que apontam sua derrota para o ex-presidente Lula no primeiro ou no segundo turno.
A enorme relevância assumida pela agenda pública de debates em sociedades altamente midiatizadas cria um desafio não menos relevante para o jornalismo, que até agora sempre se deixou levar pelo protagonismo governamental e empresarial privado na definição dos temas discutidos pela população. Primeiro, porque a imprensa já não tem mais o controle dos fluxos de notícias, quando os chamados “porteiros de redação”( jargão profissional para o chefe de redação) decidiam o que merecia ser publicado. Segundo, porque as redes sociais virtuais ganham cada vez mais a posição de mega assembleias populares, onde as regras para influenciar pessoas são diferentes das praticadas pelos formadores de opinião tradicionais.
As diferenças de critérios entre “porteiros” e “influenciadores digitais” permitiu o surgimento de uma maior clareza sobre como opera o processo de conquista de corações e mentes na política. Paradoxalmente, isto acabou contribuindo para tornar ainda mais complexa a identificação de uma solução.
Se, antes da internet, inexistia uma preocupação das redações em desconstruir a agenda governamental, agora já existe uma mínima atenção na mídia convencional em ver o que está por trás do discurso oficial. Mas o processo se complicou com a formação das “bolhas opinativas” nas redes sociais, formadas por seguidores de influenciadores digitais de todas as tendências.
A batalha da liberdade de expressão
A agenda predominante ainda é determinada basicamente pelos líderes políticos e empresariais, cujas ideias e propostas são repassadas ao público geral pela imprensa convencional. Os jornais tradicionais também mantêm sua posição como principais influenciadores na agenda das redes sociais, mas gradualmente começam a ser também influenciados pelas “bolhas opinativas” especialmente na extrema direita, com sua agenda própria, e em grupos segmentados dentro de redes como Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.
Outro fator complicador é o surgimento de uma agenda de costumes promovida intensamente pelos extremistas de direita. A mais polêmica de todas as agendas conservadoras é a questão da liberdade de expressão, um tema que até alguns anos atrás era um monopólio da imprensa que agora tem uma enorme dificuldade em lidar com a questão. Crescem os indícios de que a extrema direita está ganhando a batalha de agendas sobre liberdade de expressão por meio da apropriação do tema através de referências constantes a ele em todas as suas manifestações públicas.
Não há mais dúvidas de que estamos dentro de um processo de criação de múltiplas agendas, o que é um dilema para o jornalismo. Os profissionais da notícia vão se transformar em mais uma das tribos aglutinadas em torno de agendas informativas específicas? Tentaremos funcionar como curadores de agendas? Ou o jornalismo irá se transformar numa atividade transdisciplinar, ou seja, uma mixagem de várias agendas?
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.