Faltando poucos dias para o segundo turno da eleição presidencial de 2022, a internet se transformou na arena preferencial de uma batalha política em que a ocupação de espaços virtuais se tornou mais importante do que a persuasão na conquista de novos eleitores.
É um desdobramento do extraordinário aumento da produção e circulação de notícias falsas promovidas, especialmente, por grupos bolsonaristas de extrema direita. Diante da impossibilidade material de desconstruir toda a avalanche de fake news, a melhor estratégia da oposição passou a ser a de ocupar espaços nas redes sociais de forma a neutralizar a ação de robôs eletrônicos que distribuem em massa mensagens mentirosas.
Os dois candidatos dedicaram especial atenção à presença em podcasts (entrevistas em áudio) como forma de alimentar o ativismo digital de seus seguidores. A entrevista de Lula ao podcast Flow, apresentado por Igor Coelho, obteve mais de um milhão de assistentes, no dia 18 de outubro. Dois dias depois, Jair Bolsonaro superou o recorde de seu antagonista também em um podcast, o Inteligência Ltda, produzido pelo comediante Rogério Vilela.
Mas o impacto principal dos dois podcasts não se limitou ao que foi dito por Lula e Bolsonaro. Fora dos respectivos estúdios, seguidores de ambos os candidatos protagonizaram campanhas de mobilização de adeptos visando produzir recordes de participação através de likes e promover uma nova forma de ocupação de espaços nas redes sociais da internet.
A conquista de espaços virtuais através da barragem de likes, deliberadamente ou não, funciona como um antídoto contra a desinformação provocada pela avalanche de fake news que tomou conta da web brasileira faltando poucos dias para a votação. Saturando espaços nas redes, é possível criar um congestionamento de mensagens favoráveis a um candidato, dificultando o receptor a acessar material do outro candidato.
A militância do sofá
Os bolsonaristas apelaram de forma massiva ao uso de robôs eletrônicos que ampliam enormemente a capacidade de replicar mensagens, em sua maioria falsas. Já os seguidores de Lula, ao dispor de muito menos dinheiro para financiar a disseminação de mensagens, recorreram à militância como principal arma política na guerra dos likes e retweets. Voluntários organizaram verdadeiras redes informais, a chamada militância do sofá, para distribuir instruções sobre como maximizar a produção de likes e colocar a campanha lulista entre os temas que mais despertaram a atenção dos internautas nas buscas no Google.
A grande batalha digital por votos marca uma mudança importantíssima na forma como serão desenvolvidas futuras campanhas eleitorais. Como é impossível desconstruir notícias falsas rápida e convincentemente quando seus promotores usam robôs eletrônicos, por exemplo, a alternativa mais eficiente passa a ser criar uma contra- avalanche de mensagens. Trata-se de um recurso que pode funcionar em termos de reduzir a eficácia de campanhas de desinformação, mas tem uma contraindicação perturbadora, pois amplia o caos informativo que desorienta ainda mais os usuários de redes sociais.
O crescimento da digitalização em campanhas eleitorais seguramente terá muitos outros efeitos que ainda é impossível delinear. Uma coisa parece, no entanto, certa: o impacto das mensagens vai se tornar ainda mais importante na conquista de votos. A internet é pouco indutora da reflexão, especialmente em redes sociais com grande número de usuários, que são as preferidas dos políticos candidatos a algum posto eletivo. Outra tendência preocupante é a da sofisticação das fake news através das deepfake, alteração de imagens, com ocorreu recentemente quando foi criada uma versão digital dos apresentadores do Jornal Nacional anunciando uma pesquisa da opinião também falsa e que favorecia Jair Bolsonaro.
As deepfake ainda são muito caras e sofisticadas, mas devem ficar mais baratas com a popularização da tecnologia, tornando ainda maiores as incertezas do eleitor comum diante de uma imagem. O empresário Bruno Sartori, um especialista em design gráfico digital, é um crítico do uso de imagens adulteradas para fins políticos e se mostra preocupado com o papel que elas terão num eventual governo Bolsonaro. Segundo Bruno, estamos diante de uma situação extremamente perigosa porque não vimos ainda nem 5% do que as deepfakes são capazes”.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.