
(Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)
Na edição do UOL News do dia 11 de abril de 2025, Madeleine Lacsko foi categórica quanto à possível candidatura de Tarcísio de Freitas à presidência: “a força” do governador está no fato de ele “comer de garfo e faca; não ser um doido e ser de uma nova geração, porque é isso que as pessoas estão buscando”. Mais ainda:
“Estamos com políticos que são de uma geração de quarenta anos atrás e que já deviam atuar como conselheiros políticos, que já deveriam ter feito os seus sucessores e que estão ali governando de uma maneira antiquada, apelando ao populismo; tanto Lula quanto Bolsonaro são assim, e é gente que está aí desde a década de 70 e 80 (…). É um momento de uma nova geração!
A jornalista segue expondo a sua preocupação com a ausência de uma sólida candidatura de direita: Tarcísio precisaria se apressar para não ocorrer o risco de experimentar a derrota. A nova geração precisa se organizar com urgência e varrer para o passado a velha política – representada por Lula. Nessa velha política, inclui-se também Bolsonaro. Estariam no mesmo balaio o atual e o ex-presidente. Estamos na presença de uma grande desfaçatez, que visa pôr Tarcísio e Bolsonaro em polos divergentes. Ora! É o governador quem está no palanque pedindo anistia para os golpistas! Com o seu boné do Make America Great Again, ele segue com o principal herdeiro do golpismo.
Quanto à comparação entre Lula e Bolsonaro, também não é nova. Lembremos do famoso editorial do Estadão: uma escolha muito difícil, de 2018. Mas, mesmo com o rolo compressor do governo Bolsonaro na pandemia e na economia, as tentativas de equipará-lo a Lula permaneceram. Hoje, mesmo diante das tentativas de golpe de Estado e assassinato, segue firme a ideia de “tudo é a mesma coisa”. Aquele que teria planejado não apenas a derrubada de um governo, democraticamente eleito, mas também a morte do mandatário, é igualado à vítima: os “monstros gêmeos”.
Em fevereiro deste ano, Eliane Cantanhêde profetizou: “a pergunta é se Lula tem condições de recuperação até 2026 – não mais para a reeleição, que sai do radar, mas para fazer o sucessor”. O presidente está fora do jogo – a sua reeleição sequer deve estar em perspectiva: afinal, Lula já entregou “o País de mão beijada para a direita”. Agora “resta saber qual a direita”. Para Cantanhêde, Lula não teria mais capital político nem popularidade para disputar a reeleição, mas teria para fazer um sucessor. Na verdade, no decorrer de seu artigo, a autora afirma a impossibilidade dessa sucessão: “a opção Haddad, que parecia, e era a melhor, esfarelou”.
Ainda no Estadão, em meados de dezembro de 2024, Cantanhêde já havia disparado contra as esperanças daqueles que desejam um “Lula IV”: “não adianta tapar o sol com a peneira”. Não obstante Lula seja um homem forte e saudável para os seus 79 anos, não é “um político com energia e vitalidade suficientes para disputar um quarto mandato em 2026”. Pronto: “com Bolsonaro fora e Lula cada vez mais distante, a renovação em 2026 é uma realidade”. Mais ainda:
“As duas maiores preocupações da população são, justamente, economia e (falta de) segurança. Com Bolsonaro inelegível e enrolado e Lula ainda disposto a concorrer, mas cada vez se distanciando da intenção e das condições, convém aos candidatos à renovação priorizar nessas duas pautas”.
Cantanhêde está em diálogo com Lacsko. Se esta última apresenta o governador de São Paulo como a “nova geração” e o convoca a varrer para o passado a “velha geração” encabeçada por Lula e Bolsonaro – os monstros gêmeos –, a primeira utiliza o termo renovação. Lula estaria desprovido não apenas de capital político para tentar uma reeleição, mas também de vigor físico. Mas isso seria algo positivo, pois já estaria decretado que em 2026 teríamos algo novo. O Brasil se livraria de algo velho e atrasado. Assim, diversos setores da imprensa têm anunciado e profetizado o fim de Lula e a impossibilidade, irrevogável, de sua reeleição. Trata-se menos de uma análise crítica, com base em dados e reflexões históricas e sociais, e mais de um desejo.
Quando Lula incumbiu Gleisi Hoffmann da missão de assumir a Secretaria de Relações Institucionais e faz um elogio à sua beleza, além da enxurrada de ataques e tentativas de deturpar as palavras do presidente, não faltaram comparações entre ele e o líder da extrema direita brasileira: “Lula e Bolsonaro acumulam frases machistas”, estampou um uma matéria a Folha de São Paulo. Lembremos o que disse o chefe do Executivo:
“É muito importante trazer aqui o presidente da Câmara e o do Senado. Porque uma coisa que quero mudar, estabelecer relações com vocês. Por isso coloquei essa mulher bonita para ser ministra de Relações Institucionais, porque não quero mais ter distância de vocês”.
A referência à beleza de Hoffmann estaria no mesmo patamar dos discursos de Bolsonaro, que “dias antes, havia aparecido em vídeo chamando mulheres petistas de feias e incomíveis”. Ambos teriam um histórico de hostilidade às mulheres. Não apenas isso: a imprensa, que o tempo todo subestimou o potencial da ex-presidente do PT para assumir o cargo, sai em ataque à fala de Lula. Mesmo não tendo sido uma fala hostil, lembremos o que o presidente disse sobre Hoffmann, no início do ano: “Gleisi é um quadro muito refinado. Politicamente, tem pouca gente nesse país mais refinado que a Gleisi”.
Se a confiança do presidente à pessoa de Hoffmann para assumir um dos cargos mais importantes do Executivo não aparece nos argumentos dos colunistas, dirás o enaltecimento à sua capacidade profissional e intelectual. Na verdade, nos últimos dias nos encontramos diante de um movimento semelhante, devido a uma crítica contundente feita à diretora-geral do FMI. Vejamos o discurso de Lula, a partir de uma passagem do G1:
“Eu estive em 25 de janeiro do ano passado em Hiroshima. Estava lá visitando, eu e o presidente dos EUA, onde jogaram a bomba de Hiroshima. Eu se fosse presidente dos EUA, não iria no lugar que jogou a bomba, mas ele foi. E lá eu encontro uma mulherzinha, uma presidente do FMI, diretora-geral do FMI, nem me conhecia [faz vozinha]: ‘Presidente Lula, presidente Lula, sabe que o Brasil, está difícil a coisa para o Brasil. O Brasil só vai crescer 0,8%’. Eu falei: você nem me conhece, eu não te conheço, como é que você fala que o Brasil só vai crescer 0,8%?”.
O discurso do chefe do Executivo nos leva a duas questões de extrema relevância histórica e política. Lula da Silva não deixa a oportunidade passar e denuncia o que alguns historiadores apontam como o maior atentado terrorista da História: a aniquilação nuclear de duas cidades civis japonesas. Em segundo lugar, estamos diante de uma indignação que revela a defesa da soberania nacional, isto é, da não intromissão do FMI nos assuntos da política econômica do Brasil. Mas o pronunciamento de Lula foi uma oportunidade para mais uma vez Andréia Sadi entrar em ação:
“Tenho a impressão que se colocar algumas falas… com esse cunho machista que o presidente usou para se referir a Kristalina Georgieva, você não sabe se foi Lula, se foi Bolsonaro…”
Mais uma vez nos encontramos diante da equivalência de duas figuras – dois monstros gêmeos – que, na verdade, são completamente opostas e antagonistas. Mas, continuemos na GloboNews e tratando do discurso do Presidente da República. Desta vez demos a palavra a outra jornalista, a eloquente Flávia Oliveira:
“Essa crítica é procedente. De fato, houve um caminhão de erros em relação às projeções para a economia brasileira. Mas por que ser misógino? E curioso, porque não faz dois dias, Lula fez uma defesa, na reunião da CELAC, em Honduras, de uma Secretária Geral da ONU mulher. Então, fez uma referência a uma representatividade feminina.”
Na análise de Sadi – que compara Lula e Bolsonaro – desaparece não somente a história, mas a política. Não há uma contextualização. Pega-se um recorte de alguns segundos, esquece qual tema está sendo tratado e se desfere ataque à figura do presidente. Mas não se trata de um movimento tão recente. Já em novembro de 2019, o experiente jornalista Kennedy Alencar denunciava essa estratégia:
“Começou a história de igualar Lula a Bolsonaro. É a falsa isenção, o falso equilíbrio. Lula é um moderado de esquerda compromissado com a democracia. Bolsonaro, um extremista de direita autoritário. Não são dois lados da mesma moeda. Equalizar diferenças é normalizar Bolsonaro.”
Desde a ascensão de Bolsonaro ao poder e a disseminação do bolsonarismo no Brasil, a linguagem dominante buscou igualar o líder da extrema-direita a Lula da Silva. Nem a sua atuação na pandemia de Covid-19, nem sua tentativa de golpe de Estado e assassinato – do próprio presidente! – mudou essa narrativa. Na verdade, com vistas às eleições de 2026, há uma intensificação em tratar o atual chefe do Executivo brasileiro como uma “velharia” política da qual faz parte o capitão golpista. Com Haddad fora do jogo (a sua reprovação aumenta com a do seu chefe), a Renovação é simbolizada pela figura de Tarcísio de Freitas, aquele que “come de garfo e faca”, que “não é um doido”. Dessas análises (?) se ausentam não só a coerência e a História, mas também a política.
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Osnan Silva de Souza é Graduado em História pela UNEB, Mestre em História pela Unicamp e Doutorando em História pela Unicamp.