O barómetro político está ficando louco em vários países da América Latina. Argentina, Chile, Colômbia, Equador e Peru estão passando de repente de alta para baixa pressão, ou vice-versa. Outros países poderão em breve ser atingidos por brutais ventos políticos, o Brasil sem dúvida nos próximos meses.
A atmosfera política nos países mencionados tem tido reviravoltas de alta intensidade. Elas são por vezes muito diferentes umas das outras. Na Argentina, é um cisma interno da maioria Justicialista (ou Peronista). A vice-presidente, Cristina Kirchner, obrigou o chefe de Estado, Alberto Fernández, a mudar o ministro da Economia em 3 de julho de 2022. No Chile, o presidente eleito por uma coalizão de esquerda (Apruebo Dignidad), que tomou posse em 11 de março de 2022, Gabriel Boric Font, sofreu uma queda na popularidade, caindo para 24% no final de junho de 2022, o que permite pressupor a possibilidade de uma votação negativa da nova Constituição em 4 de setembro.
Na Colômbia, em 19 de junho de 2022, deu-se uma mudança de governo bastante clara, que trouxe pela primeira vez à presidência um candidato do Pacto Histórico (à esquerda), Gustavo Petro, sem vínculos com o tradicional establishment liberal e conservador. O Equador passou por três semanas de violentos protestos indígenas em junho de 2022. A dinâmica do movimento permaneceu à margem dos partidos políticos, tanto de esquerda como de direita, apesar das tentativas de recuperação parlamentar. No Peru, Pedro Castillo, o vencedor surpresa das eleições presidenciais de 2021, em nome do partido Free Peru, ainda não começou a governar. Ele está se defrontando com uma série de obstáculos parlamentares, que estão ocupando seu tempo, forçando seus ministros a se demitir e forçando-o, em 30 de junho de 2022, a deixar o partido que havia permitido sua candidatura e sua eleição.
“Atmosfera, atmosfera”, disse Raymonde (Arletty), que não entendeu as mudanças esperadas por seu “protetor” Louis (Louis Jouvet) [1]. De que tipo de atmosfera estamos falando na América Latina? Como podemos interpretar estas diferentes rupturas, alternâncias eleitorais, crises partidárias, paralisia institucional, rebelião em massa? Alguns veem esses eventos como as etapas de uma espécie de corrida de bicicleta, com um percurso escrito desde sempre. Após um ciclo de poder liberal-conservador, haveria necessariamente um ciclo progressivo, seguido por um retorno ao ponto de partida liberal-conservador.
A “explicação” tem o mérito de ser capaz de dividir os momentos políticos latino-americanos entre a direita e a esquerda. Entretanto, não podemos nos dar por satisfeitos sem uma melhor explicação, se quisermos ir além disso e tentar entender a mecânica dos ciclos… A primeira resposta é óbvia. Essas crises, essas alternâncias, são da direita quando os governos que saem são progressistas. Eles são de esquerda quando os poderes que saem são de direita.
Uma pergunta então vem à mente do cicloturista político. Quais são as razões para estas sanções nas urnas, independentemente da cor dos governos? Como podemos interpretar a fluidez dos eleitorados e das opiniões, que às vezes reagem brutalmente, e não parecem confiar nos partidos políticos? Quando o argentino Mauricio Macri ganhou em 2015, ele usava as cores de um partido liberal-conservador, o PRO. Assim como em 2019 Alberto Fernández ganhou em nome da Frente de Todos, uma coalizão justicialista de centro-esquerda. Macri e seus amigos ganharam novamente uma maioria nas eleições parlamentares interinas de 2021. Então, que sentido atribuir a estas idas e vindas em forma de bandoneón, de sanfona?
Para responder a esta pergunta, é necessário olhar além da retórica eleitoral e partidária e ver os discursos muitas vezes indignados e acusatórios condenando o “populismo”, seja ele da direita ou da esquerda. Vale a pena lembrar a observação de senso comum feita em 1992 por James Carville, conselheiro eleitoral do candidato Bill Clinton: “É a economia, estúpido!”. As consequências econômicas e sociais da pandemia do coronavírus, e a invasão russa da Ucrânia, desestabilizaram a América Latina. Seja à esquerda, na Argentina ou à direita, na Colômbia e no Equador, esses governos sofrem mais, do que administram, a queda da atividade e o aumento da inflação. As respostas fornecidas poderiam ou deveriam ser mais sociais à esquerda, do que à direita. Mas além dos discursos diferentes e às vezes opostos, os medicamentos utilizados são bastante semelhantes: austeridade, aumento dos impostos indiretos, apelos ao FMI.
Ao longo destes anos, independentemente do partido que está no comando, por exemplo a centro-esquerda na Argentina, a direita no Equador, o “prato do pobre” tem permanecido igualmente magro. A taxa de pobreza é de 37/40% na Argentina. Manifestantes da CONAIE (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador) em 13 de junho de 2022 tomaram as estradas e ruas diante do anúncio de um aumento no preço do combustível de US $0,80 para US $2,55. O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, um nacionalista progressista, recusou-se, desde a sua posse, a fazer com que os ricos paguem, a reformar a tributação. Ele está tentando jogar à margem, buscando recuperar o dinheiro roubado dos cofres públicos e colocando o Estado no limiar da pobreza: um corte de 77% do subsídio presidencial, uma redução nos salários dos funcionários públicos de categoria A, a venda da frota aérea do governo.
Este “prato”, ainda que servido com nomes diferentes, tem o mesmo conteúdo daquele do candidato de direita na Colômbia em maio-junho passado, Rodolfo Hernández. O centro-esquerda argentino, Alberto Fernández, assinou um acordo de reestruturação da dívida com o FMI em 28 de janeiro de 2022, formalizado em 3 de março. Este acordo impõe um déficit orçamentário mínimo, a “consolidação” da ajuda social, em particular a suspensão dos subsídios para compensar o aumento dos preços da energia. Essas decisões estiveram na origem da crise e do colapso da confiança dos eleitores; 69% deles expressaram opiniões negativas sobre a gestão do país por Alberto Fernandez e Cristina Kirchner de acordo com o Instituto Opinaia, e 67% de acordo com o concorrente Analogias.
A roda da bicicleta continuará girando nos próximos meses. Ela poderá (deverá?) punir os titulares das presidências se a vida cotidiana do povo não melhorar? Temos diante de nós o referendo constitucional chileno, as eleições presidenciais argentinas de 2023 e as eleições equatorianas de 2025. A ver.
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[1] Linha do filme Hôtel du Nord de Marcel Carné (1938).
Texto publicado originalmente em francês, em 09 de julho de 2022, na seção ‘Actualités’, no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Amérique latine, une météo politique agitée”. Disponível em: <https://www.espaces-latinos.org/archives/author/jjk-jeanjaures>. Tradução de Andrei Cezar da Silva e Luzmara Curcino.
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Jean-Jacques Kourliandsky É diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.