Nos últimos quatro anos, sempre que tem uma oportunidade, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem colocado em dúvida a eficiência e a honestidade da Justiça Eleitoral e das urnas eletrônicas. Os seus seguidores, incluindo o provável vice da chapa de reeleição, o general da reserva Braga Netto, tem atacado as urnas. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Gustavo Torres, também fez insinuações descabidas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira tem insinuado que as Forças Armadas mereciam mais espaço para atuar no TSE. A lista é longa.
Vamos ficar por aqui. Até porque não passa um santo dia sem que alguém do governo não abra fogo contra as urnas eletrônicas. Por exemplo, lembrando que pode se repetir no Brasil o que aconteceu nos Estados Unidos, onde o ex-presidente Donald Trump (republicano) contestou a derrota nas urnas para o atual ocupante do cargo, Joe Biden (democrata), incentivando os seus seguidores a invadir o Capitólio – o congresso americano. Perante essa situação, há uma pergunta que nós jornalistas ainda não fizemos ao presidente Bolsonaro. Como ele pretende impedir que as eleições aconteçam?
Não vamos ficar imaginando qual seria a resposta de Bolsonaro. Vamos aos fatos. Buscamos a resposta do presidente nas declarações que ele e seus ministros generais têm feito a respeito do assunto. Eles não dizem com todas as letras. Mas deixam subentendido que as Forças Armadas impedirão a realização das eleições. Não por outro motivo autoridades americanas que fiscalizam os acordos entre as forças armadas dos dois países têm questionado o governo brasileiro sobre o assunto. Aqui é o seguinte. De maneira muito astuta, os estrategistas da candidatura à reeleição do presidente insistem em consolidar na opinião pública a ideia de que têm poder nas mãos para impedir uma eleição.
Estão fazendo isso com a nossa ajuda involuntária, porque publicamos apenas as ameaças que eles fazem sem perguntar o que fariam em caso de uma reação popular contrária. Esse é o ponto frágil nessa estratégia. Porque ela parte do princípio de que a população aceitaria uma manobra dessas sem reagir. Isso não é verdade. Haveria uma reação popular muito grande, como a que aconteceu em 2013, quando multidões foram às ruas protestar em mais de 500 cidades brasileiras. Eu fiz matéria na ocasião. A pauta dos protestos era variada e confusão. A pergunta que precisamos fazer para o presidente e os seus generais. Em caso de uma reação popular contra a não realização das eleições as tropas abririam fogo contra a população civil?
Nessa mesma linha de consolidar na opinião pública uma meia-verdade, o presidente da República tem dito, repetidas vezes: “Só Deus me tira daqui”. Nós temos publicado essas declarações, com algumas variações na forma de dizer, e não no conteúdo, nos noticiários. Aqui cabe a pergunta. Como Bolsonaro pretende permanecer no cargo de presidente se for derrotado nas urnas? Sem ser perguntado, ele tem dito que pode se repetir aqui o que aconteceu nos Estados Unidos, a invasão do Congresso. Essa invasão resultou em cinco mortos, sendo um policial, e dezenas de feridos. Até agora, 800 pessoas foram presas e uma comissão legislativa vem apurando o caso e apontado as responsabilidades de Trump.
Aqui vou interromper a nossa conversa para fazer um alerta aos colegas que julgo necessária. A imprensa brasileira está noticiando muito mal a história da comissão legislativa dos Estados Unidos que investiga a invasão ao Congresso pelos seguidores do Trump. Não estamos dando a necessária atenção ao recado que essa apuração traz para os seguidores de Bolsonaro, que pode ser resumido em poucas palavras: “Se tentarem fazer a mesma coisa, vão para a cadeia”. Aqui é o seguinte. Aquele papo de que a Justiça do Brasil é mais suave que a americana e que não põe ninguém na cadeia não é bem assim. Vou citar três motivos. O primeiro é que a massa carcerária do Brasil é uma das maiores do mundo. A segunda é que pagar um advogado para empurrar o “processo com a barriga” custa muito caro. E, por último, mais de uma dezena de pessoas respondem a processos por ter embarcado nas histórias de Bolsonaro e, no final, “ficaram agarradas ao pincel” – há várias matérias na internet.
Há mais um fato que devemos explicar melhor para os nossos leitores. Existem uma diferença enorme entre Trump e Bolsonaro. O ex-presidente dos Estados Unidos é um empresário dono de uma grande fortuna e de negócios milionários. Bolsonaro é um capitão reformado do Exército que vive do dinheiro que ganha como ex-militar e do salário de parlamentar. Portanto, não tem “bala na agulha” para grandes aventuras. Mais um fato que devemos considerar: os três filhos parlamentares do presidente, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo.
Se Bolsonaro for derrotado nas urnas, as carreiras deles serão valorizadas porque deixarão de ser “os filhos do homem” para se tornarem figuras de proa dos bolsonaristas. E o próprio presidente ficará com capital político para se eleger senador nas próximas eleições. Agora, se ele se envolver em uma aventura golpista, a conversa é outra. Falei para um colega repórter italiano que, pelos fatos que temos publicado, o presidente da República é um grande bravateiro. Empurra a situação até um limite. Recua quando a sobrevivência política e econômica da sua família começa a correr risco. Por que agiria diferente?
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.