Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Assange, Vaza-Jato e o Debate Esquecido

(Foto: Marcelo-Camargo/Agência-Brasil)

Para além da personalidade de Assange e da disputa eleitoral brasileira de 2022, o ápice do jornalismo investigativo tem exposto o Rei nu: transparência radical faz-se urgente. Se os meios de comunicação sequer prestam-se a divulgar revelações WikiLeaks, poderá tal discussão permear as sociedades? Estrutura podre pelo que instrumentos como WikiLeaks e Vaza-Jato devem atuar. Perder-se-á este ímpar bonde da história para se falar, enfim, em democracia plena, participativa?

Criminalizando Assange, blinda-se como sempre o Estado para que este se proteja do cidadão ao invés de se defender os interesses do cidadão, protegendo-os também dos abusos e até crimes do Estado, observou Chomsky em entrevista a este autor. Assim estamos no Brasil.

Julian Assange ainda está preso em Londres, cujo “crime é ter praticado jornalismo sério” conforme pontuou Noam Chomsky em recente entrevista a este autor, tanto quanto suas revelações bombásticas envolvendo os porões da política americana e mundial – à direita e à esquerda (inclusive no Brasil) – estão completamente esquecidas pelos meios de comunicação. Consequentemente, também pelas sociedades mundo afora.

O pouco conteúdo abordado anos atrás está hoje esquecido e, para piorar a situação, jamais foi satisfatoriamente compreendido.

Atrever-se a rememorá-lo? Tarefa indesejável na era das leituras curtas, superficiais, “novos hábitos” segundo eufemismo aplicado até por inúmeros editores, vendedores de banana jornalística que contribui de modo eficazmente ímpar ao aceleramento da desinformação e mediocridade entre as sociedades.

No caso particular do Brasil, a Vaza-Jato traz semelhança com WikiLeaks para além da forma e do conteúdo das revelações dos usurpadores de um poder precariamente travestido de democrata. A leitura que se faz de ambos, não toca fundo nos interesses da sociedade e do avanço da pobre “democracia representativa”.

Desde o início, os barões da mídia trataram de distrair o trabalho de Julian. Desde uma banal e cansativa utilização das Teorias do Jornalismo “enchendo linguiça” de sítios na Internet, revistas e jornais que, distraindo atenções magistralmente, jogavam para escanteio a essência das denúncias, até supostos traços da personalidade do jornalista australiano: subterfúgio mais cínico, para não se tocar nas feridas escancaradas por WikiLeaks.

Se, por um lado, tentar-se fazer o público tomar consciência das revelações de WikiLeaks trata-se de luta inglória a um comunicador em qualquer parte do mundo, a habilidade incrível dos meios de comunicação para desvirtuá-las torna impossível a compreensão do essencial da realidade trazida pela organização do Julian. A verdadeira leitura que se deve fazer para além das específicas revelações de cada telegrama secreto vazado.

A coincidência à brasileira neste caso deve-se, em grande parte, ao sectarismo reducionista que faz a Vaza-Jato servir a interesses político-partidários, selvageria eleitoreira e personalismo. Afinal, as pobres sociedades sempre precisam de falsos ídolos, os salvadores da Pátria mais tosca. Cuja estrutura não muda, nem nunca mudou.

O juizeco Sérgio Moro não contaminou o Ministério Público, nem foi ele quem rebaixou o sistema de Justiça jogando-o à generalizada descrédito perante a opinião pública (pesquisas), conforme a narrativa predominante. O que ocorre é que, desta vez, vazou como atuam os donos do poder.

Alguém se lembra de outra farsa denominada Mensalão? Do quanto se safou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de ser cassado? Da injusta cassação do ex-presidente Fernando Collor de Mello (sem entrar, aqui, no mérito da baixa qualidade de seu mandato), promovida pela Rede Globo em conluio com os porões do poder por interesses políticos? Alguém sabe que houve golpe militar no Brasil em 1964, cujos criminosos até hoje vivem sem nenhuma punição?

Se a resposta for sim às questões acima, entre inúmeras outras que se poderia elaborar neste sentido, não se pode dizer que apenas agora o sistema de “Justiça” tupiniquim tornou-se um bando criminoso, que move o destino do Brasil para onde bem entende, e destrói vidas aleatoriamente.

Nem se pode imaginar que o agora recuado Serginho seja o grande e único capataz do Patropi. Serginho e seus ex-Golden Boys da Republiqueta de Curitiba usaram e abusaram da arbitrariedade, porque sabiam muito bem que o sistema lhes permitia agir como agiram — o sistema brasileiro é assim.

O principal debate envolvendo WikiLeaks e Vaza-Jato não deve ser em que grau as revelações enquadram-se nas Teorias de Jornalismo das faculdades, nem se determinado juizeco, em determinado momento determinou, com pseudo-procuradores da mais extraordinária vagabundagem moral, perseguir um político, um partido político, ou todo um espectro político.

O ponto principal é que, saia Julian da cadeia ou não, tenha Lula os direitos políticos restabelecidos ou não, para muito além de Bolsonaro ou Lula presidente em 2022 o principal fato é que apenas houve WikiLeaks e Vaza-Jato, porque toda a estrutura política, em todas as esferas, está e já nasceu podre.

As sociedades precisam desesperadamente de transparência radical, em todos os segmentos a começar pelo poder político. Em seus Três Poderes, passando pelo funcionalismo público chegando até igrejas e iniciativa privada. Isso precisa ser entendido, e discutido amplamente — de um ponto de vista realista: dificilmente será.

Democracia participativa deve estar na vanguarda do debate. Antes e depois deles, muitos Lulas e muitos Assanges vêm sendo vítimas dessa cúpula representada por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol e outros comparsas. Seres da mais baixa índole que nunca enganaram cidadãos minimamente esclarecidos. Como o grosso da covardemente elitista “Justiça” tupiniquim.

Moro e Dallagnol, seguidos por outros diversos violadores das leis e da Constituição, tanto do manjado sistema de “justiça” quanto os próprios barões da mídia, são apenas uma ínfima porcentagem da máfia política, que devido a alguns poucos corajosos viemos a saber como atuam os donos do poder.

Reflexão providencial: de que mais não sabemos? De que mais nunca soubemos, e jamais viremos a saber?

Enquanto o sistema for este, haverá ou será desgraçadamente necessário que haja meios como WikiLeaks e Vaza-Jato. Expondo, no mais alto poste da praça da vergonha nacional, os inúmeros Judas Iscariotes da sociedade brasileira (Judas era meio que um santo, comparado com o que empesteia o Brasil, note-se) travestidos de bons moços, à sangria pública. Mas e quando não estiverem lá WikiLeaks nem Vaza-Jato, que fazemos nesta “democracia representativa” que vivemos? Contentarmo-nos em ser manipulados, roubados e gozados pelas classes dominantes?

Conforme ideia do professor Chomsky, na mencionada entrevista: criminalizando Julian, blinda-se como sempre o Estado para que este se proteja do cidadão ao invés de se defender os interesses do cidadão, protegendo-os também dos abusos e até crimes do Estado. Assim estamos. E bem antes do juiz de mentirinha Moro, já estávamos nesta condição.

Para muito além de Haddad ou Boulos, PT ou Bolsonaro: WikiLeaks e Vaza-Jato deram importante passo no sentido de se equilibrar este jogo excessivamente desigual e, tomara, revertê-lo em favor do cidadão, maior bem do Estado de quem emana todo o poder, segundo a Constituição.

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Edu Montesanti é jornalista, escritor, professor e tradutor. Articulista de Pravda Brasil e Pravda Report (desde 2016), repórter da Revista Caros Amigos (2016 e 2017), articulista de telesur English (2017 a 2019), articulista de Global Research (Canada, 2016 a 2019), articulista de Diário Liberdade (Espanha, 2014 a 2016), entre outros meios internacionais.