Para qualquer lado que o brasileiro olhe ele enxerga uma montanha de problemas. Inflação dos preços dos alimentos, combustíveis e serviços. O ataque da Covid-19, que ainda mata mais de 2 mil pessoas por dia. Os sistemas de saúde público e privado à beira de um colapso. E, enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) intensifica a sua campanha à reeleição em 2022 usando a estrutura do seu cargo: avião, segurança pessoal, verba de representação e outros benefícios do cargo. O presidente se especializou em inaugurar obras inacabadas, como foi o caso da nova ponte do Guaíba, em Porto Alegre (RS). Muitos dos meus colegas repórteres, especialmente os colunistas políticos, têm afirmado que esse comportamento é um dos malefícios da reeleição. Não vou discutir os benefícios e os malefícios da reeleição presidencial. Digo apenas que para o projeto de poder do presidente Bolsonaro isso pouco importa. Se não houvesse reeleição ele investiria na candidatura de um dos seus filhos parlamentares. E se ele ganhasse, a família Bolsonaro continuaria no poder. É isso que importa. E é sobre isso que vou conversar com os meus colegas e leitores.
Antes de contar a história, um aviso que considero importante. Tudo que vou escrever não é teoria. São fatos que já publicamos em nossos conteúdos jornalísticos. Só o que estou fazendo é costurar os assuntos. De volta à história. Assim que a pandemia da Covid-19 se alojou no Brasil, no ano passado, Bolsonaro elegeu o vírus o seu inimigo número um e alardeou que tinha a bala de prata para matá-lo: a cloroquina. Cientistas do mundo inteiro alertaram que a abordagem do governo brasileiro no caso do vírus estava errada. O presidente insistiu no seu ponto de vista e tornou o seu negacionismo do poder contágio e letalidade da Covid-19 em política de governo. Resultado: mais de 470 mil mortos pelo vírus. E a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19, a CPI da Covid, que busca colocar as digitais do presidente da República e dos ministros no caos que resultou nas mortes causadas pelo vírus. A cada dia, mais a CPI da Covid se parece com o Tribunal de Nuremberg, no qual os Aliados, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, julgaram os chefes nazistas pelos crimes cometidos durante o conflito. E também para entender como o líder Adolf Hitler e os seus generais conseguiram convencer a sociedade alemã a se envolver com a matança de civis.
As sessões da CPI têm obtido um alto índice de audiência na TV. Esse é um dos motivos pelos quais o presidente da República intensificou a sua campanha à reeleição. Por quê? O relatório da CPI será um documento consultado por historiadores, jornalistas e pesquisadores que escreverão sobre a pandemia causada pela Covid. Empresários e banqueiros importantes que apoiaram a candidatura de Bolsonaro em 2018 pensarão duas vezes antes de atrelar as suas marcas aos 470 mil mortos causados até agora pelo vírus. Mais ainda: os eleitores que não são bolsonaristas de carteirinha vão pensar duas vezes antes de decidir em que irão votar. Bolsonaro está tentando detonar a CPI atacando em duas frentes: a primeira é causando tumulto nas sessões, usando para isso os seus senadores aliados. E a outra é fazendo campanha política. Aqui é o seguinte. Quanto mais gente ele reunir nas suas manifestações, mais forte é o recado que ele passa para os senadores da CPI da Covid, tipo: “Não mexam comigo, eu tenho o povo ao meu lado”. Até agora os senadores não estão nem aí para os recados do presidente. Muito pelo contrário. A cada sessão da CPI brotam fatos novos que colocam as digitais do governo do caos sanitário do Brasil.
O sonho de Bolsonaro é substituir a CPI pelo seu principal adversário na reeleição, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP). Tanto que ele tem disparado desaforos pesados contra Lula. Vez ou outra, o ex-presidente responde aos desaforos. Mas logo se cala. Por quê? O centro da atenção dos brasileiros hoje é a CPI da Covid. Pesquisas têm mostrado que há interesse popular em saber como chegamos ao caos sanitário. Lula está usando o tempo para costurar alianças e ganhar musculatura política para a disputa de 2022. Mais ainda: Lula não será o único contra Bolsonaro. Há uma enorme lista de candidatos, muitos com boas chances. A publicação do relatório da CPI será o tiro de largada para a campanha de 2022. Todos sabem disso, incluindo Bolsonaro. Então por que o presidente está com a sua campanha à reeleição na rua? Porque é o que restou para ele fazer. Não é de hoje. Mas toda a administração do governo federal emperrou porque foram colocados mais de 6 mil militares de várias patentes em cargos de ministros e de coordenadores de setores importantes. Eles não têm qualificação para os cargos. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é um exemplo dessa situação. O principal ministro do governo, Paulo Guedes, da Economia, até agora só mostrou que tem uma “língua afiada”, que usa contra os seus adversários. Não conseguiu tirar a economia do Brasil do buraco.
É do jogo o governo “vender o seu peixe”, seja ele municipal, estadual ou federal. Bolsonaro não tem peixe para vender. Tem um governo marcado por confusões políticas e muita coisa mal explicada, como o poder nas decisões dos assuntos presidenciais dos seus filhos parlamentares, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal de São Paulo. A grande aposta do presidente da República é que o seu nome estará constantemente nas manchetes dos jornais. Ele sempre defendeu a máxima “fale bem ou fale mal, mas falem de mim”; Até agora tem funcionado, tanto que ele se elegeu presidente em 2018. Os jornalistas não têm como não falar nele, ele é presidente da República e tudo o que diz é notícia. Vai funcionar na reeleição? Bolsonaro aposta que sim, tanto que já está com a campanha na rua. Deixando a administração do país por conta da própria sorte.
Publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.