Até o início da noite de terça-feira (16/08) nunca tinha dado muita bola para a posse de um presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desta vez, me integrei ao enorme contingente de jornalistas ao redor do mundo que atentamente assistiu à longa cerimônia de posse do ministro Alexandre de Moraes na presidência do TSE, atento à possibilidade de acontecer algum incidente devido à presença do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que concorre à reeleição e tem como sua bandeira de campanha a crítica às urnas eletrônicas, e o seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Horas depois do evento, dei uma vasculhada nos noticiários e não encontrei nada de diferente. Tomei essa atitude porque assisti à posse pela TV e não vi acontecer nada demais. Mas isso não significa que algum colega não tenha visto alguma coisa. Se alguém descobriu, não publicou nas horas seguintes à cerimônia. Há uma vastidão de matérias sobre a posse do ministro disponível na internet.
A posse iniciou a campanha eleitoral de 2022. É sobre isso que vamos falar. Voltamos um pouco no tempo. Em 2016, na disputa pela presidência dos Estados Unidos contra Hillary Clinton (Democratas), Donald Trump (Republicamos) surpreendeu a imprensa americana humilhando publicamente os jornalistas com desaforos e gritando aos quatro ventos que eles mentiam. E que a imprensa havia sido substituída pelas redes sociais. Tudo foi documento e está disponível na internet. Trump ganhou a eleição. E nos dias atuais corre o risco de ser preso devido a sua atuação do caso da invasão pelos seus seguidores do Capitólio, o Congresso americano – matérias na internet. O modelo Trump de comunicação foi usado por Bolsonaro na disputa pela Presidência da República em 2018.
Ele não só desrespeitou os jornalistas como foi grosseiro durante entrevistas que concedeu ao vivo nas emissoras de TV. E depois que tomou posse intensificou ainda mais os ataques à imprensa. Voltamos aos dias atuais. A pergunta que nós jornalistas precisamos nos fazer é sobre o que aprendemos com o governo Bolsonaro. Digo que aprendemos a valorizar a liberdade de imprensa. E fortalecemos a ideia de que ela é reforçada a cada linha que escrevemos. Falo com a convicção dos meus 71 anos, 40 e tantos de profissão, 30 e poucos vividos em redação, e dono de um bem nutrido currículo de matérias investigativas e livros publicados.
A liberdade de imprensa mantém nos eixos a disputa eleitoral. Lembro que durante o período em que o país foi governado pela ditadura militar (1964 a 1985) a troca de presidente era feita pelas Forças Armadas, que simplesmente comunicavam à população o nome do general que iria governar o país. Na época, as conversas de boteco dos jornalistas eram mais interessantes do que as matérias que publicavam, porque não sofriam censura. Mesmo depois que foi promulgada a Constituição de 1988, que restituiu os direitos civis, por alguns anos sobreviveu dentro das redações dos jornais o que se chamava de “entulho autoritário”, editores que vasculhavam os textos dos repórteres em busca de “coisas que não podiam ser publicadas”. Na década de 90 houve uma intensa renovação dos quadros de editores nas redações do Brasil, o que determinou o desaparecimento dos entulhos autoritários.
As Forças Armadas voltariam às manchetes em setembro de 2011, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) criou a Comissão Nacional da Verdade, que tinha como pauta apurar as violações dos direitos humanos entre setembro de 1946 e maio de 1988 – matérias na internet. Ao assumir o seu mandato em 2018, Bolsonaro ressuscitou a presença dos militares no governo. Por ser capitão reformado do Exército e defensor dos saudosistas da ditadura militar e dos que se envolveram com a tortura de presos políticos, o presidente da República vendeu a ideia para a população de que as Forças Armadas haviam voltado ao poder pelo voto popular. Na verdade, é uma fantasia dele. Os mais de 6 mil militares da ativa, reserva e reformados que fazem parte do seu governo estão lá por conta própria.
Espichei a conversa sobre as Forças Armadas porque Bolsonaro continua insistindo em mudar o local do desfile militar do Dia da Independência no Rio de Janeiro. Da Avenida Getúlio Vargas para a praia de Copacabana, onde estarão reunidos os seus apoiadores. Lembremos que no 7 de setembro do ano passado ele tentou dar um golpe de Estado e falhou. Agora, vai tentar novamente, pelo menos é essa a interpretação dos especialistas no assunto. Lembro o seguinte. Logo no início do seu mandato, o presidente assustava as redações, em especial os velhos repórteres, toda vez que incentivava o boato do golpe.
Por quê? Simples. A minha geração tem bem vivo na memória o que foi 1964. Nos dias atuais, Bolsonaro não assusta mais porque existe a liberdade de imprensa e uma mobilização popular enorme contra o golpe, como foi demonstrado na publicação da carta com milhares de assinaturas de apoio às urnas eletrônicas e à democracia. A única maneira dele continuar no emprego é se reelegendo pelo voto popular. E se perder as eleições e armar confusão, será preso.
Para arrematar a nossa conversa. Logo que assumiu o seu mandato, o presidente da República repetia, sempre que tinha oportunidade, a sentença dada por Trump para a imprensa tradicional. Ela seria extinta e substituída pelas redes sociais. Na verdade, a imprensa teve perdas econômicas enormes pela migração dos anunciantes para as redes sociais e o desaparecimento dos assinantes. Isso aconteceu de fato. Mas o que está surgindo no lugar é um modelo bem melhor do que se tinha antes.
Por quê? As empresas de comunicação são uma coisa, os jornalistas são outra. Lembro o seguinte. Logo que comecei a trabalhar de repórter, em 1979, se um cara perdesse o emprego estava numa fria. Nos dias atuais, graças às novas tecnologias, ele pode montar o seu negócio e continuar fazendo o seu trabalho. Hoje um repórter com um simples celular nas mãos pode fazer muita coisa. Ainda bem.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.