Os evangélicos têm uma fixação: o Apocalipse, o número 666 e a destruição do nosso planeta. Antes, quem cuidava das profecias da desgraça era uma seita exportada pelos americanos: Testemunhas de Jeová. Tinham uma legião de caixeiros-viajantes, alguns gringos, que iam de porta em porta, nas cidades e no interior, anunciando estar próximo o fim do mundo e vendendo livros que decifravam o Apocalipse, o último livro profético da Bíblia e o número 666. Foram precedidos pelos Adventistas do Sétimo Dia, que guardam o sábado como dia de repouso e não o domingo. Ambas têm poucos seguidores. Por quê? Porque quem dá Ibope é Jesus, o Messias!
Quem tem acompanhado a trajetória dos enviados de Deus para salvar os pecadores brasileiros da destruição final, terá observado haver nas pessoas, geralmente sem formação escolar, uma predisposição para acreditar ou colocar suas esperanças em alguma coisa diferente. Essa predisposição foi o húmus dos movimentos messiânicos ocorridos no Brasil, alguns derivados da tradição católica, como Juazeiro do padre Cícero ou Canudos de Antônio Conselheiro. Outros, do espiritismo, como o alagoano Mestre Yokanaam, que se acreditava reencarnação do profeta Elias ou de João Batista. Ou mesmo, dizendo-se judeus e enviados por Jeová, mas rejeitados pela comunidade judaica, como o extremista de direita Aladino Félix (ou Sábado Dinotos).
Alguns políticos ganham de tal forma a credibilidade popular, que se tornam, além de líderes, figuras de devoção quase messiânica, tanta a crença neles depositada. Foi o caso de Getúlio Vargas, o pai dos pobres, e de Jânio Quadros, o homem da vassoura contra a corrupção. Entretanto, com o presidente Bolsonaro ocorreu um processo diferente: foram os evangélicos que o escolheram como um enviado de Deus, levando-o para ser batizado no rio Jordão e assim ser sagrado, como seu nome prenunciava, como um Messias. Um Messias diferente, que em lugar de ressuscitar os mortos, enterra os vivos às centenas de milhares e, embora não se saiba onde esconde seu número da Besta, parece decidido a apressar o Apocalipse. Um Messias fajuto porque não se impôs, foi imposto. Os evangélicos jogaram nele, e ganharam: as eleições e Ministérios.
Depois dessa introdução escatológica, vamos à profecia bíblica da destruição do planeta, confirmada agora pela ciência. De acordo com os cientistas, com o aquecimento do nosso planeta, que já começou e está se acelerando, a temperatura dos oceanos está aumentando e esse aumento poderá chegar a 2 graus até 2080. Muitos dos que estão me lendo estarão ainda vivos dentro de 59 anos. Mas a maioria poderá ver, testemunhar e mesmo sentir os primeiros efeitos desse anunciado aquecimento do planeta porque ele começará a se tornar evidente a partir de 2030-35, dentro de 9 anos.
Mesmo agora, como as TVs têm mostrado, estão derretendo as calotas polares, e a Groenlândia, que era e sempre foi uma ilha coberta com montanhas de gelo, está perdendo esse manto gelado. O causador desse derretimento em fase de aceleração é o aumento do dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, provocado pela queima de combustíveis fósseis. Segundo cálculos, se toda neve e gelo da Groenlândia se derretesse, seria suficiente para os oceanos cobrirem boa parte do nosso planeta.
Mas ainda não chegamos lá. O importante, neste momento, é saber que o aumento de um grau Celsius na temperatura dos oceanos corresponde a 6 graus na superfície terrestre. Aumento de temperatura difícil de reverter nos próximos séculos. Para se ter uma ideia, os verões começarão a ser cada vez mais quentes e, nos países tropicais, como o Brasil, se tornarão insuportáveis.
Pior, o nível dos oceanos e dos mares irá aumentando, até chegar a um metro em 2100. Ora. a costa brasileira, e isso inclui grandes cidades como Rio de Janeiro e Santos, está na altura do atual nível do mar. Dará tempo para cercá-las com muralhas de concreto ou serão inundadas e engolidas pelo mar? E como será na bacia do rio Amazonas, onde existe a pororoca no encontro das águas do rio com as águas do mar, quando o mar de nível mais alto inundar toda a planície amazônica?
Mas nem tudo será água! Sem grande parte da Floresta Amazônica, os pecuaristas pensam poder encher o terreno liberado das árvores com gado de exportação para a China. E os agricultores comemoram suas enormes colheitas de soja, também para os chineses. Porém, e se houver seca? Já existem os primeiros sintomas de seca em diversos Estados. Ora, só o capitão, os pecuaristas e os agricultores bolsonaristas não viram -sem a Floresta Amazônica mudará o clima, haverá seca e falta de água para irrigação.
O aquecimento não irá afetar só o Brasil, será global. Muitos países estão se preparando para evitar jogar o dióxido de carbono na atmosfera, pois a vida em geral no planeta irá mudar. A seca, a invasão das costas dos continentes, o calor extremo, tempestades, irão provocar fome, êxodo e destruição. Pior que as mortes provocadas pelo coronavírus serão as mortes provocadas pelo aquecimento da Terra. O Brasil poderia, talvez possa ainda, dar uma contribuição positiva à humanidade suspendendo agora todo desmatamento no seu território, juntando-se aos outros países que, de alguma forma esperam participar do esforço global, a fim de preservar a vida humana no nosso planeta.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.