Hamilton Mourão, o vice mais bem cotado do que o presidente, concedeu uma entrevista à imprensa estrangeira esta semana sobre a Amazonia. Os correspondentes do El País, agências Reuters, Tass, Bloomberg e Associated Press, The New York Times, The Wall St. Journal, Visão, entre muitos, pressionaram o presidente do Conselho Nacional da Amazonia Legal a responder por que os militares custaram R$ 550 milhões nas três intervenções no combate ao crime ambiental desde agosto de 2019 — e não derrubaram o desmatamento no bioma. A pressão é sobre o que o Brasil vai apresentar na COP 26, a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas dia 31 de outubro em Glasgow, no Reino Unido.
Segundo o próprio Mourão, cada dia da Operação Verde Brasil custou R$ 1,5 milhão. O desmatamento acumulado este ano desde janeiro até setembro, incluindo a Operação Samaúma este ano, chegou a 8.939 km2, quase 40% a mais do que no mesmo período do ano passado, informa o Imazon.
Mourão defende a continuidade da militarização na Amazonia. Ele diz que é difícil terminar com o garimpo ilegal, “a gente tira mas eles voltam, ou se aprova uma exploração legal respeitando as normas ambientais, ou a força na selva tem de ser reforçada para fiscalizar mais”.
Diz que o Brasil tem de, ao mesmo tempo, respeitar os mandamentos ambientais do século XXI, explorar nossas riquezas minerais e desenvolver a bioeconomia, sendo que temos 1 milhão de hectares ocupados por indígenas, as terras demarcadas. “Ninguém no mundo legou tanto espaço de suas terras aos povos nativos, e nossas emissões de carbono têm uma percentagem pequena diante de outros países (Estados Unidos, China, Rússia…), 2,3%. Assim mesmo as queimadas foram reduzidas em 40%”. As terras riquíssimas em nióbio e outros minerais ocupadas por indígenas são a pedra no sapato do governo Bolsonaro e o genocídio contra indígenas está entre os crimes maias graves do presidente — nas perguntas, Mourão não foi poupado.
Ele não foi muito claro sobre a dupla contagem de emissão de carbono que empaca a COP 26, nem sobre a reconstrução da estrada BR319 que começou sem estudo de impacto, onde já se flagra grilagem e a possibilidade de genocídio nas terras indígenas – jogou a pergunta para o colo do Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leitão.
Ele insiste no fato que é ao mesmo tempo a grandeza e a dificuldade de fiscalização de um país de 8,5 milhões de km2, sendo 5 milhões dentro da Amazônia legal. “A comparação para preservar 3,7 bilhões de k2 seria o trabalho de fiscalizar 10 Alemanhas”.
Mas reforça o lado positivo da pecuária brasileira no esforço para transformar os dejetos do gado em biocombustível, a meta de reduzir os gases de efeito estufa em 45% até 2030 e acabar com o desmatamento no mesmo ano. Tudo para convencer a Noruega a liberar o milionário Fundo Amazônico recusado pelo governo Bolsonaro em 2018, que exige um Plano concreto contra o desmatamento. O pensamento enviesado dos ministros do meio ambiente de Bolsonaro imaginavam uma invasão de estrangeiros se o Fundo permanecesse na preservação da Amazonia, mas o tiro saiu pela culatra e hoje somos desrespeitados no mundo.
“Quando o Brasil vai parar de se orgulhar por não ter demarcado uma única terra indígena?”, perguntou a Rede de TV alemã RD. Mourão reagiu, “já havia 2 mil famílias habitando as terras quando foram demarcadas anteriormente, o que está demarcado não tem volta, temos de impedir que sejam violadas, sim, a unidade de conservação das terras indígenas se tornou uma bola de neve, é preciso entender a realidade do Brasil”. Segundo Mourão, grande parte das críticas vêm do fato de “o Brasil hoje ser um governo de direita e os países que criticam têm governos de esquerda… também do erro de achar que o agronegócio brasileiro está fixado na Amazonia legal e só 5% dos grãos são produzidos lá, o resto vem de fora”.
Mourão mantém um delicado equilíbrio e estranhamento permanente com o Bolsonaro que o deixou de fora da chefia da delegação brasileira na COP26 em favor do atual ministro do Meio Ambiente. Diante do desastre ambiental nas gestões anteriores, e a falência das outras áreas de governo, ele é visto por parte dos militares e eleitores como uma terceira via viável nas eleições de 2022. E diante da dezena de crimes do presidente apontados na CPI da Covid, o vice já seria aceitável para substituir Bolsonaro no caso de Arthur Lira resolver sair de cima dos mais de 100 pedidos de impeachment que pairam no Congresso. Isso, se a chapa Bolsonaro-Mourão não for impugnada.
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Norma Couri é jornalista e Diretora de Inclusão Social, Mulher e Diversidade na Associação Brasileira de Imprensa (ABI).