Papelão. Uma das principais notícias, seja em texto, foto ou vídeo, era, nesta semana, o chororô do presidente Bolsonaro. Ali, de pé, mudo, o viril, o machão Bolsonaro deixou escorrer algumas lágrimas pelos olhos tristes. Num momento talvez pior indicado: o choro contido mas molhado, vertia diante de oficiais generais do nosso exército, um pessoal conhecido como durão, capaz de dominar todos os sentimentos. Principalmente para quem usa farda, vale aquela velha frase machista – homem não chora.
Nosso presidente, não há nenhuma dúvida, está doente, é mais do que visível. O que fazem seus médicos em Brasília, ao que se imagina bem pagos, que até agora não lhe deram uma licença remunerada, igual àquelas que os médicos do INSS dão às mulheres, mas também homens, em depressão por saberem estar com câncer, por morte na família, por divórcio ou por terem perdido o emprego?
O homem anda mudo faz um mês, circulam notícias de que chora com certa regularidade, recolocando na pauta das editorias dos jornais e outros meios de comunicação para os repórteres saberem se houve nova crise de choro no Alvorada.. Chora como uma Madalena? Não, chora sem soluços e sem convulsão, chora quieto, deixa escorrer as lágrimas como gotas de tristeza.
Mas o que é isso, capitão? devem ter pensado as altas patentes das nossas Forças Armadas ao verem ser seu chefe mais novo, tido como corajoso, homem audaz que não brocha e só faz filhos machos, provocador, ter os olhos marejados de lágrimas…
Vamos com calma, nem todo homem que chora é mariquinha. Devagar com o andor!
É só dar uma olhada na imprensa dos EUA, esse país que tantos querem imitar mesmo na religião, que o presidente Barak Obama chorou pelo menos oito vezes durante seus dois mandatos – pelo menos uma vez por ano. Será que as lágrimas de Obama, escorrendo por suas faces negras, enxugadas com a ponta dos dedos, foram diferentes das lágrimas de Bolsonaro diante das altas patentes militares?
Antes de continuarmos com Obama e suas lágrimas, lembrei-me de uma composição de Ari Barroso sobre as três lágrimas vertidas durante sua vida e cantadas com aquela voz do Nelson Gonçalves ou do Silvio Caldas: a primeira na descoberta do amor, outra nas complicações da maturidade e a última na consciência da velhice.
E qual foi a primeira lágrima de Barak Obama? Foi em novembro de 2008, logo depois de eleito presidente dos EUA, ao evocar a notícia que lhe chegava da morte de sua avó, que tanta amava e que não estaria presente no dia de sua posse. A foto distribuída pela Reuters, de Jason Reed, é emocionante e transmite a dor sentida por Obama, o flash do rosto mostra o caminho molhado da lágrima de Obama escorrida até o queixo.
Não vou descrever todas as lágrimas de Obama, mas a terceira, se não me engano, foi ao comentar na Casa Branca uma troca de tiros na escola de Sandy Hook, em Newtown, Connecticut, na qual morreram 26 pessoas, das quais 18 crianças.
Outra lágrima escorreu de seus olhos durante uma entrevista na qual se falava de mortes no ataque à embaixada norte-americana de Benghazi, na Líbia. No mês seguinte, Obama verteu lágrimas ao visitar a região de Moore, onde uma tempestade causara 24 mortes. Houve lágrimas ao ouvir Aretha Franklin cantando “You make me feel like a natural woman”.
E, enfim, Obama chorou com soluços ao apresentar as novas medidas contra as tragédias causadas pelo uso de armas de fogo nos EUA. Essas mesmas armas que Bolsonaro liberou no Brasil e que já causaram desgraças.
Me lembro também ter visto, há apenas alguns dias, num vídeo, o presidente eleito Lula chorar. E por que chorou? Ao mencionar a miséria em que estão vivendo milhões de brasileiros, adultos e crianças, passando mesmo fome, sentindo-se obrigado a usar o exercício de sua próxima presidência para acabar com essa catastrófica situação.
E por que Bolsonaro chora como bezerro desmamado?
Chora por ter perdido as eleições. O coitado não suporta a terrível dor de não ser mais presidente dentro de algumas semanas. Chora por não ser mais o chefe, por não poder mais dizer suas besteiras e mesmo as tantas atrocidades pronunciadas desde sua posse em 2019.
Mas não chorou quando a crise sanitária do Covid começou a matar centenas, depois milhares, até ultrapassar 600 mil mortes. Impassível, não verteu nenhuma lágrima por tantos jovens, adultos e avôs e avós mortos por falta de vacina, por sua própria culpa. E ainda riu, gozou da cara dos parentes, dos pais e dos filhos de tantos mortos, chegando a imitar quem tivesse contraído a “gripezinha”, dizendo que ninguém morre antes da hora e não ser coveiro.
Ah, Bolsonaro, como ter pena de suas lágrimas, por lhe terem tirado o doce da boca, quando você ria dos familiares dos mortos na tortura e na repressão militar, desejosos de recuperarem seus corpos para lhes oferecerem um lugar no jazigo familiar, chegando ao absurdo de proferir a suprema injúria ao dizer “quem procura osso é cachorro!”.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.