Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O puxão de orelhas dado pela filha de Roberto Jefferson em Bolsonaro passou batido pela imprensa

Foto: Marcos Corrêa/PR

O ex-deputado e presidente do PTB Roberto Jefferson entrou para a lista dos bolsonaristas que acabaram presos por acreditarem no discurso do presidente da República de que poderiam fazer de tudo para reinstalar uma ditadura militar no Brasil. O comentário da ex-deputada e filha de Jefferson, Cristiane Brasil, foi preciso como um tiro disparado por um sniper: “E o bonitão não faz nada? (…) as prisões são direcionadas aos conservadores do país”. O puxão de orelhas no presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está no trecho “o bonitão não faz nada”. Ela usou “bonitão” no sentido de uma pessoa poderosa que se omitiu e deixou um dos seus “pagar o pato”. Sobre a prisão de conservadores é conversa fiada dela. Roberto Jefferson foi preso preventivamente pela Polícia Federal (PF) por atentar contra a democracia — há dezenas de matérias sobre o assunto na internet.

O fato é o seguinte. Nós temos escrito que o Gabinete do Ódio, que é composto por pessoas do círculo pessoal do presidente da República, entre eles os seus três filhos parlamentares, é responsável pelo núcleo ideológico do governo. O projeto ideológico do governo hoje se tornou claro: é a reinstalação da ditadura militar que mandou no país de 1964 a 1985, tendo como governante o atual presidente da República. Isso é uma fantasia. Mas há muitos seguidores de Bolsonaro que acreditam nessa fantasia. E toda vez que colocam as ideias exóticas em público acabam presos. Um dos primeiros foi o então secretário da Cultura, Roberto Alvim. Em janeiro do ano passado, ele fez um discurso imitando o ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels. Foi demitido. Mas ele não fez nada que os nazistas que apoiam Bolsonaro já não tenham feito. Só que entre as quatro paredes do governo. Em maio de 2020, o então ministro da Educação Abraham Weintraub, durante uma reunião do ministério, se entusiasmou e disse: “Por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia”. Referia-se aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Perdeu o cargo e ganhou um prêmio de consolação: foi transferido para o Banco Mundial, nos Estados Unidos, com um salário de R$ 116 mil. No ano passado a também militante bolsonarista Sara Winter, 29 anos, foi presa porque ofendeu e ameaçou Alexandre de Moraes, ministro do STF. Em fevereiro desse ano, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) divulgou um vídeo ameaçando os ministros. Foi preso e teve o mandato suspenso por seis meses.

Citei esses casos porque foram os que tiveram maior repercussão na imprensa. Claro, o presidente da República já disse e fez coisas de maior gravidade do que a maioria das que foram feitas pelos seus apoiadores. Mas ele é o presidente e para ser preso há todo um ritual. Ao contrário dos seus seguidores, como foi o caso do ex-deputado Roberto Jefferson. Há uma coisa que me intriga. Diferentemente dos outros bolsonaristas, Jefferson é um político “rodado”. Nunca fez parte do seu currículo acreditar em Papai Noel. Então por que ele se expôs dessa maneira? Ao ponto de ser decretada a sua prisão preventiva. Ainda não dá para saber qual é a jogada dele. Mas uma coisa é certa. A sua filha Cristiane Brasil faz parte dela. Não é por outro motivo que ela puxou as orelhas do presidente em público. Durante o tempo do mandato de Bolsonaro nós jornalistas aprendemos que ele é uma “granada sem pino” — definição para uma pessoa que fala o que bem entende. Ele foi ofendido pela filha de Jefferson. Por que não se irritou? Limitou-se a pedir ao Senado o impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Ele e todos os seus assessores sabem que é improvável que isso aconteça. Fato é: Jefferson continuará preso. Mais ainda: quando terminar o mandato do presidente da República, os processos em andamento contra os seus seguidores continuarão tramitando na Justiça. Quem pagará o advogado?

O presidente da República não tem um projeto econômico e político para o Brasil. O seu projeto de governo é proteger os interesses econômicos e políticos da sua família. O que estou dizendo não é opinião. São fatos que escrevemos. E o caminho que ele escolheu para consolidar o seu projeto de proteção à sua família é o enfrentamento com as instituições. Esse enfrentamento é feito pelos seus seguidores. Vez ou outra, um acaba sendo preso, como foi o caso de Jefferson. Logo é substituído por outro e o baile segue. Bolsonaro foi parlamentar por mais de três décadas. E teve uma atuação discreta que assegurou a sua sobrevivência política e por um somatório de acontecimentos acabou sendo eleito presidente da República. Nem ele mesmo acreditava que seria possível. Mas acabou acontecendo. No início da sua carreira militar, como tenente do Exército, acabou sendo a voz dos oficiais descontentes com os baixos salários e por muito pouco não foi colocado para a rua das Forças Armadas — a história toda é contada no livro O Cadete e o Capitão, do jornalista Luiz Maklouf Carvalho. Ali ele aprendeu a grande lição da sua vida. Nunca bata de frente com o inimigo. Mande alguém que possa ser substituído para o combate. Quem lembrará dos bolsonaristas que acabaram sendo presos por atacarem as instituições democráticas do Brasil? Uma coisa é certa. Essas pessoas que foram presas têm uma história para contar de como as coisas funcionam dentro do governo. É uma história interessante. Aliás, muito interessante.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.