O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano) deu um conselho para o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que se for seguido ao pé da letra pode colocá-lo na cadeia como conspirador. É sobre isso que vamos conversar. Vamos à história do conselho. Na quarta-feira (23/11) foi destaque nos noticiários do Brasil uma matéria que saiu no jornal americano The Washington Post relatando que um dos filhos parlamentares de Bolsonaro, Eduardo, deputado federal por São Paulo, teve um encontro na Flórida (EUA) com Trump e dois dos seus principais assessores durante o seu mandato de 2017 a 2021 (janeiro): Stephen K. Bannon, responsável pela montagem da máquina de fake news que ajudou a vencer as eleições, e o porta-voz Jason Miller. Na conversa, Eduardo foi aconselhado a insistir na estratégia de contestar o resultado do segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, quando Bolsonaro concorreu à reeleição e perdeu para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Essa estratégia tem mantido Trump nos noticiários desde que concorreu à reeleição em 2020 e foi derrotado por Joe Biden (democrata). Na ocasião, ele alegou ilegalidade nas eleições e incentivou os seus seguidores a invadirem o Capitólio (Congresso) – há matérias na internet.
Os bolsonaristas não invadiram o Congresso no Brasil. Mas no dia seguinte ao resultado das eleições fecharam estradas e depois ocuparam a frente de várias unidades do Exército, reivindicando a tomada do poder pelos militares. O combustível que mantém a ocupação de estradas e da frente dos quartéis é fornecido pelo presidente, que insiste que as urnas eletrônicas não são confiáveis. Aqui é o ponto que precisamos refletir. Nos minutos seguintes em que passou a exercer o seu mandato, em 2019, Bolsonaro já começou a falar mal das urnas eletrônicas. O conselho dado por Trump não foi novidade para o presidente brasileiro. Mas é o seguinte. Os sistemas eleitorais americano e brasileiro são confiáveis – há relatórios e documentos sobre o assunto. Mas são diferentes. A apuração no sistema americano pode durar até mais de um mês. No Brasil o resultado sai, em média, duas horas depois do fechamento das urnas. No segundo turno (30/10), a votação se encerrou às 17h, horário de Brasília (DF), e duas horas e alguns minutos depois o vencedor era conhecido e recebia os parabéns de vários governantes mundo afora, incluindo Biden. O que significa essa diferença de tempo na apuração entre o sistema eleitoral americano e o brasileiro? Simples. Trump teve mais tempo para articular e espalhar fake news sobre as eleições. Bolsonaro não teve esse tempo. Lula foi declarado vencedor horas depois de terminar a votação. No final do ano acaba o mandato do atual presidente e ele perde o foro privilegiado, o que significa que os seus problemas com a Justiça serão julgados pelos tribunais de primeira instância, que são bem mais rápidos que o Supremo Tribunal Federal (STF). Portanto, se ele insistir em continuar alimentando as ocupações de estradas e a frente dos quartéis com fake news vai acabar sendo processado por conspiração.
Mas Bolsonaro tem outra saída para mobilizar as suas bases a não ser seguir o conselho de Trump e continuar negando o resultado das eleições? Ele não tem outra opção no atual momento. E quanto ao futuro ainda não se pode saber qual será a estrutura que ele terá ao seu dispor para manter os seus seguidores mobilizados. Estava acertado que ao terminar o mandato o seu partido, o PL, pagaria um salário, aluguel de uma casa e de um escritório. Mas fatos recentes implodiram esses planos. Vamos aos fatos. Durante as eleições, o PL se coligou com outros dois partidos, o Republicanos e Progressista (PP). Na terça-feira (22/11), em nome da coligação, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, entrou com uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a anulação dos votos no segundo turno para presidente em 279,3 mil urnas eletrônicas (60% do total), alegando mau funcionamento do equipamento. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, deu prazo de 24 horas para que fossem acrescentadas à ação informações técnicas a respeito da alegação do funcionamento das urnas. As informações prestadas foram consideradas pelo ministro como insuficientes. Decidiu multar a coligação em R$ 23 milhões e bloquear as contas bancárias por litigância de má-fé. O Republicanos e o PP entraram com uma ação no TSE alegando que não haviam sido consultados por Costa Neto e que inclusive já tinham publicamente reconhecido a vitória de Lula. O ministro Moraes retirou da sentença o Republicanos e o PP, ficando a multa e o bloqueio das contas somente para o PL. O destino de Bolsonaro dependerá de como essa situação for resolvida.
Aqui entra um outro fator na nossa conversa. A diferença entre Bolsonaro e Trump. O ex-presidente americano é um milionário e não depende do dinheiro do seu partido para tocar os seus projetos políticos pessoais. Inclusive já anunciou que irá concorrer à eleição para presidente em 2024. Bolsonaro depende do dinheiro do partido para tocar a sua vida política depois que terminar o mandato. Devido a essas diferenças entre os dois, assim que li que Trump estava dando conselhos para Bolsonaro lembrei-me de um fato que aconteceu em 1964, o ano em que as Forças Armadas deram um golpe e derrubaram o presidente eleito pelo voto popular João Goulart, o Jango, do antigo PTB. Na ocasião, foi enviado para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos o político Juracy Magalhães (falecido em 2001), um dos apoiadores do golpe. Magalhães entrou para a história como o autor da frase “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Essa frase circulou por muitos anos nas redações dos jornais e entre os parlamentares no Congresso. Daí vem a pergunta: O que é bom para o ex-presidente Trump é bom para Bolsonaro?
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.