Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os dilemas do megalixão virtual

Cerca de 27 bilhões de páginas publicadas na WEB não passariam de lixo intelectual se fossemos seguir ao pé da letra a chamada lei de Sturgeon[1], segundo a qual apenas 10% daquilo que está na rede mundial de computadores vale a pena ser visitado.


 


Se abandonarmos qualquer preocupação em contextualizar a afirmação, a Web não passaria hoje de um lixão de proporções ciclópicas em processo de expansão acelerada e imprevisível.


 


Visões apocalípticas como esta começam a se multiplicar na rede ao encontrar um ambiente propício criado pela insegurança que a internet provoca ao alterar, de forma acelerada, comportamentos e valores entranhados há décadas em nosso estilo de vida.


 


Sturgeon criou uma regra, que aplicada a Web, indicaria que 90% do material publicado na rede é inaproveitável para um usuário comum, podendo ser descartado como lixo. Mas o que é inútil para uma pessoa pode não sê-lo para outra, o que nos obriga a contextualizar a regra para que o seu enunciado faça algum sentido.


 


O problema é que esta contextualização implica individualizar a sua aplicação e é aí que a coisa se complica, porque perdemos o referencial das regras absolutas que orientam a nossa vida, desde que nos entendemos por gente. Estas regras organizam a vida social, estabelecendo o que é certo e o que é errado, mas hoje elas começam a ser questionadas pela dificuldade de aplicação em situações intermediárias.


 


Isto acabou nos deixando preguiçosos em matéria de avaliação de situações complexas antes de emitir julgamentos definitivos. Diante da necessidade de ter que pensar sobre uma determinada situação, preferimos recorrer à regra, à rotina e aos códigos.


 


Isto é particularmente freqüente na imprensa, onde, quanto maior a velocidade exigida pelo veículo de comunicação, maior a incidência de erros de avaliação e contextualização, gerando uma sequência de equívocos que muitas vezes acabam sendo percebidos como “verdades” pelo público.


 


A imprensa é um bom exemplo das falhas da lei de Sturgeon. Dificilmente uma pessoa lê um jornal inteiro, porque ela se interessará apenas por parte pequena do conteúdo publicado . Se fossemos seguir Sturgeon ao pé da letra, os restantes 90% seriam considerados lixo, porque não servem, não interessaram ou foram considerados de baixa ou nenhuma qualidade pelo o leitor.


 


Todo mundo sabe que não é assim. O jornal não é feito apenas para um leitor, da mesma forma que a Web não existe para um único internauta. Isto torna inevitável, diante da diversidade noticiosa, que tanto o leitor como o internauta tenham que vencer a preguiça informativa para tentar contextualizar a informação antes de incorporá-la ao seu conhecimento individual.


 


Como os jornais mostram uma crescente dificuldade em contextualizar as noticias por falta de pessoal ou de vontade política, cabe ao leitor procurar mais versões sobre um mesmo fato. Ele acaba obrigado a cavoucar no “lixo informativo” para achar aquilo falta no material publicado na imprensa.


 


Isto nos obriga a repensar nossas atitudes diante da noticia. Estamos habituados a tratá-la como um produto industrial e, gradualmente, estamos sendo levados a vê-la como algo “líquido”, que muda de forma, em constante reprocessamento, onde nunca podemos dizer que é absolutamente certa ou absolutamente errada. É uma mudança e tanto, que desafia os nossos valores atuais. 





[1] Ver detalhes no post anterior .