AL-JAZIRA
Para Fouad Ajami [The New York Times, 18/11/01], a al-Jazira, a emissora árabe mais popular da atualidade por transmitir declarações de líderes do Talibã, não é nada sutil. Sinal disso, segundo ele, é que há pouco tempo em sua série de documentários Biografias e segredos estrelou Ernesto "Che" Guevara. Na narração, Che é um herói romântico e incompreendido. O documentário mostra a última luta dos marxistas rebeldes pelas montanhas da Bolívia e detém-se longa e dramaticamente em detalhes de sua captura e execução. O repórter afirma que a Jazira adora "cenas horripilantes".
Fouad Ajami afirma que a emissora tentou exibir um Che Guevara muito próximo a Osama bin Laden. A busca da CIA pelo guerrilheiro argentino era, no documentário, evocação clara à perseguição dos americanos a bin Laden. Enfim, a emissora árabe, com ditos 35 milhões de telespectadores, não é oficialmente a emissora de bin Laden, mas o terrorista é, sem dúvidas, a estrela.
Na al-Jazira (que significa "a Península"), os anúncios promocionais são particularmente "extrovertidos", diz o repórter. Uma vinheta da emissora, por exemplo, justapõe George W. Bush, com cara de carrasco, a um bin Laden equilibrado, quase sonhador. Entre os dois, uma imagem do World Trade Center em chamas.
Apesar de não ser o maior canal de TV árabe, seu alcance está se expandindo. É captada por mais de 20 países árabes, a maioria via satélite. Comparada a outros veículos árabes, a al-Jazira é mais independente, apesar de mais inflamada. Em 7 de outubro, a emissora transmitiu mensagem em vídeo de bin Laden na qual ele dizia que os ataques terroristas de 11 de setembro deveriam ser aplaudidos por muçulmanos. Em 3 de novembro, outro discurso do líder talibã foi ao ar sem edição. Uma semana depois, a emissora transmitiu uma terceira fita da al-Qaeda, desta vez exibindo as habilidades militares de quatro supostos filhos do terrorista.
Força na guerra ideológica
Como as emissoras de notícias 24 horas americanas, a al-Jazira apresenta notícias em ciclos repetitivos. Mas as meninas dos olhos da emissora são os talk shows, como Sem Fronteiras, Opinião e a Outra Opinião, A Direção Oposta e Vida e Lei Islâmicas. Este último faz parte de um gênero muito popular, apresentando crenças beligerantes e zelos religiosos, estruturado de forma semelhante ao Larry King Live, no qual a entrevista com um convidado é seguida de perguntas e comentários de telespectadores.
As portas da Casa Branca estão abertas a repórteres da al-Jazira. A estratégia do governo americano é justamente no campo da "guerra ideológica". Quer ganhar a simpatia da elite intelectual muçulmana e convencê-la de que a luta contra bin Laden é uma causa justa. Há tentativas de acordo em transmitir comerciais patrocinados pelo governo americano na al-Jazira, e os principais representantes dos EUA começam a aparecer em seus talk shows. A visão de Ajami, no entanto, não é otimista. Não será fácil amenizar o tom exaltado da al-Jazira. A inimizade é profunda demais.
Os americanos têm de aceitar que são estranhos no mundo árabe. Não importa o quanto tente, os EUA não serão capazes de derrotar a al-Jazira em seu próprio jogo.
BOOM NA AUDIÊNCIA
O show de duas horas de Michael Jackson no dia 13 de novembro levou o índice de audiência da CBS a patamares astronômicos. Segundo Bill Carter [The New York Times, 19/11/01], foram mais de 26 milhões de espectadores ? entre os quais muitos jovens ?, número que a CBS quase nunca atinge. "É o maior índice de novembro da história" na TV americana, disse Jeff Zucker, presidente da NBC.
Duas noites depois, houve na ABC surpresa similar, embora menor, possivelmente relacionada com a da CBS: especial dedicado ao desfile de modelos vestindo lingerie da Victoria?s Secret também superou expectativas. O programa foi ao ar num dos horários mais competitivos da TV e praticamente dobrou os índices de audiência da ABC. Comandando 13 milhões de espectadores, ficou em terceiro lugar na audiência, perdendo para o seriado policial CSI, da CBS, e o água-com-açúcar Will & Grace, da NBC (ambos, no Brasil, transmitidos pela Sony).
Foi tranqüila a competição entre o especial da Victoria?s Secret e o quarto colocado, o segundo episódio do reality show Temptation Island, da Fox. A ABC teve audiência quase duas vezes maior que a da Fox. O desfile desafiou Temptation Island em seu próprio jogo: voyeurismo. "Eram profissionais contra amadores", afirmou um executivo da ABC, comparando os participantes do reality show às modelos em lingerie. "As pessoas da Fox jamais teriam chance."
Lloyd Braun, co-diretor da ABC, disse que o especial da Victoria?s Secret era "apenas puro escapismo", mais apelativo que os cada vez mais intensos formatos dos reality shows. Braun foi um dos primeiros executivos a prever a decadência desses programas de realidade desde os ataques terroristas em 11 de setembro.
Os dois fenômenos mostram tendência do público de procurar entretenimento leve. Consumidos por mais de dois meses de notícias de assassinatos terroristas em massa, antraz e desastres de avião, os telespectadores estavam sedentos de diversão.