DIPLOMA EM XEQUE
Mozahir Salomão (*)
Não é a extemporânea sentença da juíza Carla Rister que deve preocupar aos jornalistas na sua luta pela manutenção da profissão regulamentada. Há um risco que não está na pena de um juiz, nem na proposição de um parlamentar ou no discurso do empresariado da comunicação. Um risco muito mais grave ? porque estrutural, conceitual ? diariamente espreita e flagela o jornalismo cada vez que os jornalistas são coniventes com o espetáculo e a banalização da notícia.
O objeto do jornalismo é o acontecimento. O papel do jornalista é a mediação desse acontecimento que, pelos mais diversos motivos e circunstâncias, é de interesse público e do público. O jornalismo tem sua deontologia, sua ética, seu papel e lugar social. Exige-se do jornalista cada vez mais qualificação quanto mais a sociedade se torna complexa.
Produzir, apurar e redigir uma matéria exige bem mais que "saber" e "gostar" de escrever. O jornalista é o profissional que tem capacidade e competência para operar códigos e técnicas de conformação discursiva do real em um ambiente onde a credibilidade de quem enuncia é fator determinante.
Isto dito pode parecer bem óbvio. Mas não tem sido assim. A busca desesperada pela audiência e venda de assinaturas e exemplares tem imposto ao jornalismo novos critérios de "noticiabilidade" e um verdadeiro relaxamento quanto aos padrões do que seja notícia. São notados aí dois processos simultâneos: uma prática cada vez mais acintosa da espetacularização da notícia; e uma ampliação do espaço nos meios impressos e na mídia eletrônica para o entretenimento.
O que pode ser chamado de agonia da notícia dá-se com a perda do rigor dos crit&eacueacute;rios que sempre nortearam o jornalismo.
Talvez uma dura realidade a ser enfrentada pelos jornalistas é a descoberta de que o jornalismo perdeu a legitimidade exclusiva de informar. A explosão de sites que associam informação (que acabam não diferenciando notícia, curiosidades, banalidades) e entretenimento soma-se a essa mesma tendência verificada nos tradicionais ambientes do jornalismo, como telejornais e programas de rádio. A notícia sempre foi um produto do jornalismo. Quem garante que continua assim?
Objetividade possível
Notícias de economia aparecem na internet ao lado de fofocas sobre artistas… Ex-modelos entrevistam políticos… Dançarinas conduzem debates… Jogador de futebol é repórter por um dia… E às vezes continua… Do jeito que vai não é exagero projetar para daqui a alguns anos o seguinte: com o avanço e popularização das tecnologias de captação e edição, conseguiremos separar uma produção caseira de uma institucionalmente produzida? A televisão norte-americana já possui inúmeros programas chamados de "telejornais para a família", onde os turistas narram suas viagens pelo mundo com belas edições caseiras.
Como "preservar" o espaço do jornalismo? Eliminando esses vazios que geram uma crise de identidade para a notícia e sofisticando cada vez mais as tecnologias da produção da notícia. O jornalista superficial, sem critérios e aético só aprofunda e alimenta a percepção absurda de que "qualquer um" pode produzir uma notícia.
Preservar a notícia vai significar educar para a recepção do jornalismo, cuja ação perante a realidade deve ser de intensa reflexão, questionamento e compromisso ético da objetividade na apuração e checagem da informação. Quando o jornalista não trabalha assim dá as mãos ao entretenimento, à fofoca, ao espetáculo. E, nesse momento, que importância tem a discussão sobre o diploma?
(*) Professor da PUCMinas e UNI-BH
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