ENTREVISTA / LUIZ HAFERS
Mauro Malin
Até os últimos anos da década passada a mídia ignorou as mudanças mais significativas ocorridas na agricultura brasileira, porque “concordou em ecoar o lamento de lideranças anacrônicas, atraídas pelos problemas passados e não pelas oportunidades futuras, lideranças que tentaram compensar com o aumento da vocalização a perda de poder”, avalia o fazendeiro Luiz Hafers, que presidiu a Sociedade Rural Brasileira entre 1996 e 2002.
“A imprensa não percebeu com a velocidade necessária que houve uma ruptura, a passagem de uma agricultura de extração, praticada por proprietários, para uma agricultura de conversão, conduzida de modo gerencial”, diz Hafers. “Não se deu conta de que a agricultura, quando se pensa em cesta básica, emprego, meios de pagamento, tinha deixado de ser problema para ser solução.”
No capítulo dos alimentos transgênicos, hoje novamente objeto de polêmica, Hafers afirma que os meios de comunicação estão sendo dogmáticos, facciosos. O fazendeiro afirma que a oposição aos transgênicos não tem nenhum fundamento técnico, é política, e lhe faz lembrar Galileu Galilei ou a Revolta da Vacina. “E quem tem dúvidas não tem coragem de expô-las”, desconfia.
Dependência física
Luiz Hafers tem uma característica de personalidade que agrada jornalistas: diz o que pensa e o faz de tal maneira que suas frases em geral podem ser transcritas literalmente. Como neste preceito genérico para a boa prática de governo ou de gestão, que repete com freqüência: “A discussão é técnica, a decisão é política e as razões são éticas.”
Quando o pensamento é cortante e incômodo, como muitas vezes acontece, pior para a formalidade. Em meados de 2002, num debate sobre a negociação da Alca, inconformado com a distância entre o discurso pró-livre comércio e práticas protecionistas do governo americano que prejudicam notadamente o aço, a laranja, o açúcar e o álcool do Brasil, disse que suas opiniões haviam sido diplomaticamente calibradas por uma dose de Lexotan. Mas não poupou os negociadores brasileiros: “O governo tem complexo de Miss Simpatia. Eu não quero ser gostado, quero ser respeitado.”
Hafers não tem a menor aversão à mídia. Ao contrário. Diz que os jornais são um hábito forte em sua vida. “Leio três ou quatro por dia e, se não puder ler, tenho síndrome de abstinência. Jornal, mais do que televisão, é insubstituível, até no aspecto físico.”
“Meu relacionamento com a imprensa é intenso e o melhor possível”, avalia. “Não tenho do que me queixar, pessoalmente. Algumas vezes li coisas que me desagradaram. Só que, problema, eu as havia dito…”
A mídia o ajudou a projetar uma nova imagem da vetusta Sociedade Rural Brasileira. Foi num momento de alta tensão (em 1995 ocorreu o massacre de trabalhadores sem-terra de Corumbiara, Rondônia, e no ano seguinte o de Eldorado dos Carajás, Pará). À Folha de S. Paulo, pouco depois do segundo episódio, disse: “Grandes áreas de terras ainda improdutivas precisam ser fortemente taxadas.” Era a sinalização de que a Rural não iria caucionar politicamente o emprego da violência por, ou a mando de, proprietários rurais.
O efeito dessa mudança de imagem talvez tenha sido mais importante para reciclar as cabeças do “público interno” do que junto à opinião pública como um todo. Mas a mensagem chegou longe. Tão longe que, na altura do fechamento desta edição do OI, o nome mais forte na bolsa de apostas para o Ministério da Agricultura de Lula era o de Roberto Rodrigues. Presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), Rodrigues foi o antecessor de Hafers à frente da Sociedade Rural Brasileira.
Falta isenção profissional
“A mídia não consegue ter isenção profissional e vai buscar a prova daquilo em que acredita”, critica Hafers. É o que no jargão jornalístico se chama de pensata.
“Ah, é pensata? Sim, a mídia não se livrou da pensata. Isso posto, sou intrangentissimamente a favor da liberdade de imprensa.”
A mídia não criou sozinha suas próprias deficiências. Foi obrigada a contracenar com interlocutores cujo processo civilizatório, diria um Santiago Dantas, é precário, ou lento.
“Até recentemente, as elites não souberam se relacionar com a imprensa, não entenderam um ponto básico: o jornalista que se deixa comprar não funciona, e o jornalista que funciona não se deixa comprar”, constata Hafers. E preceitua, para quem tem o que dizer e quer conquistar audiência: “A convicção é convincente.”
O fazendeiro conhece o Brasil de ponta a ponta, mas foram suas viagens internacionais vendendo café (da Índia à China, da Rússia à África, para não falar de circuitos mais convencionais) que lhe deram perspectiva para louvar a imprensa brasileira quando comparada à do primeiro mundo.
“A densidade da informação nos jornais e revistas brasileiros é muito superior à dos jornais americanos. O esquema do case irrelevante das matérias do The New York Times, por exemplo, não me agrada. A imprensa inglesa é uma catástrofe. A francesa é pretensiosa”, fulmina.
Hafers ressalva que não se refere ao conteúdo, mas ao método predominante na grande imprensa brasileira. Logo volta à vertente crítica. Acha que muitos repórteres brasileiros estão com mania de querer ser mais importantes do que aquilo que é noticiado. E recomenda “credibilidade, em lugar de vaidade ou visibilidade”.