Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A arte de calar

MÍDIA NA COPA

Sebastião Jorge (*)

Nunca como nos dias atuais a arte de calar se tornou útil e recomendável como autodefesa para evitar certos males. Se o silêncio era considerado como ouro em pó, hoje o valor é maior, por se tornar vital. Geralmente o ato de falar dá problema. O calar é de uma sabedoria que poucos imaginam a grandeza do gesto.

O árabe na eterna sabedoria, como construtor de cidades em estilo inconfundível e inventor de coisas úteis de que se beneficia a humanidade, recomenda com propriedade o silêncio no lugar da linguagem, para evitar problemas, com esta recomendação: ao termos dois ouvidos e uma boca é para ouvirmos mais e falarmos menos.

Vivemos tempos de alegria pelos resultados da Copa do Mundo da Coréia e Japão. Saboreamos a vitória com o título de pentacampeão. Um detalhe nos incomoda, aliás: os argentinos, que não souberam vencer o caos econômico e se manifestaram de maneira deselegante contra a nossa seleção, revelando inveja e despeito.

O jornal Olé daquele país, que foi rico e hoje estende o pires e se humilha junto ao FMI, logo que a seleção da Argentina despediu-se da Copa não teve outra motivação jornalística que não fosse estimular a torcida contra os "bons meninos da família" do técnico Luiz Felipe Scolari. Nem mesmo no jogo com a Inglaterra, que andou fazendo estragos nas ilhas Malvinas, a gazeta foi condescendente. Mandou torcer contra as duas seleções. Na véspera do jogo decisivo, o jornal colocou na primeira página um gato preto e a foto de um torcedor carioca com a máscara do filme Pânico e o título debochativo: "O Brasil já é penta". Nessa acertaram sem querer.

Esqueceu-se o Olé, como outros jornais argentinos, que o Brasil vem ajudando o país vizinho, com doação de vacinas para minorar as desgraças do povo, além de mostrar-se solidário com seus problemas. E tanto que se pronunciou favoravelmente ao empréstimo que pleiteia junto ao FMI. Mas a inveja, o despeito e a soberba falaram mais do que devia. Coisas de quem tem complexo de ser europeu na América Latina.

Saímos pentacampeões enquanto não passam de tri, logo, somos melhores. Isto, para desespero, inclusive daquele baixinho barrigudo, que praticou atos antidesportivos, envolvendo-se com drogas, chamado Maradona, cuja inveja não esconde das glórias do Brasil nos campo de futebol. O recomendável seria que, pelo menos, neste momento de crise financeira grave, soubessem os argentinos que detrataram a nossa seleção usar a regra de ouro do silêncio. Estes fatos não tiram a importância da luta e bravura das mães da Plaza de Mayo.

A minha colaboração para os que agiram dessa maneira é que leiam um livrinho publicado no século XVIII, de autoria de Joseph Antoine Dinouart, intitulado "A arte de calar" e aprendam o que é elementar e indispensável na convivência social. O autor nos ensina a não ter o que temer no silêncio, pois este possui grandes virtudes. É melhor calar em certos momentos a falar besteiras. Apesar de antigo, o conselho é atual pelo que pensa a respeito Dinouart: A arte de calar é um ato político, um apelo à ordem, no sentido mais forte do termo. Para o filósofo, há tempo de falar e tempo de calar. O primeiro grau de sabedoria é saber calar.

E por não saber calar, uma outra seleção saiu derrotada: a Alemanha. O goleiro Oliver Kahn que se julgava o melhor do mundo, desmereceu do ataque brasileiro e o desafiou a fazer gols. Julgava-se o próprio Muro de Berlim e desabou não a picaretadas, mas com chutes de Ronaldinho "Fenômeno". Foi a vitória do estilo de cabelo pastinha do Cascão, personagem de história de quadrinhos incorporado por aquele jogador brasileiro, contra a suíça longa do goleirão da Alemanha. Não levou um, porém dois gols. Como consolo, enquanto os brasileiros comemoravam o penta, Oliver sentado ao lado da área, chorava, certamente, arrependido pelo descontrole verbal.

A Turquia soltou a língua e pagou caro pela ousadia. Ficou em terceiro lugar. Nenhuma cena foi mais bonita nessa Copa do que aquela em que quatro turcos, parecendo urubus a procura de carniça, corriam atrás de Denílson, que dominando a bola deu um show de malabarismo.

Os que não agüentaram a língua contra as estratégias do Felipão tiveram de engolir os disparates, a pressa e os exageros cometidos nas críticas. Hoje, o técnico é uma unanimidade. Todos o elogiam, o que neste instante faz bem expressar esse sentimento. Eis assim, o melhor tempo para falarmos. E sobre uma paixão nacional, o futebol. Quem desejar se igualar a nós, que aguarde mais oito anos, daqui duas Copas.

O momento é propício na recomendação de Dinouart: para fazer falar o silêncio. Que o jornal Olé aprenda a lição e não procure ultrapassar os limites da realidade.

(*) Professor universitário, jornalista, escritor e advogado.