Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A bola quicou e a mídia furou

ROLEX FALSIFICADO

Chico Bruno (*)

Logo após a posse do novo governo, ainda no calor das comemorações, durante um dos muitos jantares festivos de que participou o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, foi presenteado com um relógio Rolex pelo deputado federal José Carlos Martinez, presidente do PTB. Na manhã do dia seguinte, a gentileza serviu de peça de resistência de jornais, emissoras de rádio e televisão.

O alto preço do presente, que ultrapassava em muitos reais o valor máximo permitido pelo código de conduta do servidor público, gerou farto noticiário da imprensa, causando mal-estar ao ministro, que de pronto anunciou a doação da jóia ao programa Fome Zero. Com a louvável e exemplar atitude do servidor público, o assunto foi encerrado.

Para infelicidade do presenteador e do presenteado, o assunto voltou à baila na semana passada. Como manda o código de conduta do servidor público, o dito Rolex doado ao Fome Zero por Dirceu teve sua guarda e avaliação confiada à Caixa Econômica para futuro leilão. Na avaliação, a Caixa descobriu que o Rolex era falsificado.

Novamente o fato volta a ser objeto do noticiário da imprensa. Repórteres procuram os dois personagens envolvidos, ouvem suas versões e fim de papo. Mais uma vez a imprensa tratou um assunto de muita gravidade como a coisa mais natural do mundo. Quem sabe a naturalidade seja fruto do hábito, de conviver no dia-a-dia com milhares de produtos falsificados, vendidos em qualquer esquina de qualquer cidade brasileira. São tênis, perfumes, CDs, camisas, televisores, rádios, celulares, cigarros, bebidas e uma infinidade de mercadorias, negociadas sob os olhares complacentes das autoridades e da mídia.

No episódio do Rolex, a imprensa não se deu ao trabalho de tentar descobrir a procedência da jóia, muito menos procurou informações no Ministério Público, na Polícia Federal ou na CPI da Pirataria para saber que procedimentos que poderiam ser adotados no caso. Na verdade, a imprensa não consegue enxergar que fatos como esse podem gerar boas e saudáveis matérias investigativas. Mais uma vez, a bola quicou à frente dos repórteres e nenhum se deu ao trabalho de chutá-la.

Este é um exemplo do cotidiano brasileiro, entre muitos que deveriam ser mais bem- explorados pela imprensa. Infelizmente, não merecem a devida atenção.

(*) Jornalista