DIPLOMA EM XEQUE
Angelo de Souza (*)
O amplo painel exposto neste Observatório revelou o quão complexa é a questão da obrigatoriedade do diploma de jornalista para habilitação legal dos que pretendam exercer essa profissão. Aliás, lembro que o nunca por demais citado Claudio Abramo definia jornalismo como uma carreira, o que é bastante preciso: é mesmo um caminho a seguir na vida ? um caminho sem volta, um atalho, ou um desvio.
Reflexões maduras, eruditas, nos fizeram pensar no quanto o jornalismo e a sociedade mudaram desde o tempo de Abramo, Carlos Castelo Branco, João Saldanha e tantos outros que nunca precisaram de diploma para ser quem foram ? a seu tempo. E ainda há quem apele a Euclides da Cunha, Joaquim Nabuco ou Lima Barreto como modelo a ser seguido em pleno século 21, como se jornalismo fosse (ou devesse ser) uma simples combinação de talento com adesismo a alguma causa.
De todo modo, praticamente tudo o que poderia ser dito acerca da questão já foi dito; de agora em diante, ações deverão substituir as palavras, ou elas deixarão de ter valor.
O que talvez tenha sido pouco explorado é justamente o aspecto da necessidade ou não de regulamentação da profissão. A quem ela serve ? Sim, porque o jornal ou a emissora que deixa de empregar um profissional formado não prejudica a instituição do diploma em si, mas a instituição do jornalismo como meio de vida, como compromisso de quem investiu em uma educação profissional peculiar, para além do diletantismo e do voluntariado.
Pela lei em vigor, o Estado autoriza alguém a ser médico, juiz ou jornalista, com todas as obrigações disso decorrentes, desde que satisfeitas algumas condições, entre elas o diploma. Trata-se de distinguir quem é jornalista de fato, e por isso deve ser responsabilizado por seus atos profissionais, dos demais cidadãos que esporadicamemte exercitem seu direito de expressão.
Essa responsabilidade só pode ser exigida de quem esteja à altura dela, sendo capaz de desempenhar-se nas funções cada vez mais sofisticadas da mediação social da informação. Essa a linha de raciocínio central nas doutas argumentações com que o Observatório da Imprensa nos brindou, bem entendido, entre aquelas que de um modo ou de outro condenaram a liminar da juíza substituta da 16? Vara Cível Federal de São Paulo.
Perspectiva história
Claro, também houve os que apoiaram a decisão, sem questionar os prováveis interesses empresariais e pessoais que se movem por trás dela, e que produziram interpretações viciosas da Constituição, da legislação ordinária e dos tratados internacionais. E ainda dizem que direito é ciência ? ainda que, como escreveu Mino Carta, jornalismo não o seja. Só que ainda não posso me convencer de que formação universitária específica seja necessária a magistrados, por exemplo, mas não a pessoas que lidam com informação socialmente relevante em meio a pressões éticas, estéticas e industriais as mais variadas.
Alguns acham a emissão de diplomas um mero negócio, consideram absurda a exigência de estudos superiores de Jornalismo e vêem como baboseira a opinião de diplomados como eu, que valorizam os anos passados na faculdade em busca de uma formação crítica. Não posso ser condenado por isso, nem pela má qualidade de alguns cursos ou pela incompetência de alguns jornalistas.
Num paralelo um tanto esdrúxulo, temos aí os centros de formação de condutores, com carga horária e conteúdos aumentados, e nem mesmo o fato de acidentes com veículos continuarem acontecendo é motivo para que se queira combater as aulas de direção e as leis de trânsito. (Por sinal que elas não são obrigatórias, mas o exame é; quem aplicaria um teste equivalente aos jornalistas?) Mais uma vez, fica claro que há interesse na desregulamentação da profissão, e não exatamente no fim do diploma.
Um grande mérito deste Observatório é, como sempre, abrir espaço para diferentes pontos de vista sobre questões de interesse de toda a sociedade. Mas o mérito maior está em que, em meio a tanta retórica, haja lugar para uma perspectiva histórica. Os três poderes, as entidades de classe, as empresas jornalísticas, as universidades públicas e privadas, os profissionais e o público tiveram cada qual o seu papel na regulamentação da profissão de jornalista. Se ela vai continuar sendo uma carreira ou se vai virar outra coisa, vai depender da força que cada um desses atores demonstrar de agora em diante.
(*) Jornalista em Belém
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