URNA ELETRÔNICA
Pedro Antonio Dourado de Rezende (*)
Tenho uma dúvida. Sobre o que pode decidir a eleição. Se vale especular com coisas tais como a Copa do Mundo, o horário gratuito, o tempo de exposição nele, a escolha do vendedor de sabonete, ou o que diz ou não diz o candidato em on e em off, por que não se pode especular com as urnas para "treinamento de eleitores" apreendidas em Brasília?
Mal foram apartadas da mídia as flagradas em perfeito funcionamento, já temos o veredicto. Na boca de cada âncora global e autoridade eleitoral ou policial envolvido. Estas urnas não têm nada a ver com as urnas oficiais. São falsas e grosseiras imitações, não são clones. Arroubo de impetuosos correligionários de algum candidato sortudo, que declara nada ter a ver com o fato. Serão tiradas impressões digitais das placas-mãe, o laudo sairá em 10 dias, e não se fala mais nisso.
As urnas apreendidas são, de fato, grosseiras imitações. E o software? Fiquei surpreso com a agilidade e convicção com que as autoridades informaram tratar-se também o software de grosseira imitação. Pelo cronograma das investigações, se alguém já comparou de verdade o software da falsa com o da verdadeira foi numa madrugada e às escondidas. Quanto a palpites, o meu é diferente.
Ao serem fotografadas e filmadas em funcionamento, as urnas falsas mostraram aos jornais e TVs telas que me pareceram extremamente familiares. Idênticas às que já vi em outras eleições. Impressionou-me também a fotogenia dos candidatos sortudos. Estas imagens são as verdadeiras impressões digitais do crime eleitoral. O que me leva à dúvida: se os retratos digitais na urna falsa forem idênticos aos destinados à urna verdadeira, entregues à Justiça Eleitoral pelos candidatos sortudos, isso poderia mudar o resultado da eleição? Poderia se o fato ficasse provado. O sopro vital na urna "clonada" teria partido do candidato ou dos encarregados pela informática da eleição. Impugnação ou cassação.
Cúmplices da inação
E se o fato não ficar comprovado? Se o investigador usar a lógica do mercado para listar suspeitos, quem encabeçaria sua lista? Quem, na praça, poderia oferecer as melhores condições de serviço? Penso que são os técnicos de informática terceirizados para instalar, manipular e operar as urnas oficiais. São pessoas que já têm em mãos softwares adequados, com foto e tudo, que foram neles treinados e que, para este serviço, apresentam a inigualável vantagem de não terem nome, nem rosto, nem passado e nem compromisso públicos, protegidos que estão pelo sigilo com que a Justiça Eleitoral vem tratando suas contratações. O PDT não consegue receber mais do que deboche na tramitação do processo, que abriu em 9 de julho, para exibição desses documentos supostamente públicos.
Eles podem oferecer simulação com telas perfeitas, com custo adicional apenas do hardware, e serviço garantido por uma espécie de "segredo de justiça". Caso tenha sido alguns deles, teriam adaptado o software oficial na urna falsa para ficar grosseiro, tirando nome e imagem dos candidatos que não interessam aos contratantes do serviço extra. E se assim o fizeram, poderão, da mesma forma, adaptá-lo na urna oficial para ficar finório, tirando votos desses candidatos para os mesmos contratantes, na medida necessária. Principalmente se a medida for calibrada por uma mistura de pesquisas divulgadas e secretas, e ao anonimato lhes for acrescido o benefício de uma fiscalização da carochinha pelos partidos, como foi a da eleição passada.
É claro que a dúvida levanta perguntas retóricas, paranóicas, que não merecem nem atenção. Mas merecem resposta peremptória da boca dos âncoras globais. Resposta a especulações que são censuradas como se fossem pornografia, alvo de censura de origem incerta. É neste fantástico laboratório social que minha dúvida se replica: será que os arquivos com as imagens nas urnas falsas sobreviverão à apreensão e à perícia? Será que serão comparados, e por quem, aos que estavam prontos para entrar na urna verdadeira? Será que algum dia teremos respostas? Respostas críveis? Todos seremos cúmplices da inação e do silêncio. E também das conseqüências da clonagem orwelliana dessas dúvidas.
(*) Professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília