Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A confrontação da mesmice

MÍDIA & MILAGRES

Sidney Borges (*)

Bastaram dois artigos no Observatório da Imprensa e logo encontrei o tema nos jornais. Parece que pessoas com sensibilidade estão acordando para a realidade. A verdade é que se alguém tomar como base o que sai na imprensa, pensará ser o Brasil um outro país. Terá a impressão de que há aqui uma nação justa, com problemas como todas as nações, mas caminhando rumo ao desenvolvimento. Como exemplo podemos citar as manchetes estampadas nos principais jornais do país, na primeira semana de setembro. Após meses de estagnação, desemprego e desespero, surgem elas com alarde anunciando que a economia cresceu 0,94% em agosto.

Senti os olhos marejados ao ver deslumbrado que finalmente o carro está pegando, não teremos mais de empurrar! Os veículos especializados em economia anunciam a cada semana um novo horizonte, conforme o que diz o presidente Lula e como o mercado reage. Nas páginas centrais há as costumeiras análises conjunturais feitas por especialistas, sejam eles jornalistas ou acadêmicos, ou ambos. Fogueira de vaidades, eles sabem de tudo, brigam pelo direito de alardear a poção salvadora cuja receita ouviram da boca do cavalo. Acabam na mesmice da sopa de letrinhas do economês, fazendo o que deles se espera, o jogo dos poderosos, ainda que sejam sinceros e pensem estar fazendo o certo.

Essa mídia que deveria estar voltada para a maioria do povo brasileiro a cada dia que passa reflete apenas a realidade de uma parte da nação, os 40% que participam da economia como agentes ativos. A tendência é acreditar ou fazer com que se acredite que a política econômica atual poderá trazer o crescimento. Há euforia quando capitais voláteis e especulativos por aqui aportam. Será que ainda existem pessoas ingênuas que acreditam ser possível desenvolver um país com todos os problemas do Brasil com base nesse dinheiro arisco e fugaz?

Suponho que não, o governo atrai o dinheiro para fechar as contas. Eis em ação a maldade que por aqui impera, para fechar as tais contas pagam-se juros exorbitantes a uma camarilha poderosa que se locupleta a cada dia. Não há paralelo no mundo ao enriquecimento da classe financeira brasileira. Isso vem acontecendo desde sempre, só que agora temos um agravante gerado pela característica dúbia que permeia o caráter nacional. A população está crescendo além do que a frágil economia pode suportar. A falta de educação e a ação nada responsável da Igreja Católica encarregam-se de tornar o problema, a cada dia que passa, mais agudo.

Vou tomar emprestado da física o conceito de massa crítica, que é a quantidade mínima de uma substância físsil necessária para que uma reação em cadeia possa estabelecer-se espontaneamente e manter-se por si mesma, liberando enorme quantidade de energia. Em se tratando de fenômenos sociais, se não houver crescimento da economia paralelamente ao da população haverá um instante em que as instituições entrarão em colapso. Podemos associar essa população crescente à massa crítica da fissão. A partir de uma certa relação entre riqueza e população, torna-se impossível contornar os problemas decorrentes, e abre-se espaço para que a barbárie se instale, tomando conta do tecido social. É só dar uma volta pela periferia das grandes cidades e constatar que a massa crítica populacional já foi atingida.

A reboque do Norte

A reação em cadeia está em pleno curso. Fingimos que não é conosco e vamos em frente até sermos surpreendidos por um tiroteio entre traficantes na Linha Vermelha! Morrer de "susto, bala ou vício", a opção dos deserdados agora ao alcance de todos!

Como o problema é gravíssimo, cabe à mídia colocá-lo em evidência, de forma enfática. É necessário que a sociedade brasileira tome conhecimento do tamanho do país, dos problemas e das medidas que poderiam ser tomadas para encontrar soluções, enquanto ainda há tempo. Se for mantida a opção inercial, jamais sairemos do brejo, onde estamos atolados qual vaca. Acreditar em soluções vindas de fora, via FMI, ou outra qualquer é acreditar em magia, duendes, milagres, que sabemos não existir. Para que a economia reaja, teremos de desenvolver soluções próprias. Precisaremos ser capazes de criar produtos que possam competir no mercado e atrair divisas. Não adianta pensar que a solução está na agricultura. Isso é possível para a Austrália, onde a população é pequena. Em breve o panorama energético vai mudar. Quem estiver atento ao fato será recompensado. Dentro de duas décadas o modelo baseado no petróleo e no carvão terá desaparecido, ou será minimizado a condição desprezível.

Sairá na frente quem investir em pesquisas agora. Como investir em pesquisas se quase todo o dinheiro arrecadado é usado para pagar juros, ficando a conta social sempre em débito por falta de fundos? Cabe à mídia abrir a discussão. A sociedade tem de participar na busca de um modelo capaz de virar o jogo. Não adianta fazer discursos ideológicos, soluções não serão encontradas no passado. "Nada será como antes no amanhã", há que se buscar o novo, o inusitado o que vai produzir espanto e encantamento! Dessa forma poderemos pensar em mudar o panorama.

A mídia terá um papel importante nesse processo desde que saia da mesmice em que se encontra. E qualquer mudança só virá em pelo menos 30 anos, desde que a economia cresça 10% ao ano todo esse tempo! Senão será o subdesenvolvimento eterno, sempre a reboque dos países do Norte!

(*) Jornalista

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