CARLITO MAIA (1924-2002)
Betty Milan, de Paris (*)
Posso eu, diante de um pedido assim tão delicado, não escrever? Impossível, ainda que eu já tenha escrito O Clarão e passado três anos refletindo sobre a amizade e a morte a partir da história do "homem que mandava flores" e nos fez entender que o flower power é o poder dos poderes.
Todos os meus amigos me escreveram durante as madrugadas deste fim de semana participando a morte do Carlito e em memória dele eu me vesti de branco.
Foi uma amizade com a qual eu aprendi que é melhor empatar do que vencer e a paz é a nossa meta. Carlito me ensinou que não há paz sem justiça, que o humor ? "a delicadeza do desespero" ? é sempre uma saída e quando todas as portas estão fechadas a gente sai pela janela.
Amei-o como a gente deve amar os amigos. Com a consciência de que ele era mortal e por isso não vou carpir a sua morte, que ele me anunciou e sobre a qual me fez refletir até que eu entendesse que a morte é uma estrela invisível e quem não nega a morte não desperdiça a vida.
As lembranças que eu tenho, dos passeios ? a Lavras (MG), onde ele nasceu, inclusive ?, dos buquês e dos bilhetes ficarão comigo até o último dos meus dias. E depois, o meu filho, cujo nascimento ele saudou com lírios brancos, dele também se lembrará. Carlito talvez nunca tenha sido amigo de ninguém sem se tornar amigo da família inteira, sem saudar os ascendentes e os descendentes.
Por isso, algum dos meus certamente estará na cerimônia final, enviará a ele uma coroa de lírios brancos para com este gesto perpetuar a sua obra, que foi uma obra de paz.
Adeus Carlito. Você agora vai para a constelação de estrelas onde o Vinicius está, o Magaldi e os outros que você amou. Adeus.
(*) Escritora e psicanalista; entre seus livros mais conhecidos, publicados também em outros países, estão O papagaio e o doutor, O país da bola e O Clarão; URL <www.bettymilan.com.br>