MP 2.200
Pedro Antonio Dourado de Rezende (*)
Um diálogo eletrônico
? Prof. Pedro, sou jornalista da revista Época e tenho acompahado de perto a questão da fragilidade das urnas eletrônicas. […]
? Sugiro que vc comece por ler os dois artigos que eu e a comissão de informática jurídica da OAB soltamos logo depois da divulgação da MP, e que depois vc me telefone. Os dois artigos estão em meu site, em <http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/segdadtop.htm>, sob os seguinte links: leis3, a v.9 do meu artigo (por sinal, entrou na capa do Observatório
da Imprensa, na edição de hoje [11/7/01]); leis:MP2200, o artigo de dois membros do comitê de informática jurídica da OAB. Se puder me dar seu telefone ou me ligar. Assim que me responder a este email, mando meu telefone para vc me ligar ou telefono p/ vc.
Um silêncio no papel
Como não recebi retorno, concluo que seu interesse pelo que tenho a dizer sobre o tema da MP 2.200 talvez não se coadune com o que a sua empresa tenha interesse em divulgar. Esta conclusão é reforçada pela escolha editorial para a capa da edição de hoje, domingo [15/7], do jornal O Globo. O que é um fato positivo, pois a mim e à comunidade científica dedicada à segurança computacional interessa saber do grau de envolvimento dos poderes da mídia, por trás do ucasse da MP 2.200.
Felizmente, o jornal de sua empresa está contribuindo para democratizar o conhecimento sobre como o cidadão pode auditar fraudes em documentos no papel, que pretendam validade jurídica, e como a Justiça pode cochilar em seu papel constitucional de fiscalizar os mecanismos que dão fé pública a esses documentos. O fato de com isso estar também
ensinando como e onde se pode falsificar documentos, pode ser contemplando como um efeito colateral desta importante missão educativa do jornal.
Sintomático, entretanto, que o jornal não tenha aproveitado a oportunidade para traçar paralelos com o cenário precípuo na esfera digital, pois já está em vigor legislação que dá validade jurídica a documentos eletrônicos, através da referida MP. Por que o jornal teria desperdiçado a chance de explicar diferenças e semelhanças com o mundo digital? Será que este esclarecimento ficou em embargo?
No cenário da MP 2.200, as fraudes serão perfeitas e inauditáveis, devido à caução da chave privada e da ausência de auditoria externa, como mecanismo de controle dos procedimentos das certificadoras credenciadas. O jornalista não teria como mostrar fraude nenhuma. Só o cara na cadeia gritando que não foi ele quem assinou aqueles documentos eletrônicos. Mas se o O Globo, a revista Época e a TV Globo não mostrarem o cara gritando, podemos fingir que as fraudes digitais não existem. E já que o papel é tão inseguro assim, como nos ensina O Globo, vamos todos aceitar passivamente a eliminação do papel pelo cartão inteligente e a dependência a softwares caixa-preta enlatados, impostos pela homologação do comitê ICP-Brasil.
Com a MP o governo está dando segurança. Que mal pergunte, a quem e contra o quê? Não ao cidadão subscritor de um documento eletrônico contra falsificações incriminatórias, mas sim a um modelo de negócio emergente, contra os direitos daquele. E o pior: junto com proteção monopolista, este negócio ganha também camuflados poderes absolutistas. Mas a população que só vê Gugu, Faustão, Xuxa e futebol não entende quando você explica porque eles não conseguem ver o golpe, porque não se lembram que o verbo proteger é transitivo indireto, e não intransitivo. Ou quiçá nunca souberam.
A Justiça passará a ser um joguete na mão dos prestidigitadores digitais, que poderão produzir (com a cópia da chave privada da vítima) e destruir (com revogação retroativa
de certificados) provas documentais ao seu bel prazer. A nossa vida digital pode se transformar assim num imenso painel eletrônico senatorial.
Se O Globo resolver admitir que a fraude é igualmente possível tanto no mundo da carne como no mundo dos bits, certamente poderá omitir também as estatísticas comparativas de eficiencia da Justiça. Hoje, antes da proteção ao negócio da certificação credenciada dado pela MP, de cada 30.000 crimes de informática cometidos apenas um dá sentença condenatória. E que se tivéssemos esta mesma taxa de eficiência no mundo da carne, certamente já estaríamos no meio de uma guerra civil muito pior do que aquela em curso na cidade que sedia sua empresa, patrocinada pela ubiqüidade do crime organizado no seu tecido social.
E haverá a História. A baderna recente em Salvador pode entrar na história como uma simples micareta, pois parece que só os saqueadores estão sabendo que a segurança digital decretada pela MP protege apenas a si mesma. A única esperança da cidadania é que a Justiça saqueie antes as armas dos saqueadores digitais, e remeta o assunto de volta ao Legislativo, de onde foi usurpado. Quem misturou os artigos 1?, 4? e 8? da MP 2.200, e carregou a mistura como munição no canhão do artigo 62? da Constituição Federal, colocando o dedo de um desavisado presidente no gatilho apontado para a sociedade, estaria melhor sob os holofotes explicando outras coisas, em lugar da pretensa ignorância de quem elaborou um projeto sadio sobre o tema, atropelado por esta MP enquanto tramitava no Congresso. E cuja coerência jurídica está fora do alcance da compreensão dos aprendizes de feiticeiro. As cartas estão na mesa da OAB.
O Globo acreditaria nisso? Publicaria isso? Ou acha que seria melhor alinhar-se com os aprendizes de feiticeiro, para também poder brincar com os botões escondidos dessas caixas pretas, brandindo a espada de Dâmocles do alcance de suas antenas e prensas? O que dizem, e o que não dizem, as próximas edições do jornal, da revista e da TV de sua empresa, conterão as respostas a essas nossas indagações? Saudações.
(*) Professor do Departamento de Ciência da Computaçào da Universidade de Brasília, <http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/segdadtop.htm>. MetaCertificate Group member <http://www.mcg.org.br>
Veja também
O
credo do totalitarismo digital ?
Pedro Antonio Dourado de Rezende
Medida
Provisória n? 2.200 [de 28/06/01]
A
lanterna de Diógenes ? P.A.D.R.
Hailstorm,
a força do Grande Irmão ? Marcelo Nóbrega