Monday, 30 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A dor da gente não sai no jornal

ACIDENTE EM MARESIAS

Artur de Carvalho (*)

A tragédia desses rapazes e da modelo, que caíram de helicóptero no mar de Maresias, aconteceu bem próxima a mim. Eu estava passando umas pequenas férias em Campinas e fui visitar minha irmã e meu cunhado exatamente no dia da queda do aparelho. O piloto desaparecido e sua esposa moram no mesmo bairro que meus parentes ? um condomínio fechado em Vinhedo ? e são relativamente amigos da família, amizade estreitada ainda mais pela solidariedade no fim de semana.

Com o marido transformado em manchete de todos os jornais e TVs do Brasil, a esposa do piloto tornou-se tristemente célebre, e as pessoas passaram a circular pelas ruas do condomínio perguntando onde ela morava e aglomerando-se indiscretamente na frente de sua casa. Tornou-se, além de tudo, prisioneira da curiosidade alheia. Minha irmã, mais sóbria, limitou-se aos telefonemas à mulher, perguntando sempre se havia novas notícias e disponibilizando-se para qualquer ajuda possível.

A proximidade com a tragédia, além de me deixar com os nervos em frangalhos, me fez duvidar e muito da eficiência da imprensa ao tentar nos transmitir notícias. Ver e ouvir minha irmã conversando com a esposa do piloto, tentando acalmá-la, era, para mim, a notícia real. As maneiras como o ser humano se relaciona com o mundo e com as pessoas. Como suportar as terríveis perdas que a vida nos impõe. A força da amizade. Estes são os fatos realmente relevantes do ocorrido.

Porém, ao ligar a TV, o que eu via e ouvia eram dados técnicos a respeito da provável rota do helicóptero; estatísticas das chances de sobrevivência da modelo e do piloto; institutos meteorológicos informando a temperatura da água do mar. Além, é claro, das melodramáticas entrevistas com velhos conhecidos e ex-namorados.

Fadados ao superficial

A notícia, exemplificada e prolongada nos mínimos detalhes, era, no entanto, milhares de vezes menos informativa que apenas uma lágrima dos olhos da filha do piloto, que aguardava um telefonema do pai dizendo que tudo ia bem.

Eu, como jornalista, fiquei buscando uma alternativa viável para tentar transmitir a sensação de impotência que todos ali, familiares e amigos do piloto desaparecido, estavam sentindo. E não encontrei. As tentativas da imprensa em geral ao tentar levar ao leitor ou ao telespectador essas tragédias da experiência humana mostram-se tão infrutíferas quanto as braçadas que os tripulantes do helicóptero davam ao cair no mar. Dada a escuridão, jamais sabiam se estavam nadando rumo à costa ou em direção oposta, o que provavelmente faria a diferença entra a vida e a morte. Às vezes, como no caso do último fim de semana, alguns conseguem alcançar seu objetivo, mas são muito raros os que reúnem ao mesmo tempo tamanha técnica e força de vontade para vencer o desafio.

Nós, os jornalistas, estamos fadados ao superficial. Jamais conseguiremos chegar sequer próximos da realidade tal qual ela é, simplesmente porque a realidade não acontece em estatísticas. Nem em fatos. Nem mesmo na feição dos homens. A realidade acontece apenas dentro de cada um de nós e jamais conseguiremos demonstrá-la de maneira eficaz.

(*) Jornalista, ilustrador e cronista do Diário de Votuporanga

    
    
                     

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