COLUNISMO
Fabio Leon Moreira (*)
Se alguma vez a imprensa revelou sofrer de uma síndrome psicossomática cujos principais sintomas estavam diretamente associados a uma cegueira congênita, atrelada a um desvio comportamental caracterizado por uma completa inoperância do discernimento lógico, essa suspeita evidenciou-se em 2 casos que serão pacientemente estudados nessas mal traçadas linhas. São exemplos de como parte do jornalismo está se tornando uma nódoa de completa desinformação .
Caso 1: a cobertura da posse do novo presidente da Câmara dos Deputados, em Brasília. Pela primeira vez na história da casa, dois episódios se co-substanciaram: primeiro um petista, João Paulo Cunha, exerce liderança em cerimônia concretizada no sábado, 1/2. Até aí tudo bem. A outra é uma disputa que nunca houve. Maquinações entre os partidos que apoiaram a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República resultaram numa das mais estranhas manobras políticas dos últimos anos, onde um candidato, percebam o detalhe, único concorrente à cadeira de presidente, teve de passar por uma votação (!) em plenário para que se instituísse sua vitória. Eleito com mais de 400 votos, o que significou uma proximidade de quase 90% dos parlamentares, Cunha estava absolutamente unânime em uma ilha deserta mas, sabe-se lá por que, movimentou uma campanha eleitoral interna pela sua vitória como se houvesse um adversário à altura, um oponente de peso que fizesse jus aos gastos com publicidade que sua assessoria e uma gorda soma em contribuições (e contribuintes) trataram de providenciar.
Galhardetes, outdoors, panfletos, santinhos. Tudo o que se constituía de mais repercussivo no estratagema marqueteiro estava automaticamente disponibilizado sob as bençãos da máquina do governo. Não precisava tanto, já que bastava ao Partido dos Trabalhadores oferecer garantias para que o peemedebista Geddel Vieira Lima fosse o primeiro secretário da presidência da Câmara e que dessem um jeitinho para que o ex-senador José Sarney, inimigo histórico do PT, ganhasse adesão dos companheiros barbudinhos para a presidência do Senado. Desta forma, seria sacramentada o pacto de não agressão, caso o PMDB reconhecesse que era hora de recolher a bandeira branca da paz e afinasse o compasso dos tambores de guerra oposicionistas.
Se com isso somou-se garantias à confirmação da pré-vitória de João Paulo Cunha, para que eleição? O pleito bizarro, que poderia muito bem configurar na pauta do falecido programa Acredite se Quiser, foi pro vinagre. Quem quiser que tomasse a liberdade de noticiar. E ninguém o fez. Na verdade, acho que uma ou duas colunas sobre os bastidores da política se encarregaram do fato. É por isso que a cada leitura em seu site, me torno um fã incondicional do Claudio Humberto.
Vida urbana
Por falar em colunistas de política, isso nos leva ao caso 2. Acompanho o trabalho de Ancelmo Gois desde os tempos da coluna "Radar" que ele mantinha na Veja. Aliás, o ingresso de vários jornalistas do semanário informativo para O Globo foi de uma grata surpresa, já que a decisão fez com que o jornal ganhasse muito mais em precisão analítica em todos os sentidos. Porém, fiquei particularmente decepcionado com o sr. Gois. Eis o motivo da querela e julguem, depois, se ela é procedente ou era o caso deste que vos digita curar as mágoas em outra freguesia.
No dia 26 de janeiro, o titular da coluna escreveu uma nota em que as imediações do grupamento militar do Campo de Gericinó, localizado na zona oeste do Rio, estavam sendo imaculadas com pichações vindas do tráfico de drogas local, o que por si só implicaria uma demostração de ousadia e poder do crime organizado. Intermediado por minha modéstia experiência como jornalista que trabalha atualmente na região próxima ao grupamento, resolvi enviar no dia seguinte, por e-mail, uma colaboração relacionada com o fato. Vejam transcrição abaixo:
"Caro Ancelmo
Sou jornalista e trabalho aqui na Zona Oeste. As pichações no entorno do Campo de Gericinó não são as únicas amostras do poder do tráfico da região. Em uma casa, próximo a Vila Militar em Realengo, a fachada tem uma pichação da facção criminosa Amigos dos Amigos (ADA) com um enorme tridente ilustrando uma frase singela: ?Uê, sentiremos saudade?. Uma outra foi com os seguintes dizeres: ?Foi judiação!?
Andando um pouco adiante em direção a Padre Miguel, todas as fachadas das casas localizadas na principal rua da Vila Vintém trazem a inscrição do ADA. Em nenhuma delas, os donos tiveram coragem de passar uma mão de tinta para apagar as inscrições."
A semana foi implacável em sua continuidade, mas nenhuma referência à minha colaboração foi feita. Pensei que se tratasse de um subsídio abaixo das expectativas, medíocre em termos técnicos, cujo aproveitamento deveria, naturalmente, merecer o que merecia: o botão de "delete" do micro do Ancelmo. Será que era uma nota tão ruim assim?, pensei. Mas como os colunistas vivem da exclusividade e não havia nada publicado parecido com isso… Apesar de tudo, sou um bom perdedor e reconheço que em meus 26 aninhos, 9 de jornalismo, há ainda muita experiência a ser acumulada em meu currículo e seria muito pedantismo de minha parte não creditar ao ilustre escriba a devida coerência de não aproveitar algo tão supostamente ordinário em um espaço com tamanha credibilidade. Porém, uma semana depois, quando decido recolher minha insignificância, me deparo com a seguinte nota:
Sexta-feira, às 14h30, num ônibus da linha 464, uma jovem distraída ouvia seu walkman quando percebeu que estava todo mundo apavorado a bordo porque alguém gritava ?socorro". Mas era só o cobrador, chamando uma amiga que passava na rua de nome Socorro.
Seria uma piada? Não é, porque sei que Ancelmo tem o hábito de ilustrar casos curiosos da vida urbana com notas intituladas "Cena Carioca". No dia em que concluo esse texto, por exemplo, ele relatou que um casal assaltado na Av. Presidente Vargas, centro do Rio, teve o celular recusado pelo ladrão por este pertencer a uma série de fabricação considerada obsoleta. Um escapismo talvez utilizado para equilibrar a sisudez das notícias políticas. Sinceramente, acho que ele podia doar todos esses causos da cidade grande à coluna do Zuenir Ventura. Fico imaginando se um repórter do jornal pode ter presenciado tais cenas e relatado a Ancelmo para o fechamento da coluna. Só me resta pensar dessa forma para perdoá-lo por essas duas empulhações.
(*) Jornalista