Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A entrevista que não houve

AL-JAZIRA & SHARON

Al-Jazira, a estação de TV do Catar, cancelou a entrevista com o premiê israelense Ariel Sharon, marcada para a véspera da reunião da cúpula árabe. O porta-voz do primeiro-ministro, Arnon Pearlman, disse que a rede desistiu porque Sharon exigiu que fossem respeitadas as condições do acordo original, que previa que o correspondente em Jerusalém fizesse as perguntas pessoalmente. Sharon se recusou a ser entrevistado via telefone pelo âncora do programa, instalado no estúdio da rede.

De acordo com Ha?aretz (26/3/02), no entanto, o cancelamento se deve à pressão de líderes árabes. Yasser Abed Rabbo, ministro da Informação palestino, teria pedido formalmente à al-Jazira que não desse espaço ao premiê, "um terrorista que continua a cometer crimes contra o povo palestino". Segundo a Reuters (26/3/02), o canal alega que a responsabilidade é de Sharon, que insistiu em impor condições técnicas.

ÁSIA

Em Taiwan, um repórter da revista Next foi acusado de vazar segredos de Estado ao revelar a existência de dois fundos secretos da Agência de Segurança Nacional. Hsieh Zhong-liang não pode deixar o país e será processado por violar a segurança nacional. O governo recentemente invadiu o escritório da publicação e apreendeu 160 mil cópias da última edição.

Apesar da ação, a equipe conseguiu levar 16 mil cópias às bancas, que se esgotaram em 24 horas. Tsai Ting-I [The Taipei Times, 22/3/02] conta que a revista pretende entrar com processo contra a invasão e apreensão de exemplares. No dia anterior, o Comitê de Proteção a Jornalistas protestou dizendo que preocupações com a segurança nacional não deveriam ser usadas como pretexto para censurar reportagem.

Dominic Whiting [Reuters, 23/3/02] revela que este caso é apenas um de muitos, cada vez mais freqüentes em países asiáticos. A Indonésia recentemente negou visto de trabalho a um jornalista australiano, enquanto a Tailândia faz pressão comercial e investiga as propriedades de repórteres que ousam criticar o primeiro-ministro, um magnata das telecomunicações. O pior, observa Whiting, é que estes são os países mais liberais da região. Espera-se que a censura interna, prática já comum em veículos de Cingapura e Malásia, logo se torne norma.

Mas estes governos estão lutando uma batalha perdida contra a era digital e o fluxo livre de informação, acreditam os editores. A internet é muito difícil de controlar, e incentivou jornalistas a serem mais críticos. "Estamos vendo uma tensão cada vez maior entre governos acostumados a controlar efetivamente a mídia e a tecnologia de transmissão digital que os está derrotando", disse Cyril Pereira, presidente da Sociedade de Publishers da Ásia. "A credibilidade sempre ganha no final, mas é preciso publishers dispostos a disciplinar sua própria equipe e sofrer conseqüências econômicas a curto prazo em nome desta visão."

MÉTODO CHINÊS

Pressionado pelo Ministério da Propaganda, o mais influente jornal chinês cancelou a publicação de um artigo sobre o desvio de dinheiro em uma instituição de caridade apoiada pelo governo. A última edição de Southern Weekend teria um artigo de quatro páginas e meia sobre a corrupção no Project Hope (Projeto Esperança), que fornece ajuda financeira a crianças pobres para que permaneçam na escola. Embora seja oficialmente uma ONG, Hope ? uma das maiores do país, que recebe doações de comunidades chinesas nos EUA ? é patrocinada pela Fundação de Desenvolvimento da Juventude da China, parte da poderosa Liga da Juventude Comunista.

Publicar ou não a reportagem gerou muitas discussões entre os editores, cientes de que o assunto era delicado. Por fim, decidiram prosseguir já que o caso havia sido amplamente divulgado pela mídia noticiosa de Hong Kong. O jornal já começara a ser impresso quando a equipe precisou trocar a reportagem, após receber instruções do Ministério proibindo qualquer matéria sobre o escândalo e dando sinais de que o governo vai apoiar a entidade.

Elisabeth Rosenthal [The New York Times, 24/3/02] revela que, apesar de ser controlado pelo estado, Southern Weekend produz jornalismo investigativo de qualidade, tratando de temas que outros veículos não ousariam abordar, como Aids. Muitas vezes, o jornal publicou reportagens criticadas pelo Ministério da Propaganda; desde 1999, vários editores foram despedidos por ultrapassar os limites considerados aceitáveis. Mas sua relativa independência é tolerada por ser um veículo bastante influente e lucrativo.