Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A epidemia de "exclusividades"

TV FOFOCA

(*)

Há alguns meses escrevi aqui [veja remissão abaixo] sobre um caso de publicação de três revistas semanais de bastidores e fofocas do mundo do entretenimento, que tinham dado um desfalque de lealdade aos seus fiéis leitores como poucas vezes se viu nessa imprensa especializada. Caras, Quem e Chiques & Famosos, numa decisão inédita, fizeram três matérias de capa, respectivamente e na mesma semana, com a Rainha dos Baixinhos, a apresentadora Xuxa, e dividiram entre si um critério de "exclusividade" que só enganou os próprios repórteres.

Roupas, ensaios fotográficos e textos. Quase tudo se repetiu vergonhosamente nas
edições das referidas revistas. Agora, um fenômeno de semelhantes proporções está invadindo a telinha. Programas de TV, como A Casa É Sua (Rede TV!), O Melhor da Tarde e A Hora da Verdade (Band) e o Domingo Legal (SBT) resolveram adaptar essa esperta motivaç&aatilde;o para cativar a curiosidade alheia. Escrevem, em letras garrafais, nas legendas que servem de chamada para as suas matérias, a palavra "exclusividade". Mas de uma forma que impressiona a própria pretensão.

A jogada armada é a seguinte: como é praticamente impossível, segundo a lógica da Física, que um corpo ocupe dois lugares ao mesmo tempo, jamais existirão dois programas televisivos com transmissão ao vivo em que o entrevistado seja o cantor Daniel anunciando que vai abandonar a música, por exemplo. Obviamente, uma das duas entrevistas (se determinado caso ocorrer) será a exibição de um videoteipe. Por tanto, qual foi a solução arranjada para atrair a audiência? Esperar a aparição do cantor numa outra emissora,
talvez uns dois dias depois da apresentação da concorrente, e pronto. Está lá a famigerada expressão "entrevista exclusiva". Isso quando a semana ainda não terminou e surge uma terceira aparição, com o mesmo Daniel e em outra emissora falando sobre a mesma coisa em um outro programa e, novamente, aparece a exclusividade que nunca houve.

Querem um exemplo mais realista? Tiazinha filmando Objetos Voadores Não Identificados (OVNI?s). Quem deu o "furo de reportagem" foi o programa TV Fama (Rede TV!). Três dias depois num domingo, Gugu Liberato estava exibindo a fita com o conteúdo amadorístico-cinematográfico da dominatrix em seu Domingo Legal. Aliás, Suzana Alves merece desprestígio até como cinegrafista amadora, pois em um único segundo, através de um preciso e bem delineado close perante os vários minutos de fita que deve ter gastado, é que se possibilitou diferenciar uma nave extraterrestre de um balão meteorológico. Ah, sim! Gugu não depositou exclusividade nenhuma sobre o depoimento de Tiazinha no seu programa, mas disse que o conteúdo das fitas havia sido liberado unicamente por "especialistas da USP" para a exibição naquele horário pelo SBT. Mentira, pois já haviam feito o serviço.

Parece exagero ou o método que as emissoras insistem em apresentar está equivocado? A exclusividade (e essa é uma definição mais próxima do cotidiano dos profissionais da Comunicação) envolve apresentar algo único, um trunfo dado à produção ou equipe de um programa / emissora que dificilmente será equiparado com as outras. Uma transmissão de shows ao vivo no Rock in Rio e na íntegra pela Rede Globo (se bem que nem isso ela fez,
serve apenas para ilustrar o raciocínio) seria um belo exemplo, ignorando-se coisas constrangedoras como cotas de publicidade. Arranjar bate-bocas televisivos com atrizes do segundo escalão como o que aconteceu com o apresentador Leão Lobo (O Melhor da Tarde ? Band) e a atriz Najara Tureta também é exemplo de exclusividade única (desculpem a redundância). Medíocre, mas assim mesmo exclusiva. Resumindo: exclusividade na TV é uma coisa que a MTV faz muito bem. Foi a única que apresentou na íntegra a música Mano
Caetano, cantando ao vivo em uma apresentação feita pelo seu próprio autor-compositor, Lobão. Ihhhhh!! O canal Multishow já anunciou um show do cantor, para essa semana, "inédito e exclusivo". É melhor deixar pra lá.

(*) Jornalista

    
    
                     

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