CENSURA TOGADA
(*)
Alberto Dines
Voltamos à estaca zero em matéria de liberdade de informação, 34 anos depois do AI-5. De quinta-feira até ontem ? ou até hoje ? o Brasil esteve ? ou está ? sob censura total. Proibido de saber. Embargado no seu direito de conhecer e reclamar.
Não se trata de censura militar. Não se trata de censura policial. É a censura dos novos tempos, mordaça judicial imposta por aquele mesmo poder da República encarregado de garantir direitos e defender liberdades. Pela primeira vez no mundo democrático somos testemunhas e vítimas dessa extraordinária perversão da legalidade. Devemos entrar nos compêndios de Direito de forma torta e caricata e, nos manuais de arte, com um novo símbolo para a Justiça ? no lugar da balança, mordaça.
Jornais, rádios, televisões ou provedores de internet foram terminantemente proibidos de divulgar qualquer informação referente ao processo administrativo-disciplinar que corre contra o juiz Renato Mehana Khamis, do TRT de São Paulo. A desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo Zélia Maria Antunes Alves concedeu liminar favorável à medida cautelar impetrada pelo juiz. Desconsiderou a decisão de primeira instância. E nos trouxe de volta o fantasma da repressão, da supressão e da submissão.
Há poucas décadas os censores estavam fardados. A partir de agora, serão togados. Não está longe o dia em que nas redações, no lugar dos jornalistas, estejam abancados magistrados, desprovidos do indispensável múnus público, preocupados com os seus interesses ou da corporação.
No plano nacional quem ressuscitou a censura prévia foi o então governador Anthony Garotinho, ao impedir que O Globo continuasse a publicação de uma série de reportagens investigativas sobre seus negócios e os da consorte, Rosinha Mateus Garotinho. Isso foi em julho de 2001, o jornal acatou a decisão judicial mas quem rebelou-se e veio em socorro do inalienável direito de saber foi o Jornal do Brasil, ao publicar parte das informações vedadas ao concorrente.
Mestre na arte da gabolice, agora fiel seguidor do Dr. Goebbels na ciência de calar, o pré-candidato Garotinho, há 10 dias, voltou à carga e obteve de um juiz o direito de tirar direitos dos cidadãos. Impediu que o semanário CartaCapital publicasse uma entrevista com o autor das denúncias anteriores.
Os sucessos de Garotinho como censor, se não foram a inspiração, serviram de precedente para a decisão da desembargadora paulista ao implantar a censura no âmbito irrestrito e nacional. O pré-candidato do PSB (partido criado por juristas extraordinários como João Mangabeira e Hermes Lima), firmou jurisprudência. Doravante será extremamente fácil requerer um "cala-boca". Basta citar Anthony Garotinho como referência. Demagogo dos piscinões agora autor do bê-á-bá dos pequenos ditadores, breve envergará uma camisa preta e, olhando para o céu, invocará sua estranha predestinação.
Outros pré-candidatos já foram denunciados pela imprensa. Roseana Sarney desistiu diante de um flagrante irrespondível, porém jamais fez qualquer tentativa para embaraçar o livre curso de informações.
A juíza e professora Salete Maccaloz, na ultima edição do Observatório da Imprensa [versão televisiva, 21/5/02], lembrou o aforismo forense: "O que não está nos autos não está no mundo". O processo contra o juiz está protegido pelo sigilo, ninguém pretendeu quebrá-lo.
A desembargadora olhou os autos mas esqueceu o mundo, o país, o momento. Descurou das conseqüências institucionais ao autorizar essa agressão à Declaração Universal dos Direitos do Homem, em vigor há mais de 200 anos.
Na véspera de uma eleição presidencial não se pode colocar a imprensa sob controle nem levantar suspeitas sobre o seu senso da responsabilidade.
(*) Copyright Jornal do Brasil, 25/05/02