ENSINO DE JORNALISMO
Nilson Lage (*)
A ampliação da interface do jornalismo com equipamentos e procedimentos tecnológicos; o jornalismo de precisão e a reportagem assistida por computador; a necessidade de ampliação da capacidade de análise dos veículos de cobertura menos imediata (como jornais, revistas e, até certo, televisão) apontam, em conjunto, para futura modificação radical nos programas atuais de formação de jornalistas.
Não se trata apenas, como escreveu o professor Philip Meyer, de demanda por PhDs. Trata-se de formar, em qualquer nível, profissionais polivalentes, que dominem as linguagens oral e gráfica, conheçam a história recente de sua cidade, de seu país e do mundo, saibam o tanto de Direito da Informação e tenham raciocínio ético que lhes permita estabelecer seus limites.
Mas ainda isso não basta: serão necessários conhecimentos de informática, trânsito na área tecnológica e habilidade com números.
O que suprimir? Comunicação. São estudos inúteis ou de pouca utilidade para a formação profissional, que há mais de um século discutem se o jornalismo é bom ou mau, o quanto "manipula as massas"; procuram avaliar o produto pelo processo de produção (falácia genética); discutem o poder da mídia de gerir as preocupações das pessoas (coisa que o poder sempre fez, desde a conquista da Grécia por Alexandre ou a conclamação de Cícero aos romanos pela destruição de Cartago, quando a única mídia disponível era presencial).
O único objetivo real dos estudos de comunicação é inocentar o poder. Em lugar de George W. Bush e de seu grupo, a culpa é da CNN e da Fox News, do New York Times e do Washington Post, como se essas empresas pairassem no mundo e não estivessem submetidas ao mesmo sistema que, diante de uma crise econômica, partiu para a caçada pré-eleitoral às bruxas. Se a mídia resistisse… Ora, se o Congresso resistisse, se os tribunais resistissem, se a academia resistisse, se os militares resistissem, se as universidades resistissem, se os artistas resistissem…
Acresce que todas as tentativas feitas de implementar programas midiáticos a partir de tais perspectivas teóricas deram com os burros n?água: as televisões estatais européias, que se mostraram incapazes de competir sequer com a MTV; a Rede Vida, da Igreja Católica; a maior parte da produção educativa nas redes estatais brasileiras.
O que é e o que parece
Uma coisa é o que o jornalismo é; outra, o que parece aos intelectuais em geral. Essa reflexão é perfeitamente cabível diante dos equipamentos fornecidos pelo Ministério da Educação aos cursos de Jornalismo, em um programa que data de 1996 e que só foi implementado agora ? acrescido de 25% de recursos extras, graças aos resultados do Provão e às gestões de Tancredo Maia Filho, diretor de avaliação do Inep no governo passado, já demitido, substituído por outro que já pediu demissão.
Toda produção em jornalismo ? já hoje e cada vez mais, no futuro ? é feita em computadores, aos quais se ligam periféricos. Alguns periféricos são portáteis e podem viajar: gravadores de som, câmaras fotográficas digitais, câmaras de vídeo digitais acopladas a gravadores (camcorders), equipamentos para transmissão de vídeo e som comprimidos através de satélite (videofones). Outros são fixos: players de fitas digitais, scanners, players e gravadores de DVD e CD-ROM, mesas de corte de som e imagem, microfones, sistemas de impressão que variam das impressoras a jato de tinta até grandes combinados de off-set.
Em linhas gerais, é isso.
Pois não é que os equipamentos recebidos, pelo menos na escola em que eu trabalho, incluem três magníficas câmaras de estúdio com tripés, mesa de som com 36 canais, mesa digital de corte de vídeo e efeitos, microfones de todos os tipos (ambientais, bidirecionais, fixos e móveis) e até sistema eletrônico de controle de luz em estúdio! Felizmente vieram câmaras digitais portáteis, estas sim, de grande utilidade, e players de fitas digitais, uma sofisticação que ajuda bastante ? embora seja ferramenta bastante simples para o custo, de 4 mil dólares cada.
Quando as primeiras escolas receberam pacotes do chamado "fungradão", os coordenadores de cursos começaram a se mobilizar para obter a contratação de técnicos. Sem saber exatamente o que estava chegando, achei isso descabido: na verdade, em jornalismo, os técnicos têm sido simplesmente suprimidos ou reduzidos ao mínimo, como foram, em outros tempos, revisores, compositores, digitadores e paginadores nos jornais. Cheguei até a observar isso com alguns que conheço melhor. Desculpem-me. Estava errado.
Para colocar o elefante branco em marcha serão necessários um diretor de TV (que opera a mesa de corte e comanda o espetáculo), um bom profissional técnico para a mesa de áudio, auxiliares de som no estúdio (para colocar e controlar microfones de diferentes tipos), três operadores de câmara, operador de teleprompter (esse equipamento não veio, mas, diante do todo, até que é baratinho), operador do comando eletrônico de iluminação, operador no servidor que gerará a imagem, se for o caso ? no mínimo. Estudantes de Jornalismo? Só na platéia ou como assistentes de produção, o que os tornará pouco mais do que contínuos de luxo.
Para dar uma idéia da insensatez disso tudo, basta dizer que o cenário da apresentação do Globo Repórter é virtual, isto é, resume-se materialmente a uma tela azul no fundo. E que o Jornal Nacional é apresentado em pequeno jirau de acrílico colocado em plano elevado sobre a redação, que ocupa antigo estúdio de novelas no Jardim Botânico, desativado quando a TV Globo do Rio de Janeiro construiu seu centro de produção em Jacarepaguá, o Projac.
Quanto a computadores, eles não puderam ser comprados nessa encomenda provavelmente porque, em 1996, a edição de vídeo era analógica e as matérias jornalísticas produzidas em beta (o sistema mais caro, da Sony) ou super-VHS (semiprofissional, mais barato). De toda sorte, hoje, o preço de um PC capaz de editar vídeo varia entre R$ 4 mil e R$ 9 mil, dependendo da velocidade, do tipo de placa etc.; um Macintosh G-4 deve estar pelo dobro disso. Que eu saiba, ninguém pediu gravadores de DVD ou similares.
Um jovem professor de Telejornalismo, desses que se deslumbram com griffes de máquinas (a mesma turma que adora ferraris ou bentleys, aquela a que pertenciam os cineastas que, antigamente, só aceitavam gravar som em "um nagra"), comentou, satisfeito:
? Isso nos dá status!
(*) Jornalista, professor titular da UFSC