CRISE DE LEITORES
Sidney Borges (*)
Ao ver o Brasil do presidente Lula sinto-me otimista. Acredito que apesar dos percalços estamos evoluindo, como sempre foi e continuará sendo. É só pôr um olho na história para perceber que já vivemos situações difíceis e sempre houve um jeito de ir adiante.
No caso da imprensa, e da crise que esta atravessa, tão cantada em prosa e verso, eu contrario as minhas características e deixo de ser otimista. O modelo que conhecemos está se esgotando rapidamente. A crise não pode ser associada à recessão, a imprensa está em crise desde antes da recessão, esta só fez agravá-la por óbvio. Também não podemos associar a crise à falta de leitores, estes há e muitos, as editoras se multiplicam e vendem o suficiente para existir.
O que está faltando são leitores de jornais e revistas, que já não acreditam nesses veículos como base para formar opinião. Os leitores têm razão, basta olhar as pautas dos jornais diários e das revistas semanais para perceber que há, nas redações, quem imagine estarmos vivendo em outro planeta.
Na semana passada, uma revista semanal de informação trouxe matéria sobre carros de luxo cujo preço dá para uma família média viver três anos. Nada tenho contra carros de luxo, gosto de vê-los e de saber deles, mas isto é assunto para um segmento especializado da mídia, quem tiver interesse que vá procurar. Uma revista de informação deveria estar mais voltada ao seu propósito, e não ficar sonhando com quimeras. Se o leitor tem interesse em automóveis de luxo fica frustrado pela superficialidade; se, em vez disso, comprou a revista para se inteirar dos problemas nacionais também fica frustrado: em ambos os casos, só encontra superficialidade. Afora alguns colunistas e uma ou outra seção, a revista acaba sendo útil apenas para atenuar a adrenalina da sala de espera dos dentistas, onde não há espaço para aprofundamentos conceituais.
É pouco pelo preço e pela expectativa. Quantas pautas eu poderia sugerir para as inúmeras páginas gastas com frivolidades consumistas, fora do contexto temporal e da realidade brasileira. Ouso dizer que essa estreiteza de visão é que está matando a imprensa. Tantas inverdades são publicadas sobre o Brasil que até os donos dos meios de produção jornalística acabam acreditando nelas e fazendo investimentos suicidas em infra-estrutura digna de países desenvolvidos num país miserável. Depois vem a bancarrota e com ela a corrida aos cofres públicos.
Interesses de patrões
A conseqüência é o fim da imparcialidade e do poder crítico. Aos poucos, noto em meus amigos que não são do meio um sintomático desinteresse por revistas que já tiveram papel importante. Em certos momentos eu diria que foram obrigatórias. Continuam mantendo o hábito da leitura de um jornal diário, fundamental para quem quer estar informado, e procuram na internet o que antes era obtido nas revistas. A internet abre espaço para todos, o que muitos consideram heresia. Essa democracia acaba pondo em pauta muitas tolices, mas também traz algumas visões dos acontecimentos fora dos padrões rígidos da imprensa tradicional, e que podem induzir à reflexão.
O modelo brasileiro de concentração de poder, tão bem abordado por Raymundo Faoro, deu margem ao surgimento do complexo de comunicações que está aí presente. Nascido bastardo, atrelado aos estamentos mais conservadores da sociedade, funcionou até ontem, hoje não funciona mais.
Outra falácia que vejo estampada em todas as discussões sobre a crise da mídia é que não há lugar para as grandes matérias porque ninguém lerá. Lerá sim, sempre haverá espaço para as reportagens maiores, desde que bem feitas. Vide Carta capital. Ninguém levou em conta que o leitor está cada dia mais exigente.
Outra coisa relevante é a pasteurização da notícia. Não dá para tratar, como querem alguns, a editoria de esportes com os mesmos critérios da editoria de economia. Esporte é paixão, irracionalidade, catarse, e deve ser abordado com esses ingredientes. Ler a seção de esportes de certos jornais dá sono! Torcedores serão sempre torcedores. Não podemos esquecer que muita gente compra jornais por causa dessa paixão doentia e irracional que movimente bilhões de dólares no mundo e deve ser levada em conta.
Para terminar, acho que os avanços nas comunicações digitais vão modificar a imprensa para melhor, abrindo espaço para talentos e nos livrando do incômodo de defender interesses de patrões que não convidaríamos para as nossas casas. Quem viver verá!
(*) Jornalista