Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A farsa AOL / Time-Warner

MONITOR DA IMPRENSA

FUSÃO À AMERICANA

Arnaldo Dines (*)

As demissões em massa anunciadas pela AOL / Time-Warner nos Estados Unidos, menos de duas semanas após a formalização da fusão das duas companhias, comprovam a comédia de erros encenada pelo governo americano no processo de aprovação da fusão. O fato incontestável é que essas demissões eram independentes da fusão – das aproximadamente três mil demissões em diversas divisões da companhia, menos de 750 são decorrência direta de duplicação de departamentos –, e só não foram anunciadas antes da aprovação para evitar uma repercussão pública desfavorável.

Para a administração Clinton, a melhor opção foi manter uma distância tática do processo. Como em uma experiência pavloviana, os assessores do agora ex-presidente tiveram seus reflexos continuamente condicionados ao longo de oito anos de governo e sabiam que com aquele pedaço de queijo levariam um choque elétrico. Sabiam que uma mera tentativa de justificar a complacência da FCC (Federal Communications Commision) e da FTC (Federal Trade Commission) frente ao monopólio da AOL e da Time-Warner seria um ato desnecessário de eutanásia política às vésperas da morte natural de uma presidência. É uma das grandes vantagens de um governo descentralizado: a inocência por omissão.

Pobre bilionário

São inúmeros os exemplos do comportamento monopolista das duas companhias, tanto individual como conjuntamente. O destaque é o impedimento a empresas como Microsoft e Yahoo! de integrarem o sistema de mensagens instantâneas da AOL. Seria o equivalente a usuários do sistema de telefone de uma companhia não poderem fazer chamadas a números de usuários de outras companhias telefônicas.

Piores foram os abusos da Time-Warner Cable, a segunda maior companhia de televisão por cabo no país, ao bloquear seus sistemas à outras redes de televisão. Diversos canais da Disney, entre eles a ABC e a ESPN, foram arbitrariamente retirados dos sistemas da Time-Warner no ano passado, privando o acesso de milhões de telespectadores a uma importante fonte jornalística – no caso, a ABC News. O motivo alegado foi uma disputa contratual. Mas como a Disney já havia concedido uma extensão permitindo a permanência dos canais no ar, a decisão da direção da Time-Warner foi uma violação aos direitos de livre expressão e de acesso à informação garantidos na Constituição americana. Dias depois, a empresa foi obrigada e colocar os canais de volta no sistema e a pedir desculpas ao público. Antes disso, a Time-Warner Cable já havia tentado fechar o seu sistema de TV a cabo em Nova York ao canal de notícias da Fox, para prevenir a entrada em campo de mais um possível competidor para a CNN.

Se a responsabilidade burocrática pela aprovação da fusão das duas companhias cabia ao FCC e ao FTC, a responsabilidade moral pertencia ao Departamento de Justiça. Só que sob a liderança de Janet Reno, o departamento teria preferido concentrar-se em uma perseguição quixotesca ao pobre bilionário Bill Gates e à sua já não tão poderosa Microsoft. Tanto que, paralelamente ao anúncio da decisão final sobre a AOL / Time-Warner, o Departamento de Justiça optou por utilizar seus derradeiros esforços reforçando o processo contra a Microsoft poucos dias antes da posse de George W. Bush, o qual já havia se manifestado contra o desmembramento da empresa. Era o mesmo que resolver limpar os banheiros da embaixada americana em Saigon, momentos antes de o último helicóptero deixar o Vietnã…

Preços especiais

O fato é que, de comédia de erros, essa farsa rapidamente se torna uma tragédia grega. De um lado, a AOL / Time-Warner recebe sinal verde e, do outro, a Microsoft recebe um cartão vermelho. Por que o tratamento diferente? O tamanho descomunal e poder de penetração das duas companhias as tornam semi-monopolistas por natureza. Mas enquanto a AOL / Time-Warner demite em massa, a Microsoft recruta em massa os desempregados produzidos pela recente implosão das empresas de internet.

A explicação é que as empresas de mídia recebem um tratamento preferencial do governo americano, seja este do Partido Democrata ou do Republicano. É o velho ditado de que todos são iguais perante a lei, só que alguns são mais iguais do que os outros.

Em uma sociedade altamente regulamentada como a norte-americana, como explicar a timidez das medidas governamentais perante as indiscrições dos meios de comunicação? Como explicar a aprovação, no ano passado, da compra da CBS pela Viacom, criando um mastodonte de informação com duas redes nacionais de televisão operando paralelamente? Ou como permitir que Rupert Murdoch seja proprietário de um jornal e dois canais de televisão em uma mesma cidade? (Em Nova York, ele é o dono do jornal tablóide New York Post, da estação local da Fox e do canal 9, comprado recentemente.) Perante a pobre e esquecida legislação americana, estas são transgressões inaceitáveis.

E para quem pensa que a situação vai mudar com a entrada da administração republicana, um pequeno dado: o novo chairman do Federal Communications Commision é Michael Powell, filho do general Collin Powell, secretário de Estado do presidente George W. Bush. O "júnior" já era parte da direção da agência desde 1997, um dos dois membros que o Partido Republicano tinha direito de nomear. Foi ele o grande defensor da aprovação da fusão da AOL e da Time-Warner perante os outros diretores da agência. E agora, com as rédeas na mão, Michael Powell estará livre para implementar sua conhecida política de reduzir ainda mais a limitada fiscalização do governo federal sobre os meios de comunicação. E como detalhe ainda mais peculiar, seu papai, o general, era membro do conselho diretor da Time-Warner com direito de exercer opções de compra de ações da companhia a preços especiais. Essas opções teriam um valor aproximado de 8 milhões de dólares, se exercidas aos preços atuais da AOL / Time-Warner na Bolsa de Valores de Nova York.

(*) Arnaldo Dines é jornalista e vive em Nova York


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