Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A filosofia por trás das manchetes

NOTÍCIA & VERDADE

Antônio Brasil (*)

Making Sense ? Philosophy behind the headlines, 296 pp., Oxford University Press, 2002. Preço: 14,99 libras

Em tempos de reverência quase religiosa às novas tecnologias e de crise de valores profissionais, será que a velha filosofia ainda teria algo a oferecer ao jornalismo? Nunca se leu tanta notícia! Apesar da grande quantidade, ironicamente, o mundo faz cada vez menos sentido. Somos inundados diariamente por uma grande quantidade de imagens e relatos sobre questões complexas, como guerra ao terrorismo, fanatismo religioso, escândalos sexuais, clonagem e tantas outras, mas será que realmente entendemos o que vemos na TV ou lemos nos jornais?

Foi pensando num público insatisfeito com a quantidade, a superficialidade e a estranheza dos noticiários que o filósofo britânico Julian Gaggini lançou recentemente Making Sense ? Philosophy behind the headlines (Fazendo sentido ? Filosofia por trás das manchetes). O autor tenta o que muitos consideram impossível: convencer-nos de que um pouco de filosofia pode melhorar bastante a compreensão das notícias.

Manchetes que destacam o presidente Bush e os Estados Unidos, engajados numa “guerra justa” contra o terrorismo (“quem não está nos apoiando, está contra nós”), “Atentados suicidas de guerrilheiros em guerra de libertaç&atildatilde;o ou guerra religiosa” são exemplos claros de princípios e argumentos filosóficos. Mas, afinal, quem está dizendo a verdade? Poderia existir mais de uma verdade? A verdade… existe? E Deus? Também existe? Ou, ainda, quais são os valores morais ou éticos por trás das notícias? Guerra, paz, Deus e liberdade justificam a morte de seres de humanos? A vida está acima de qualquer outro valor?

Debate de valores

Velhas questões filosóficas como essas surgem regularmente na imprensa sem que sequer percebamos. Infelizmente, não temos mais tempo para contextualizar ou entender tantas notícias. O mundo se torna incompreensível, automático, e nós sobrevivemos indiferentes a tudo, lendo algumas poucas linhas dos jornais ou assistindo a menos minutos de notícias na TV. Para a grande maioria, assistir aos noticiários se tornou somente hábito, curiosidade, busca de emoção ou sensação. Tudo, menos compreensão. Tanto faz se os Estados Unidos estão certos ou errados, se acusam o satânico Saddam Hussein de ser desonesto e mentiroso, vértice de um eixo do mal, ou se terroristas que acreditam em Deus e na vida após a morte têm ou não o direito de matar milhares de pessoas em cidades distantes como Nova York.

Algumas das questões mais profundas dos estudos filosóficos são apresentadas e digeridas num constante fluxo no estilo “MacNews”. O excesso de informação sem reflexão ou base teórica torna o jornalismo cada vez mais próximo do mero entretenimento. Acusações constantes de sensacionalismo na cobertura jornalística encontram sustentação e justificativa num público cada vez mais ávido por novas emoções, em permanente estado de choque, que consome muito e pensa pouco.

Julian Baggini acredita que a filosofia pode ao menos tentar inverter este quadro. Mais do que nunca, num mundo à beira de mais uma guerra, que nos ameaça com o fim de todas as filosofias e notícias, velhas questões filosóficas não parecem tão distantes ou desnecessárias. Segundo o autor, em entrevista com direito a som e imagem no sítio <http://www.relaxwithabook.com/interviews/todaysinterview.cfm?interviewid=589&topten=yes>, “para entender melhor o noticiário do dia-a-dia não é necessário ler todas as obras dos grandes filósofos”. Mas, precisamos, sim, diz ele, “tornar um hábito a discussão regular dos valores e métodos da filosofia. Assim como o jornalismo, ela também busca sempre… a verdade”.

(*) Jornalista, coordenador do Laboratório de TV, professor de Telejornalismo e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ