MÍDIA & FARC
Marcelo Salles (*)
Estivesse fugindo da deprimente realidade que nos cerca, estivesse indo atrás de uma "simples fantasia de adolescente" ? como classificou o delegado da Polícia Federal ?, o fato é que Alexandre Didonato, o estudante de 14 anos que saiu de casa com a intenção de chegar até as Farc, estava atrás de um ideal. E isso talvez esteja um pouco aquém do entendimento da grande maioria das pessoas, a começar por aqueles que constituem a chamada grande mídia.
Em entrevista à Rádio CBN, a mãe de Alexandre responsabilizou a internet: "Antigamente era possível impedir que nossos filhos andassem com más companhias. Hoje não, pois a página que ele pesquisou não era de conteúdo pornográfico, impossibilitando nosso controle". A repórter completou a informação dizendo que os pais pretendem canalizar o ideal do filho para ações sociais.
A avó do rapaz disse à Folha de S.Paulo que o jovem mudou de comportamento depois que ele e a mãe sofreram um seqüestro-relâmpago, e finalizou: "Ele é criança, senão, não tinha entrado numa ilusão dessas". Para concluir o coro dos adultos maduros, o delegado José Cerpa, no mesmo jornal, garantiu: "Isso tudo não passou de uma fantasia de adolescente".
O que causa estranheza é não aparecerem, em nossa imprensa, declarações do principal envolvido no incidente. Ao rapaz não foi dado, em nenhum momento, o direito de falar. Salvo em apenas um telejornal, em que repetia, ao telefone: "Não quero voltar, não quero voltar".
Para completar, a mensagem da mídia com relação às Farc foi muito clara. Ficou subentendido nas entrelinhas que na página da entidade existe um mapa para que qualquer pessoa possa chegar até lá. Para isso, misturou declarações dos parentes que ora diziam que o filho visitou a sítio das Farc, ora que o filho pesquisou no buscador Cadê?.
A descontextualização foi tanta que, além de não explicarem o que representam, de fato, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, não tiveram a delicadeza de visitar a referida página na internet, em <http://www.farcep.org>, onde poderiam constatar que não existe qualquer convite para que brasileiros se juntem aos colombianos ? os descontentes com o governo de Álvaro Uribe Vélez, totalmente submisso aos interesses dos EUA.
Sempre fora de foco
Talvez a mídia grande fique um tanto desconcertada ao ver um garoto de 14 anos viajando três dias de ônibus, pretendendo viajar outros sete dias de barco, até chegar a seu destino. E isso é perfeitamente compreensível. Não faz parte do paradigma daqueles que controlam a fábrica da mensagem única. É muito mais cômodo transmitir ao público a imagem de "garoto problemático" do que retratar alguém disposto a sair da inércia que eles próprios se encarregam de impor.
Acontece que aquele menino está nitidamente determinado. Uma criança iludida e com fantasias não sai de casa rumo a outro país, como os adultos maduros querem nos fazer acreditar. A este rapaz não foi concedido o direito de falar por um motivo muito simples: ele representa a fuga de um modelo construído pelos donos do poder. Um imobilismo que se abate sobre a sociedade de maneira tal que um cidadão que venha a reivindicar seus direitos é logo classificado como criador de casos.
Nunca admitiriam que um garoto de 14 anos pudesse conhecer mais sobre a situação que existe de fato na Colômbia ? e não aquela que o poder hegemônico diz existir ? do que adultos maduros. As Farc controlam 40% do território colombiano e constituem um grupo que, sim, pegou em armas, não porque são narcotraficantes, como mentem deslavadamente uns e outros, mas porque cansou de ver o governo de seu país entregar riquezas a povos estrangeiros, enquanto mais da metade da população permanece abaixo da linha de pobreza.
Por trazer à tona essa realidade, a fuga de Alexandre Didonato obrigou a grande massa dos meios de comunicação a fugir do verdadeiro foco da questão. Aliás, neste ponto, os homens maduros estão sempre fugindo…
(*) Estudante de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense