Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa como fonte documental

IMAGEM & PODER

Marco Morel e Mariana Monteiro de Barros


Introdução de Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do século XIX, de Marco Morel e Mariana Monteiro de Barros, 136 pp., Editora DP&A, Rio de Janeiro, 2003; e-mail <dpa@dpa.com.br>; preço R$ 17,00


A imprensa periódica nasceu no Brasil há quase 200 anos e os estudos já existentes sobre sua história, apesar de significativos, ainda são limitados, proporcionalmente à presença que tais expressões tiveram na sociedade. É interessante sublinhar uma especificidade nem sempre destacada: o surgimento da imprensa no Brasil acompanha e vincula-se a transformações nos espaços públicos, à modernização política e cultural de instituições, ao processo de independência e de construção do Estado nacional. Do ocaso do Antigo Regime, passando pela recepção do ideário liberal, surgem espaços de liberdade de imprensa que, embora não seja causa, vai compor e interferir no quadro da separação com Portugal e de edificação da ordem nacional. Imprensa e nação brasileira são praticamente simultâneas. A palavra impressa circulava e ajudava a delinear identidades culturais e políticas.

Nas últimas décadas o campo da pesquisa histórica tem passado por remodelações que apontam para crescente pluralidade de abordagens e temas. Neste movimento a imprensa tem sido tomada como fonte e também como objeto de estudos. Como fonte documental, integra-se a outros materiais que dão suporte a pesquisas e reflexões em áreas diferentes; como objeto, transforma-se ela mesma no foco dos trabalhos.

Na tradicional historiografia, identificada como positivista ou historicista, a imprensa aparecia, em geral, como fonte privilegiada na medida em que era vista como autêntica narradora dos “fatos” e da “verdade”. Tal perspectiva, embora pioneira no uso da imprensa na historiografia, tornou-se limitada e acabou sendo o principal argumento para o relativo abandono que sucederia. Isto é, com a renovação dos estudos históricos e a ênfase numa abordagem que privilegiava o sócio-econômico, a imprensa entrelaçou-se às discussões sobre ideologia e “superestrutura” e passou a ser relegada a uma condição subalterna, pois seria apenas “reflexo” superficial de idéias que, por sua vez, eram subordinadas estritamente por uma infra-estrutura sócio-econômica.

Tal postura, que entendia a imprensa (com certo desdém) como mero “veículo” de idéias e de forças sociais e como “falsificadora da verdade” acabou, por sua vez, cedendo à subseqüente transformação historiográfica. A renovação das abordagens políticas e culturais redimensionou a importância da imprensa, que passou a ser considerada como fonte documental (na medida em que enuncia discursos e expressões de protagonistas) e também como agente histórico que intervém nos processos e episódios, não “reflexo”. Força ativa, não mero registro de acontecimentos, como sublinhou o historiador francês Daniel Roche. O que implica, portanto, verificar como os meios de comunicação impressos interagem na complexidade de um contexto.

A abordagem, construída a partir de tais premissas, busca compreender e apontar os principais traços dos “começos” da imprensa periódica no Brasil, com destaque para a então capital, Rio de Janeiro ? consciente da limitação decorrente desta concentração geográfica das pesquisas, deixando em segundo plano a imprensa de outros estados brasileiros. Não seguiremos ordem rigidamente cronológica ou de inventário dos títulos publicados. O objetivo é delinear aspectos essenciais destas origens (tratadas sem mitologia): mesmo sem predeterminações, elas vieram a constituir-se em gestadoras de características dos meios de comunicação atuais, passando por transformações, mas com definições, permanências e heranças. Trata-se de análise, sobretudo, qualitativa dos textos, imagens e relações de poder que perpassam a imprensa ? embora a dimensão quantitativa esteja presente.

Este livro percorre um século 19 que começa por volta de 1808 e estende-se até princípios do século 20, com ênfase nos anos 1820-1830, marcantes para os primeiros passos da imprensa no Brasil.

No primeiro capítulo (baseado em abordagens da História Cultural) tratamos dos momentos iniciais da imprensa periódica no Brasil, destacando aspectos como a gênese da noção de opinião pública, os principais jornais, bem como suas formas de circulação e recepção, contextualizando historicamente a imprensa naquela sociedade em transformação.

O segundo capítulo incorpora ao estudo da história da imprensa não só a literatura, mas também a história da imagem, tomando como base, respectivamente, o Romantismo e o fotojornalismo, além da caricatura, da formação do público (inclusive feminino) e da relação entre redatores e escritores no século 19: delineia uma trajetória do aperfeiçoamento técnico pelo qual a imprensa precisou passar até que fosse possível publicar imagens em suas páginas.

No terceiro e último capítulo aborda-se a relação da imprensa com diferentes comércios e relações de poder: anúncios, os pontos de contato com a escravidão, os locais de venda e de sociabilidade e os primeiros movimentos reivindicatórios dos trabalhadores manuais da imprensa.

Ao final, encontram-se algumas considerações gerais, buscando reforçar as linhas de pesquisa desenvolvidas neste trabalho, as principais conclusões delineadas e as perspectivas metodológicas e temáticas na construção de uma História da Imprensa no Brasil.