Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A imprensa na campanha presidencial

ELEIÇÕES 1950

Paula Papis (*)


Felizmente para o Brasil e para a democracia, surgiu a candidatura do Brigadeiro e com ela tivemos, na campanha, a centelha de entusiasmo sem a qual o povo permaneceria isolado dos senhores da política. ["O Brigadeiro e as massas", O Estado de S. Paulo, 11/7/50, p.3]


Introdução

O objetivo desta pesquisa foi analisar o jornalismo político na imprensa escrita paulista nos anos 50, em especial, a cobertura feita pelos jornais da cidade de São Paulo, das campanhas dos candidatos para a Presidência da República em 1950.

O resgate das notícias (reportagens e editorias), publicadas na imprensa escrita, e os depoimentos de jornalistas atuantes na época permitiram a recuperação do debate político da época, atribuindo-se a imprensa escrita, o importante papel de formação e discussão de idéias. Esta pesquisa contribui, fundamentalmente, para a análise da cobertura da mídia de um dos eventos mais importantes da vida política de um país ? as eleições presidenciais ?, além de maior esclarecimento sobre a atuação e influência dos meios de comunicação (no caso, os jornais) neste período eleitoral tão diferente do que conhecemos hoje, onde o comício sai de cena e entra a televisão.

A partir disso, identificamos as questões políticas e/ou pessoais que pautaram os jornais O Estado de S.Paulo, Folha da Manhã e Correio Paulistano durante as campanhas políticas e o tratamento dispensado aos candidatos e suas propostas de governo na década de 50 ? período de grandes transformações técnicas e de "estilo" nos jornais brasileiros.

Mesmo não se tratando da capital federal (na época, Rio de Janeiro), São Paulo já despontava como maior colégio eleitoral do país (mais de dois milhões de eleitores; apenas Minas Gerais chegava próximo disso), com maior população urbana (mais de 1,5 milhão de habitantes) e como estado mais influente economicamente devido ao forte processo de industrialização que liderava.

Naquela época circulavam 115 periódicos na cidade de São Paulo, sendo 14 de entidades oficiais, 58 de entidades civis e firmas comerciais, sete de corporações religiosas e 39 de propriedade individual. Desse total, apenas 25 possuíam oficinas próprias, sendo 23 em formato jornal, 79 de revista e 19 de boletim. Os principais jornais em circulação ? e que foram analisados nesta pesquisa ? eram O Estado de S. Paulo (Grupo Estado, atuante até hoje) [à frente da imprensa brasileira tradiconalmente estão empresas familiares; em São Paulo, o Grupo Estado é comandado pela família Mesquita e o Grupo Folhas, pela família Frias] e Folha da Manhã (Todos do Grupo Folhas, que edita hoje a Folha de São Paulo, um dos jornais mais vendidos no país atualmente).

Trazendo em seu cabeçalho os dizeres: "órgão oficial do Partido Republicano Paulista", o Correio Paulistano também teve suas edições analisadas, visto que contribui para a reflexão sobre a cobertura jornalística da época pois trata-se de um veículo de comunicação que disputava mercado com outras empresas e teve sua linha ideológica (partidária) claramente explicitada. Apesar de não fazer parte deste estudo [indisponível para consulta], vale registrar a importância do grupo Diários Associados, que editava O Diário da Noite, cujo proprietário Assis Chateaubriand mantinha intensa e longa relação de amizade com Getúlio Vargas, e do jornal Última Hora [já existem outros estudos sobre o UH, que foram utilizados no decorrer desta pesquisa], dirigido por Samuel Wainer e financiado por Getúlio. No processo de escolha dos jornais também foi levado em consideração a possibilidade de acesso a estes materiais, isto é, que estivessem disponíveis em bibliotecas ou arquivos públicos.

Em termos editoriais, O Estado ? circulando desde o final do século XIX, inicialmente, como A Província de São Paulo ? se aproximava da idéias liberais, tinha forte ligação com a União Democrática Nacional e um anticomunismo exacerbado (Capelato e Prado, 1980). Na década de 50, em especial, foi feroz adversário de Vargas, em virtude de ter sofrido intervenção de seu governo. Como veremos ao longo desta pesquisa, O Estado apoiou os adversários de Vargas e criticou duramente os simpatizantes do ex-presidente. O jornal também tinha grande afinidade e admiração pelos militares. Muitas vezes, em seus editoriais, pedia que esses "bravos homens" não deixassem o país cair nas mãos de "um ditador" novamente.

Já as Folhas ? com a mudança da direção da empresa em 1945, a cargo do jornalista José Nabantino Ramos ? passaram por um processo de racionalização do trabalho que deu a fisionomia moderna a esses jornais (Mota e Capelato, 1980) [como será discutido nesta pesquisa, trata-se de um processo conhecido como a passagem do jornalismo literário para o jornalismo empresarial, que norteou os jornais na América na primeira metade do século XX]. Nabatino também fez retornar o jornal ao seu estilo fiscalista e modernizador. As mudanças aconteceram, principalmente, na Folha da Manhã ? fundado em 1921, destinado aos setores médios da população. Os demais jornais do grupo eram mais recentes e voltados as camadas mais populares. Neste esforço de restruturação da empresa, Nabatino pretendia ainda "diminuir o alto grau de improvisação que caracterizava a atividade jornalística". O diretor criou uma carta de princípios chamada "Normas de Trabalho da Divisão de Redação, para elaboração da Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha da Noite". Foi o primeiro manual de redação ? contribuição de Nabatino para o desenvolvimento da imprensa paulista, que não só influenciou a Folha, mas todo o jornalismo brasileiro.

Além da pesquisa histórica que foi feita através do resgate da cobertura da imprensa do período eleitoral mencionado, a análise do noticiário teve como objetivo maior discutir o papel da mídia, no caso, os jornais paulistas, nas campanhas eleitorais nos anos 50.

Mais do que quantificar sua influência ? é quase impossível calcular isso visto que não possuímos pesquisas de opinião para balizar a análise ? discutimos o noticiário, em determinado contexto social, a luz de conceitos como agenda setting, de Mauro Wolf , que trata da formação da visão de mundo das pessoas através dos meios de comunicação. Entre outros teóricos da comunicação cujas teses nortearam esta pesquisa, está o italiano Antonio Gramsci, quando discute o papel dos intelectuais (e organizações, como os jornais) na manutenção ou rompimento com alguma ideologia dominante (hegemonia e contra-hegemonia)

Desta forma, o trabalho dos jornalistas foi avaliado, levando em consideração as expectativas do profissional da época, seu poder sobre o noticiário, enfim, a ética e os procedimentos jornalísticos vigentes na década de 50. O período estudado foi marcado por transformações na imprensa. Analisamos em que medida a constatação se aplica ao caso paulista. São Paulo também passava por um forte processo de industrialização, aumento do público consumidor, concorrência e novos produtos de comunicação (surgimento da televisão).

Outra preocupação foi discutir o papel dos meios de comunicação frente à cobertura eleitoral: debatendo questões como responsabilidade social, a explicitação (ou não) de posicionamento político e/ou afinidades ideológicas frente à qualidade da informação e expectativa do público-leitor. Se para muitos é consenso que determinado veículo de comunicação não deva ter um posicionamento político definido (leia-se engajado), entre os próprios jornalistas a posição não é unânime. Citamos, como exemplo, a posição do jornalista Mauro Santayana [entrevista feita pela autora com Mauro Santayana em agosto de 1999; Santayana trabalhou em quase todos os principais jornais brasileiros e foi correspondente dos jornais Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil na Europa e na África; participou da campanha de Juscelino Kubistchek à Presidência da República em 1955]: "É muito melhor que os jornais estejam engajados e vinculados a determinados grupos politicamente identificados, do que com os grandes grupos econômicos, que dominam parte da mídia, e, ao dominá-la, controlam o Estado e oprimem a sociedade. O pluralismo é inseparável do processo democrático. Hoje, ler um jornal é quase sempre ler todos eles, tal a uniformidade de opinião e de informação, tendo em vista que não há mais repórteres e sim agências que trabalham as notícias de uma forma distanciada da realidade e da paixão, que é indispensável a todas as atividades humanas, entre elas a do jornalismo".

Os jornais selecionados para a pesquisa, como já apontado, foram O Estado de S. Paulo, Correio Paulistano e Folha da Manhã. As edições escolhidas para a análise são as que tratam da campanha eleitoral de 1950. Neste caso, correspondem aos meses de julho, agosto e setembro e aos dias de outubro anteriores ao pleito e até a divulgação do resultado.

Em um primeiro momento, foi feita a pré-seleção dos jornais, separando-se da edição apenas as manchetes e as páginas com notícias sobre as campanhas eleitorais. A partir disso, o material foi microfilmado e ampliado, possibilitando a identificação da distribuição do noticiário para a segunda fase da seleção: a análise de conteúdo.

Não adotamos a análise por milimetragem e, sim, a classificação por notícias. Acreditamos que, dependendo da localização da notícia na edição, seu impacto sobre a cobertura pode ser potencializado. Daí, a preocupação maior com a análise do conteúdo e, principalmente, com os títulos, e com a edição do noticiário.

Além da análise dos jornais, foram feitas entrevistas com jornalistas atuantes no período estudado. São eles: Audálio Dantas, David de Moraes, Mauro Santayana, Murilo Antunes Alves, Oliveiros S. Ferreira, Roland Marinho Sierra, todos com grande experiência no jornalismo, alguns atuantes até hoje. Suas observações levantaram importantes aspectos do período analisado e, parte delas, foram reproduzidas ao longo do texto.

Imprensa e política

A relação imprensa e política é algo que merece grande destaque. Além de reflexo da sociedade, a imprensa também é parte construtora da realidade. Os jornais podem ser, como assinala J.D. Barber, os novos partidos políticos porque também são responsabilizados por mudanças profundas na própria natureza do processo político.

Segundo M. Wolf, a evolução das teorias sobre a comunicação mostrou que as resistências que os destinatários opõem de várias formas e interagem na influência dos meios de comunicação. Isso nos leva a constatar que a mídia não intervêm diretamente no comportamento do espectador/leitor, na verdade, age e influencia o modo como o destinatário organiza a sua imagem do ambiente.

O conceito Agenda-setting de Wolf, utilizado neste estudo, é, resumidamente, a capacidade/poder dos meios de comunicação em definir os temas discutidos ou de "destaque" no noticiário e, conseqüentemente, na política. O agente seletor de notícias, gatekeeper, conceito de M. Kunczik, e o newsmaking que, segundo Wolf, seriam "as rotinas produtivas que operam na indústria dos mass media" também ajudaram a nortear a análise do material coletado. Segundo estes teóricos, os elementos a serem considerados são, entre outros, os critérios de importância, noticiabilidade, conteúdo/espaço, público e concorrência.

Para W. Donsbach, a decadência dos partidos políticos e a ascensão dos modernos meios de comunicação de massa imprimiram uma dramática transformação do sistema político dos EUA neste século: "Personalização e redução são as características decisivas da nova representação da política".

Outra questão que foi amplamente discutida nesta pesquisa é a imprensa/empresa, importante momento de transformação nos meios de comunicação, principalmente, no trabalho jornalístico.

Para entender melhor este processo é preciso recuperar um pouco da história da imprensa mundial. Nas primeiras décadas do século XX, os jornais começam a priorizar objetivos comerciais, ao contrário do século XIX, onde os jornais eram instrumentos de determinadas pessoas em suas carreiras políticas, instrumentos de partidos ou grupos políticos. Até por isso, os jornais tiveram uma vida curta, dependendo dos desdobramentos da política (Alvarez e Riaza, 1992, 179). Isso não significa que os jornais deixaram de ter uma linha política definida, apesar de se afirmarem como independentes, mas como qualquer empresa precisa ter boas relações com o governo, políticos, justiça etc. "Naturalmente, a criação de jornais-empresa favoreceu o desenvolvimento de poderosos grupos de imprensa. Não foi um fenômeno isolado, mas comum a todo o continente sul-americano", relata Alvarez e Riaza.

Outro aspecto importante é que a mudança de concepção (impresa-empresa) deve-se também ao crescimento das cidades, da população urbana, e também devido a chegada dos imigrantes, principalmente europeus. A partir daí, a massa urbana seria, tanto informativa como publicitariamente, o mercado específico para os grandes diários, as grandes tiragens.

Segundo Lattman-Weltman, do ponto de vista político-institucional, a época é de rara continuidade no que diz respeito ao processo democrático de transmissão do poder público. Malgrado certas tentativas de golpe (e contragolpe), os candidatos eleitos têm suas posses asseguradas, e a atmosfera política e cultural beneficia-se de uma comparativamente ampla, se não completa, liberdade de circulação das idéias. É o momento que se segue à redemocratização ? após o Estado Novo e uma nova Assembléia Constituinte ?, quando a vida partidária e os sindicatos se (re)organizam, com grande crescimento das cidades e mobilização no campo. Se enquadrarmos esses dados macroestruturais na moldura mais ampla de determinadas teorias a respeito do desenvolvimento histórico da moderna imprensa escrita, veremos que, ao menos potencialmente, a década de 50 constitui um verdadeiro marco na história de nossa imprensa, marco que assinalaria a virtual superação, entre nós, daquilo que autores como Habermas chamariam de fase do "jornalismo literário", e a entrada em definitivo nos quadros do chamado "jornalismo empresarial" (Lattman-Weltman, 1996, 158).

No início, para Habermas, a imprensa foi organizada em pequenas empresas artesanais. Os cálculos se orientam por princípios de uma maximização dos lucros, modesta, mantida nos tradicionais limites da primeira fase do capitalismo, sendo o interesse do editor por sua empresa era puramente comercial. A sua atividade se limitava essencialmente à organização da circulaçãatilde;o das notícias e a verificar essas próprias notícias. A este momento econômico se acresce, no entanto, um novo momento, político no sentido mais amplo, assim que a imprensa de informação evoluiu para uma imprensa de opinião e que o jornalismo literário passou a concorrer com a mera redação de avisos. Bücher descreveu, numa frase, os grandes traços dessa evolução: "Os jornais passaram de meras instituições publicadoras de notícias para, além disso, serem porta-vozes e condutores da opinião pública, meios de luta da política partidária. Isso teve, para a organização interna da empresa jornalística, a conseqüência de que, entre a coleta de informações e a publicação de notícias, se inseriu um novo membro: a redação. Mas, para o editor de jornal, teve o significado de que ele passou a vendedor de novas notícias a comerciante com opinião pública" (Habermas, 1984, 214).

Ele explica que não se efetivou por certo tão somente com a autonomização de uma redação: começou, no continente europeu, com os "jornais cultos" e, na Inglaterra, com os hebdomadários moralistas e com as revistas políticas, a partir do momento em que certos escritores passaram a utilizar o novo instrumento da imprensa periódica a fim de conseguir eficácia publicitária para a sua argumentação impregnada de intencionalidade didática. Já se falou desta segunda fase como a fase do "jornalismo literário".

A fase que coincidiria com a que estudamos começa, segundo Habermas, com o estabelecimento do Estado burguês de Direito e com a legalização de uma esfera pública politicamente ativa. A imprensa crítica se alivia das pressões sobre a liberdade de opinião; agora ela pode abandonar a sua posição polêmica e assumir as chances de lucro de uma empresa comercial. Coincide também com o avanço das técnicas de impressão (novas rotativas) e de transmissão (telégrafo) de notícias. Assim, "a atividade redacional (…) já se havia especializado, sob a pressão da transmissão noticiosa tecnicamente desenvolvida, de uma atividade literária para uma jornalística; a escolha dos dados torna-se mais importante que o artigo de fundo; o tratamento e o julgamento das notícias, sua revisão e diagramação, mais urgente do que busca literariamente efetiva de uma "linha" (Habermas, 1984, 218).

Na avaliação de Lattman-Weltman ? que se baseia em Habermas ? pode-se periodizar a história da imprensa brasileira da seguinte maneira: 1) nos primeiros anos da imprensa brasileira era um "serviço preso a uma lógica pré-capitalista". Como exemplo, cita Gazeta do Rio de Janeiro, fundado em 1808, sendo o primeiro jornal e prestando pequenos serviços informativos; 2) num segundo momento, a imprensa é marcada pelo surgimento dos primeiros jornais de oposição (abolicionistas ou republicanas, e até os que apoiavam a família real e, posteriormente, o imperador), que se beneficiaram da liberalização e da implantação das primeiras tipografias brasileiras. É o caso do Correio Braziliense, de Hipólito José da Costa, editado fora do Brasil devido a perseguição política ? Werneck Sodré afirma que nesse momento abriam e fechavam várias publicações, em que ficava claro a intenção ideológica e não financeira; 3) a terceira fase é caracterizada pela superação do jornalismo literário pelo empresarial. Até meados dos anos 50, o cenário não favorecia essa mudança, visto que, além das dificuldades institucionais de consolidação da chamada esfera pública em nosso país, havia ainda problemas de ordem sócio-econômica e cultural que inviabilizavam qualquer tentativa de criação de um mercado razoavelmente autônomo de bens culturais (caráter agrário-exportador de nossa economia, os elevados índices de analfabetismo, os baixos índices de poder aquisitivo). A industrialização, a imigração, o crescimento das cidades começam a alterar este quadro.

Vale ressaltar que existem controvérsias a respeito desta periodização, em especial a terceira fase: para Werneck Sodré e Juarez Bahia, estudiosos da mídia brasileira, esta transição de jornalismo literário para empresarial começou muito antes, na década de 20 ? correspondendo essencialmente à transição da fase artesanal para a industrial. A socióloga Gisela T. Goldenstein discorda: "as práticas mercantis não tinham sido totalmente sancionadas do ponto de vista ético, e menos ainda quando referentes à mercantilização do trabalho intelectual" (Goldenstein, 1986, 16).

Sobre este momento de transição, resgatamos depoimento de Carlos Heitor Cony [Cony, Carlos Heitor ? Quase memória. São Paulo, Companhia da Letras, 1998] sobre seu pai que trabalhava no Jornal do Brasil: "O jornal adotara outros métodos, as relações da imprensa com o governo e com a sociedade se modificaram, um a um, os monstros sagrados da redação foram sacrificados. O pai estava longe de ser um dos monstros sagrados, apesar de redator, desempenhava função de repórter de setor, eu o ajudava diariamente, indo buscar o expediente, redigindo as notas que saíam na seção cada vez mais relegada às páginas menos nobres da edição. (…) Nem a linguagem, nem o conteúdo poderiam ser aceitos em jornal modernizado que disputava o mercado com outros veículos como o rádio, a televisão e os concorrentes, que despiam a roupagem amadora e romântica para se transformarem em empresas". (Cony, 1998, 193)

Papel dos jornalistas

Diante da importância da imprensa e da identificação de um momento transformador em sua história, é importante conhecer os profissionais da imprensa de um país que saía de anos de regime ditatorial para voltar a "exercer a democracia" através de eleições diretas. Enfim, como trabalhavam e qual era o seu papel na cobertura das campanhas presidenciais.

É notório que o jornalismo dá ao profissional da área um tremendo potencial de poder. Um repórter, por exemplo, pode levar, ao conhecimento público, fatos que dizem respeito a uma determinada pessoa, ou personalidade e esta acaba não tendo a oportunidade de responder à altura. Por outro lado, esse mesmo profissional pode esclarecer assuntos importantes ao público, aumentado a compreensão da realidade por parte do leitor. Como explica J. Fallows [Fallows, James ? Detonando a notícia ? como a mídia corrói a democracia americana. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1997], levar a sério esse poder significa levar a profissão a sério, o que, por sua vez, significa reconhecer o impacto da arma à sua disposição. Portanto, é necessário cobrar a responsabilidade social deste profissional, até mais que em outras atividades, em vista do poder da arma que empunha.

Com um grande número de profissionais vindo das faculdades de Direito, Ciências Sociais e Filosofia ? já que ainda não existiam as faculdades de Jornalismo ? as redações dos jornais formavam os seus quadros e não era o ambiente mais promissor quando o assunto era ganhar dinheiro. Todavia, fornecia alguma renda aqueles que se habilitavam a cargos como revisores e repórteres. O time de colaboradores também era grande. O jornalista Murilo Antunes Alves [começou no jornalismo em 1935 e trabalhou em emissoras de rádio (Tupi e Record) e televisão; cobriu para a Record e para o grupo Folhas a eleição presidencial na Itália, em 1948; entrevista a autora em abril de 1999] foi um deles; aos 16 anos, enviava, de sua cidade no interior de São Paulo, reportagens do local em troca da assinatura do jornal O Estado de S.Paulo.

Accioly Netto, autor de O império de papel, no qual conta sua experiência à frente da revista O Cruzeiro como diretor por mais de 40 anos, relata que havia dois tipos de profissionais na imprensa brasileira: os redatores e os repórteres. Responsáveis pelos "artigos de fundo", estes redatores ? que se aproximam da função que hoje é do editorialista ? escreviam para expressar a opinião do jornal, do proprietário. Além de serem assinados ? fato raro para a época ? estes artigos, redigidos por intelectuais, eram sempre escritos em estilo pomposo, sendo importantes como formadores de opinião e muitas vezes até capazes de criar polêmicas. Muitos chegavam a condição de articulistas, expressando suas próprias opiniões, sempre de forma muito literária e rebuscada. "Eram todos homens finos, que se vestiam elegantemente e freqüentavam gabinetes ministeriais, além de ter fácil trânsito na alta sociedade", conta Accioly Netto. Entre eles, destaca Edmundo Bittencourt, do Correio da Manhã, José do Patrocínio, o abolicionista de O País, Felix Pacheco, do Jornal do Comercio, João do Rio, da combativa Gazeta de Notícias, Castelar de Carvalho, de A Noite ou Alcindo Guanabara, de A Tribuna (Accioly Netto, 1998, 106).

A segunda categoria era a dos repórteres, os plantonistas das redações, cuja principal função era a cobertura do noticiário do dia-a-dia, como incêndios, desastres, crimes, falecimentos e aniversários. Além dos salários baixos, estes jornalistas não tinham status da categoria anterior, sendo jamais recebidos nos salões da burguesia ou da nobreza. Suas matérias não eram assinadas e o estereótipo era um homem mal barbeado, bebendo no bar embaixo da redação, em plena madrugada.

Em recente pesquisa sobre o papel dos jornalistas na transição do regime militar para o democrático, em especial, os da imprensa escrita, Alzira Alves Abreu [Abreu, Alzira Alves ? Los periodistas brasileños en la transicion hacia la democracia. XXII Congreso de Alas, Argentina, out/1999] confirma o que é fato corrente entre muitos profissionais da própria imprensa: atualmente, o jornalista é visto como um profissional pragmático em oposição ao romântico e boêmio do passado. Antes estes profissionais diziam ter um compromisso político e ideológico claro, atuando em função de determinados valores e utopias. Hoje, estas preocupações não têm mais a mesma importância, sendo que o jornalista tem diploma e uma formação específica. Ressalta ainda que cargos mais importantes, de direção, são ocupados por jornalistas mais jovens (no caso, aqueles que iniciaram carreira nos anos 60/70) e aos mais velhos (que iniciaram carreira nos anos 40/50) são delegadas as funções de articulistas e colunistas.

Para aqueles ditos "românticos", o jornalista faz a mediação entre a sociedade global e o indivíduo, entre a população e o poder público. É o jornalismo visto como missão. Já os mais jovens acham que a profissão é como outra qualquer. É o profissional a serviço da informação (tem o controle da técnica da informação), que trabalha com menos "paixão", e tendo até mesmo participado da militância política (movimentos católicos e revolucionários).

A pesquisadora avalia que atualmente a imprensa se tornou menos militante e menos partidária, importando mais a cobertura de notícias do que a posição do jornal. Isto tudo em virtude da mudança de concepção do jornal que, com o advento do marketing, passou a ser visto como um produto. "As empresas definiam seu conteúdo, forma de apresentação e linguagem de acordo com o público consumidor deste produto", explica. Portanto, estreitou-se a relação entre a redação e a publicidade. E conclui: "Na realidade, a competição entre os diferentes tipos de meios e a luta pelo acesso ao mercado, são os principais responsáveis pelo comportamento dos jornalistas na atualidade. Não é supérfluo afirmar que a informação, mais que um bem simbólico, tornou-se um bem econômico, uma mercadoria. A concorrência obrigou os jornalistas a produzir para um mercado cada vez mais competitivo, determinando uma postura menos política e menos ideológica diante dos fatos e das notícias" (Abreu, 1999,19).

Vale ressaltar que, apesar de passar a ser uma "mercadoria", a informação é ainda essencialmente ligada a atividade intelectual. Todavia, não estaria, de todo, livre de alguma conotação ideológica. Parece que o "nó" da grande imprensa estaria aqui, isto é, na busca pela objetividade e pela qualidade do "produto", os manuais de redação apregoam imparcialidade, mas, lê-se nas páginas dos jornais uma "pseudo-imparcialidade".

Discute-se ainda o quanto estas transformações podem ter influenciado no jeito de fazer jornalismo, newsmaking. Os jornalistas mais velhos apontaram que se perdeu a qualidade dos textos. Acreditamos que, na verdade, houve um empobrecimento geral da linguagem, diretamente relacionado à queda no nível de ensino, apesar da expansão dos índices de alfabetização. Deve-se observar ainda que muitos profissionais vieram do Direito e acabaram por imprimir os seus estilos de escrever nos textos jornalísticos. Por exemplo, os personagens da notícia eram, invariavelmente, tratados por senhor (sr.). Hoje, o estilo também é outro.

Além da linguagem, começaram as mudanças no conteúdo editorial. Cony lembra que muitos jornais publicavam, às vezes quase na íntegra, o expediente das principais repartições públicas, Presidência da República, Ministérios, Senado, Câmaras Federal e Municipal, Prefeitura. Havia jornal que tinha como estrutura editorial o noticiário desses expedientes. "Era o capitão-de-mar-e-guerra esperando o decreto de reforma, a professora municipal querendo saber se fora transferida, o escriturário letra M que todos os dias comprava o jornal para ver se fora promovido à letra N" (Cony, 1998, 75). Isso garantia também uma importante gama de leitores, como exemplo, cita o Diário de Notícias. O trabalho nas salas de imprensa também sofria modificações. Fotógrafos e repórteres de jornais, revistas e rádios começaram a passar por um esquema de rodízio pois descobriram que o sistema favorecia o "apadrinhamento, a cumplicidade, o representante do jornal na repartição muitas vezes se tornava representante dos interesses da repartição junto ao jornal". Cony ressalta ainda que os credenciados adquiriam status especial não apenas dentro das redações, mas também nas repartições onde atuavam. "A maioria tinha acesso aos titulares dos cargos. Os presidentes, os ministros e os prefeitos mudavam, os jornalistas ficavam".

David de Moraes, repórter da Folha da Manhã que cobriu a eleição presidencial na década de 60, confirma que o rodízio também era feito durante o período de campanhas [entrevista a autora em julho de 1999; David de Moraes trabalhou no grupo Folha da Manhã e no Grupo Abril; recentemente atuou em campanhas políticas e no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo]. Atualmente, alguns jornais não mantêm repórteres fixos nas salas de imprensa e, durante as coberturas de campanhas políticas, aplicam ou não o esquema de rodízio de jornalistas.

Além de mudanças no estilo de escrever, na elaboração da notícia e no conteúdo do jornal, em função deste "novo" jornalismo que surge, vale ressaltar a questão das relações com as fontes.

Em toda a história da imprensa brasileira, os exemplos são muitos de relações pouco ou nada éticas entre jornalistas e políticos e, principalmente, entre os donos dos meios de comunicações e a elite, seja econômica, política ou cultural.

Na própria campanha de 1950, o jornalista Samuel Wainer deixou por alguns dias de cobrir a campanha de Getúlio Vargas para, a pedido do seu patrão Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, entrevistar Adhemar de Barros que iria anunciar a retirada da sua candidatura para apoiar Getúlio Vargas. Pela entrevista, o governador paulista pagou ao dono do jornal 300 mil cruzeiros e o jornalista recebeu 20% desse valor, quantia suficiente para ele, Wainer, comprar um apartamento. O fato é relatado por Fernando Morais no seu livro sobre a vida Chateaubriand e, segundo ele, consta também das memórias de Samuel Wainer (Morais, 1998, 511).

A proximidade com Getúlio fez com que Wainer também realizasse outro sonho, ter seu próprio jornal. Ele fundou o jornal Última Hora. Com estilo inovador, esse jornal de massas trazia assuntos tradicionais (política, economia, internacional) no primeiro caderno e no segundo caderno, o espaço era para esportes, divertimento e reivindicações populares ? palavras-chave do estrondoso sucesso desta publicação. Para a ira dos outros proprietários de jornais, Wainer aumentou os salários dos jornalistas acima do praticado na época e resolveu o problema de suprimento de papel e do capital inicial com a ajuda do presidente.

Como tinha um péssimo relacionamento com a imprensa, principalmente, a paulista, Getúlio ajudou Wainer nessa empreitada em troca do apoio do jornal, que se tornou uma publicação de sucesso. Em sua carta, que foi publicada no primeiro número do UH, Getúlio revela suas opiniões sobre o jornalismo ? arma que também começa a usar com objetivos político e bem pessoais: "Houve época em que a política absorveu por tal forma o jornalismo, que este se tornou ora oficioso e defensor intransigente do Governo, ora insultuoso e ao arbítrio da paixão. Não havia alternativa além do apoio incondicional ou da oposição sistemática. O jornal não era uma tribuna de ensinamento, mas um pelourinho de reputações. Imprensa governista e imprensa de oposição se dividiam em dois campos adversários de feição intolerante e apaixonada, onde eram impossíveis a crítica serena e a visão superior dos problemas de Estado. Já vai bem longe esse tempo, e a distância que dele nos separa deve encher-nos de conforto e segurança. (…) Que ele (UH) saiba exprimir com fidelidade e elevação as tendências da opinião pública e colaborar, através de uma crítica bem intencionada e construtiva, na solução dos nossos problemas ? são os meus votos mais sinceros".

Com certeza, a questão ética é a mais complexa do jornalismo de ontem e de hoje. Daí a importância de estarmos sempre atentos e discutindo em cada momento a responsabilidade social dos jornalistas e dos proprietários dos meios de comunicação, através da constante análise do seu trabalho, entendendo sua dinâmica em todos os campos, mas, principalmente, no político.

O Estado de S. Paulo

Na cobertura do OESP, o jornal também se referiu a Getúlio Vargas, candidato do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do qual era líder, do Partido Social Progressista e Partido Social Democrático, com a candidatura formalizada em junho de 1950 como caudilho (chefe de um bando ou partido que defende uma idéia, chefe militar e ditador).

O OESP sempre divulgou que havia entre a população grande expectativa pela vitória do candidato Brigadeiro Eduardo Gomes (1950), através das matérias e editorias favoráveis ao candidato, inclusive com manchete do jornal anunciando o comício do candidato em São Paulo, na Praça da Sé. Vale ressaltar que este político era ligado a União Democrática Nacional (UDN), partido com o qual o jornal tinha forte identificação ideológica.

Ao que podemos constatar pelo acompanhamento do noticiário, o Brigadeiro Eduardo Gomes foi "eleito" pelo jornal O Estado de S. Paulo [daqui em diante, para facilitar a leitura, usaremos as seguintes abreviaturas: O Estado de S. Paulo (OESP), Folha da Manhã (FM), Correio Paulistano (CP), Brigadeiro Eduardo Gomes (BEG) e Getúlio Vargas (GV)] como a única alternativa para o quadro político do momento. A escolha foi baseada primeiro nas características pessoais do candidato. Em larga escala, o OESP noticiou as qualidades que justifica o voto no então candidato, derrotado na eleição anterior (1945). É importante destacar como os aspectos pessoais eram tidos como essenciais na escolha. Vejamos alguns exemplos:

O editorial "O civismo do Brigadeiro", publicado em 1? de julho de 1950 no OESP apontava as principais qualidades do brigadeiro. "Cada oração do Brigadeiro Eduardo Gomes é uma verdadeira predica de civismo. Sem personalismos, muito alto e muito elegante na exposição das suas idéias, o Lustre brasileiro não se cansa de pôr em relevo, para estímulo dos tíbios e desanimados, o que a democracia tem conquistado no Brasil. O discurso que fazia parte do lançamento da sua candidatura à presidência da República, lançada por aquele partido, que em nenhuma fase da existência nacional se registrou um fato como esse, marcado pelos sinais de patriótico desprendimento e, ao mesmo tempo, de fé na sinceridade do escolhido e no poder de renovação dos costumes políticos. De acordo com o OESP, o Brigadeiro Eduardo Gomes acreditava no aperfeiçoamento de nossos hábitos políticos, que ser&aacaacute; alcançado através de "um novo estilo de intervenção direta, vigilante e desapaixonada no trato dos nosso problemas essenciais e no encaminhamento dos fatos políticos, em plano inacessível às ambições e as controvérsias pessoais que tanto desfiguraram, noutras épocas, a vida pública".

A mudança dos hábitos políticos também marcava o partido do candidato: "ainda quando se considere grande a dose de otimismo contida nessas palavras, não se pode negar, com efeito, que em algumas agremiações partidárias do Brasil, notadamente na UDN, se vem observando a constituição de um novo estilo de atuação política. Nesses agrupamentos as ambições e as controvérsias pessoais vem cedendo lugar, invariavelmente, aos grandes interesses nacionais. A capacidade de renúncia desenvolve-se, dia a dia, entre os membros desses agrupamentos. Basta isso, na verdade, para que se dê razão ao Brigadeiro Eduardo Gomes e que se junte à voz de todos, como ele fez com a sua, ao coro dos que confiam na vitória porque não descrêem do Brasil. Essa afirmação de confiança no futuro e de fé nos destinos democráticos do Brasil, mediante a renovação da nossa mentalidade e dos nossos costumes políticos, é necessária para que se desfaça a impressão de tristeza e desencanto que boa parte dos brasileiros revela ao contemplar as atividades políticas dos partidos".

Ressaltava, novamente, as características pessoais de BEG, que "não é homem de entusiasmos fáceis" e "se esperanças depõe na transformação política do Brasil, não o faz levianamente, com o intuito de transmitir ao povo um sentimento que não experimenta. A sua palavra é sempre sincera e suas observações assentam sempre na realidade. Calmo nas atitudes e medido nas expressões, ele não procura jamais o aplauso fácil das multidões. O que deseja é dar aos que pensam e raciocinam elementos para que façam do Brasil e da nossa democracia o mesmo juízo que ele faz e que em relação a esta e àquele não lhe deixem tomar de receios e descrenças. A grandeza do Brasil e a solidez da nossa democracia devem ser para todos nós conceitos indiscutíveis".

Além dos atributos pessoais de BEG, o editorial acabou citando uma série de características relevantes para a política, como o que se esperava dos políticos (comportamento, ética) e a necessidade de renovação no cenário político brasileiro, garantindo, assim, a sobrevivência da democracia.

Quatro dias depois, o OESP noticiou na sua capa que o BEG estaria em São Paulo em "uma caminhada patriótica pela consolidação da democracia no dia 5 de julho". Juntamente, divulgou-se o apoio que o candidato passou a receber dos estudantes acadêmicos da Escola Politécnica, através de abaixo-assinado dirigido a todos os universitários paulistas. A notícia do evento saiu no dia 6 de julho, sob o título "Sem Eduardo Gomes e Prestes Mais o que poderemos esperar do Brasil e de São Paulo de amanhã?" (p. 4 e 5). E descreveu, assim, a acolhida dada ao candidato da União Democrática Nacional (UDN): "Raras vezes teve S. Paulo oportunidade de assistir a tão belos espetáculos de civismo quanto os representados pela recepção ontem proporcionada pelo povo da capital ao Brigadeiro Eduardo Gomes, Candidato da Nação à Presidência da República. A calorosa acolhida dispensada ao grande brasileiro no Aeroporto de Congonhas, onde centenas de pessoas de relevo social e político apresentaram votos de boas-vindas ao ilustre visitante seguiu-se, após as demonstrações de simpatia ao Brigadeiro durante o cortejo que conduziu do aeroporto ao centro da cidade, a majestosa manifestação estudantil do Largo S. Francisco, em frente á Faculdade de Direito".

Como podemos perceber a "boa acolhida" não era só por parte do povo, mas também do próprio OESP que, além da ampla cobertura feita aos eventos da campanha do BEG, forneceu espaço fixo à UDN, uma coluna com notícias do partido, seus diretórios, principalmente, dO Estado de S.Paulo. Neste caso, o destaque foi dado ao candidato ao governo do Estado, Prestes Maia. Segundo o jornalista Oliveiros S. Ferreira que trabalhou por mais de 30 anos no OESP, Prestes Maia sempre contou com o apoio do jornal, para ele, fator decisivo na conquista dele da Prefeitura de São Paulo, em 1961.

O encerramento da Convenção Estadual da UDN também recebeu destaque nas páginas do OESP. Foram duas páginas, com amplas fotos e título grandioso "Eduardo Gomes e Prestes Maia falarão hoje de São Paulo ao povo brasileiro". No subtítulo, acaba por relatar, passo a passo, o clima do evento: "Com a presença dos ilustres candidatos ao governo do Pais e de S. Paulo, encerraram-se ontem, sob intensa vibração popular, os trabalhos da Convenção Estadual da União Democrática Nacional ? A chegada do Brigadeiro Eduardo Gomes a esta Capital ? Manifestação popular no largo de S. Francisco ? Na sede da UDN ? Os candidatos da União Democratica Nacional, Secção de S. Paulo, à Camara Federal".

Apresentando as qualidades pessoais de BEG, o OESP acabava por mostrar suas idéias acerca do político (indivíduo) ? suas características favoráveis e desfavoráveis. Pelas virtudes realçadas acabava por revelar as razões pelas quais apoiava o candidato e seu ponto de vista enquanto instituição formadora de opinião.

"Entre as várias excelências da candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes destaca-se de provocar nas massas um largo movimento de entusiasmo. O povo tem vivido mais ou menos afastado das combinações políticas destinadas à organização das chapas de presidente e vice-presidente da República. Essas combinações vêm decorrendo entre quatro paredes. Os que vivem a fazê-las e a destecê-las nem sempre se mostram estimulados por interesses superiores. Muitas dessas combinações são variedades de barganhas em que cada partido procura tirar dos outros, para acompanhá-los, o máximo de vantagens em troca de meu apelo, dizem uns aos outros, exijo que os senhores me dêem isto ou aquilo. Ora, negociações desse jaez não interessam ao público.Desenrolam-se sem a mínima participação das massas. Daí o motivo pelo qual os candidatos que saem vitoriosos nesses entendimentos, não despertam entusiasmo. Mal despertam a curiosidade se não houvesse um candidato do porte do Brigadeiro Eduardo Gomes a campanha presidencial seria incolor. Nada lhe daria qualquer vibração. Felizmente para o Brasil e para a democracia, surgiu a candidaturado Brigadeiro e com ela tivemos, na campanha, a centelha de entusiasmo sem a qual o povo permaneceria isolado dos senhores da política".

No trecho acima, além das já citadas virtudes de BEG, o OESP deu ao leitor um retrato do que julga ser o clima das eleições naquele momento. O eleitor encontrava-se desmotivado em um cenário político marcado pelas negociatas entre políticos e partidos, onde o único fator de entusiasmo era a candidatura de BEG.

Mais adiante, o editorial do jornal apontou outro grande temor seu ? recorrente durante toda a campanha ? a possibilidade de se instaurar novamente a ditadura, fato que não compartilha do apoio de BEG: "Entre a ditadura e a democracia deixaram patente a sua repulsa por aquela e suas preferências por esta. Para esse entusiasmo concorre não só a presença do Brigadeiro mas também as palavras que costuma proferir."

Quanto à "posição internacional do Brasil", o candidato BEG teve definida sua posição no editorial: "Sem exageros, com toda a sobriedade, ele expôs a política internacional do Brasil, que é a de cumprir rigorosamente os tratados, que subscreve, e de não recusar jamais solidariedade àqueles que têm o direito de a solicitar. A posição do Brasil perante as nações estrangeiras não pode ser, efetivamente, uma posição de negaças (sic), de avanços e recuos. Tem que ser uma posição firme e clara, uma posição definida pelos tratados e inspirada pelos princípios de Direito Internacional. Com as declarações feitas em Porto Alegre o Brigadeiro Eduardo Gomes destituiu a lenda, que os seus adversários estavam criando, de que, uma vez no governo, ele faria o Brasil participar de aventuras guerreiras, ao passo que o ex-ditador (Getúlio Vargas), na mesma situação, não deixaria partir do Brasil, um só soldado. Invencionice estúpida e maldosa que só poderia ser acolhida por quem supusesse o Brigadeiro capaz de se colocar fora dos compromissos queassumimos pela força dos tratados e das obrigações contraídas conscientemente com a ONU. Apesar de militar, o Brigadeiro Eduardo Gomes é um pacifista e, segundo o jornal, é uma indignidade, porém, atacá-lo por pensamentos que nunca teve e por deliberações que jamais tomaria. Pacifista como os que mais o sejam. Inimigo declarado de todos os imperialismos, o Brigadeiro Eduardo Gomes nunca daria a sua colaboração a uma política de guerras de conquistas. Sob o seu governo o Brasil só entraria em guerra quando provocado por outras razões ou para cumprir deveres internacionais, e isso mesmo na defesa da integridade do seu território, da sua soberania ou democracia. O seu patriotismo não lhe permitiria outra atitude. O seu patriotismo e a sua ciência militar."

A defesa que o OESP fez do candidato BEG estava relacionada ao cenário internacional do momento. A guerra era uma ameaça constante, ou melhor, estava presente no continente asiático (Coréia) [a guerra da Coréia começou em junho de 1950 quando as tropas da Coréia do Norte invadiram o sul na tentativa de unificar o país sob o regime comunista; foram mais de dois anos de combate], sendo um problema que pode vir a se instalar em outras regiões.

Tal posicionamento do jornal continuou até o final da eleição, tanto que após a divulgação do resultado, o jornal, em editorial, se mostrou "decepcionado" com o povo por ter elegido um ditador e ameaçar a democracia.

Folha da Manhã

Na análise da Folha da Manhã podemos identificar algumas particularidades em relação aos demais jornais na cobertura da eleição presidencial de 1950. Ao contrário do OESP ? que dedicou suas capas e manchetes a assuntos internacionais e, nas raras vezes, que destacou algum assunto nacional referiu-se a um comício de Eduardo Gomes na capital paulista ? a FM tratou em suas capas de assuntos relacionados às campanhas dos candidatos à Presidência da República e, principalmente, ao governo dO Estado de S.Paulo. No dia 1? de julho de 1950, por exemplo, a FM publicou na capa de sua edição que o "Partido Social Democrático, pela sua comissão executiva, deverá pronunciar-se Terça-feira próxima sobre a candidatura Prestes Maia". Segundo "apurou" a reportagem do jornal, "quase todos os membros desse órgão já se manifestaram tendo-se como certa a adoção do nome do ex-prefeito da capital como candidato do partido ao governo do Estado".

Mesmo com o interesse constante em assuntos relacionados às eleições, principalmente, ao governo do estado, o jornal não deixava claro se apoiava algum candidato. A coluna Termômetro, publicada diariamente, dedicava-se à analise dos acontecimentos políticos, mas sempre de forma breve.

Adhemar de Barros também teve atuação acompanhada pela FM, inclusive sendo tema de charge. O personagem Zé Pessepé diz: Muita gente mete pau no Ademar, no entanto o homem está inaugurando escolas, viadutos; fala no rádio, anda de avião…

O colega Zé Marmiteiro responde: Qual! Isso não passa de ADEMARGOGIA.

As alianças em torno de Prestes Maia foram acompanhadas quase diariamente pelo jornal, inclusive com notícias nas capas das edições.

Ao longo de setembro, a FM continuou a relatar os acontecimentos políticos, os desdobramentos das alianças e, principalmente, tudo que ocorria nas campanhas dos candidatos ao governo dO Estado de S.Paulo, com grande destaque aos bastidores da política.

O tratamento dado pela FM aos candidatos era muito diferente ao adotado pelo OESP. A começar por Getúlio Vargas, que durante a campanha foi, quase sempre, chamado de ex-ditado e não apenas pelo nome. A FM divulgava notícias sobre as campanhas dos candidatos ? assim como sobre GV ? inclusive nas capas de suas edições. As reportagens, em sua maioria, eram breves e bem objetivas ao relatar os acontecimentos do cenário político.

Por outro lado, a postura adotada pela FM assemelhava-se muito com o que ocorre, nos dias de hoje, na imprensa em geral. O jornalismo político alimentado por informações vindas dos bastidores das campanhas ? quase sempre sem fonte identificada ?, o que, muitas vezes, acaba por atender interesses de um determinado grupo, isto é, chamado de "plantadores de notícias". Atualmente, as colunas de noticiário político são o exemplo mais fiel disso. O resultado desta rotina é que, além da dificuldade de se confirmar a notícia, não fica claro ao leitor o posicionamento do jornal frente às questões políticas. Dessa forma, não se pode concluir se o "plantador de notícia" usa e/ou é usado pelo jornal. Se as informações resultantes de "apurações jornalística" refletem os bastidores da política ou são apenas mais um importante elemento nas disputas eleitorais.

Correio Paulistano

Órgão do Partido Republicano, o Correio Paulistano teve analisadas apenas as edições de julho de 1950, pois na fase de coleta da pesquisa o material não estava disponível. Todavia, o pouco material disponível permitiu algumas conclusões sobre o papel de um jornal que representava um partido político.

Assim como a FM, o CP dedicava-se a uma maior cobertura dos assuntos relacionados à cidade de São Paulo. Apesar disso, como o período analisado antecede a eleição para a Presidência da República, o assunto estava sempre presente em suas páginas. Nas capas, trazia freqüentemente, notícias sobre as campanhas dos candidatos à eleição em São Paulo e, principalmente, dos ligados e apoiados pelo Partido. O CP acompanhou assiduamente a campanha de Cristiano Machado, que tinha em sua chapa o representante do PR, Altino Arantes. Tanto que o anúncio da candidatura de Altino Arantes foi assunto da manchete do jornal em 15 de julho de 1950.

Devido a proximidade de Adhemar de Barros com Getúlio Vargas, o candidato a Presidência também era visto como uma ameaça aos princípios morais e incapaz de realizar administração pública competente. Em nota, publicada na capa de seu segundo caderno, o CP trazia seguinte informação: "Getúlio incapaz para o Exército". Era a reprodução de uma nota do vespertino carioca a Tribuna da Imprensa: "O ex-ditador, que pretende ter a necessária capacidade para governar o país democraticamente, foi julgado incapaz para servir à Nação como soldado". Segundo o jornal, GV deu baixa no Exército por ser considerado fisicamente incapaz em 5 de julho de 1903.

A "ameaça comunista" também foi acompanhada pelo CP. Segundo editorial de 2 de julho, a polícia do Rio de Janeiro descobriu um "plano comunista" que "visava como sempre tumultuar a vida nacional e provocar crises políticas". Para o CP, "isto mostra que as atividades subversivas não cessam, e que por parte dos elementos filiados ao extinto partido Comunista subsiste o deliberado propósito de conturbar o ambiente nacional, em benefício do imperialismo russo".

Em breve análise de seu noticiário político, o CP acabou por mostrar que, além de ser um veículo informativo do PR, o jornal, em algumas questões, tornou sua cobertura semelhante a feita pelo OESP, principalmente, quanto a campanha do candidato GV.

Conclusão

Durante a cobertura das campanhas dos candidatos à Presidência da República em 1950, o jornal O Estado de S. Paulo marcou sua posição em relação ao cenário político da época. Era contrário à candidatura de Getúlio Vargas e declarou seu apoio ao candidato da União Democrática Nacional, Brigadeiro Eduardo Gomes, com ampla cobertura da campanha deste político. Todavia, Getúlio Vargas esteve sempre presente nos editoriais do jornal, sendo criticado pelas características pessoais atribuídas a ele, como falta de princípios morais e éticos.

Já a Folha da Manhã, um dos primeiros jornais a se dedicar a um "processo de modernização", iniciado nos anos 50, acompanhou, principalmente, os acontecimentos políticos relativos à sucessão no governo dO Estado de S.Paulo, e revelou, muitas vezes, em suas páginas, informações que circulavam nos bastidores da política.

O Correio Paulistano, órgão do Partido Republicano, também destacou em suas capas e manchetes assuntos nacionais e referentes à disputa em São Paulo. Atuou como um veículo informativo do partido, abrindo espaço para os candidatos próprios e apoiados pela agremiação. OESP e CP tinham comportamento semelhante: tratavam de divulgar os candidatos que apoiavam e atacavam com veemência os adversários políticos destes.

A análise do trabalho desempenhado por cada um destes jornais permite levantar algumas importantes questões acerca do jornalismo. Primeiro, o fato de se explicitar ou não, um posicionamento político diante de um acontecimento como as eleições. Vemos que, no caso do OESP e CP, tal decisão foi divulgada aos leitores e pautou toda a atuação do jornal no período.

A leitura do noticiário da FM não permite concluir se o jornal tinha interesses políticos definidos. Porém, o jornal utilizou, em boa parte de sua cobertura, informações vindas de fontes desconhecidas, cujos nomes não eram revelados, o que suscita a possibilidade de tais assuntos estarem sendo usados pelo jornal em prol de algum interesse próprio ou de terceiros ? aquele que estaria, usando o jargão jornalístico, "plantando" a notícia.

Portanto, essas considerações nos levam a discutir também a responsabilidade social de cada um desses agentes. É difícil quantificar a influência dos jornais sobre o eleitorado no período estudado, isto é, o que tais posicionamentos revelaram aos eleitores e em que medida possam ter influenciado suas escolhas. Se pensarmos em números, o objetivo principal do OESP e CP não foi atingido, pois os candidatos apoiados por eles não foram vitoriosos. Mas é necessário atentar para todo um contexto histórico que acompanhava o desenrolar desses acontecimentos.

Todavia, a análise foi reveladora, ao mostrar quais eram as idéias sobre as questões políticas que cada um dos jornais tinha naquela época. Suas inquietações frente aos destinos do país, a ameaça do autoritarismo, um mundo em guerra, dividido entre liberais e comunistas, e, principalmente uma sociedade paulista, conservadora, que enfrentava o avanço do populismo e do processo de industrialização de seu estado.

(*) Jornalista, mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisadora do NEAMP (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política).