Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A internet nem bem deixou as fraldas

MERCADO PONTOCOM

Eduardo Vieira


Prefácio de Os bastidores da internet no Brasil, de Eduardo Vieira, 336 pp., Editora Manole, São Paulo, 2003; URL <www.manole.com.br> ; e-mail <info@manole.com.br>; preço: R$ 35; título da redação do OI


Se você pensa que a onda da Internet chegou ao fim e que a saga das empresas pontocom é um exemplo de desfecho triste e sem glória para uma revolução que começou a se desenhar mas, infelizmente, fracassou, um aviso: talvez este livro não seja para você.

Tudo bem, tudo bem. Para voc&ecirecirc; não desistir antes mesmo de ter começado a ler, vamos reformular o raciocínio.

Este livro também é para você, sim. Por um nobre motivo: mostrar que essa visão é pura balela.

É bom que se diga, de uma vez por todas, que a internet não morreu. Ao contrário do que pensam muitos filósofos da vida moderna, que acreditam que a Web já atingiu o ápice e caiu, num fenômeno passageiro fruto da imaginação, da empolgação e da falta de noção de meia dúzia de lunáticos que estavam em busca de dinheiro fácil, e se empolgaram com uma bobagem, queimando recursos sem critério e iludindo a si próprios, cabe atestar que essa é uma visão simplista, sensacionalista e equivocada, para dizer o mínimo.

É claro que a meia dúzia de lunáticos realmente existiu ? e seria uma completa ingenuidade pensar que bobagens e erros, até mesmo os mais crassos, absurdos e inexplicáveis, não seriam cometidos em prol da perspectiva de se tornar milionário do dia para a noite. Os excessos aconteceram, assim como a exuberância irracional e muita ignorância e incompetência por parte de investidores, gestores, analistas, empresários e executivos, que se achavam arrogantes demais para respeitar até mesmo os princípios da matemática. Iniciativas que merecem ser ? e efetivamente são ? criticadas nas próximas páginas.

Mas o extremo, para o bem ou para o mal, não cabe numa história de negócios que nada tem a ver com ficção.

O intuito de Os Bastidores da Internet no Brasil é lançar um olhar sem paixões e preconceitos sobre a breve história da Web brasileira até o momento. Mostrar que não adianta simplesmente jogar confete na Internet, mas que também é igualmente inútil entrar no clima tenebroso que surgiu após a queda da Bolsa de Valores Nasdaq, de Nova York, e o estouro da bolha ? como se ela fosse o único fenômeno a ser levado em consideração nessa revolução que nós tivemos a sorte de acompanhar de perto. E mostrar, ainda, que a Internet nem bem deixou as fraldas.

Assim como a máquina a vapor na segunda metade do século xix, a indústria automobilística no início do século xx e a televisão na década de 1950, a Internet vive atualmente dias comuns a qualquer indústria em formação. Sofreu, até o momento, todos os altos e baixos inerentes a qualquer tipo de negócio em seu início, como bem veremos nas próximas páginas. Sem essa de sucesso ou de fracasso: a consolidação das empresas virtuais ainda não aconteceu, nem seu amadurecimento, muito menos seu período de colapso e decadência. Mesmo porque a Web tem 34 anos de vida e menos de dez de carreira. Pode ser algo para uma vida, mas não é nada perante a História.

A brincadeira, de fato, ainda nem começou.

Feitos os esclarecimentos iniciais, vamos às apresentações formais. Os Bastidores da Internet no Brasil mostra como a Internet se desenvolveu até aqui, desde sua concepção, no final da década de 1960, até ganhar o mundo, no começo da década de 1990, e tomar conta do Brasil, no final do século xx, ocasionando diversas transformações no país. Para explicar essa trajetória, são revelados os bastidores das empresas, das idéias, das negociações, dos acordos e das pessoas responsáveis pela explosão comercial da rede no país por meio das histórias de sucesso ? e de fracasso ? dos principais empreendedores e protagonistas da indústria digital brasileira.

A forma escolhida para desenvolver tal narrativa foi a reportagem literária. Quantas vezes percorremos as páginas de um ou dois jornais diariamente, conferimos sites jornalísticos atrás de notícias frescas, sentamos no sofá num domingo pela manhã para dissecar uma revista semanal e, mesmo assim, não conseguimos o grau de informação desejado? Freqüentemente ficamos com a estranha sensação de que estamos deixando passar alguma coisa, às vezes até mesmo acreditando que estamos sendo passados para trás, nos casos mais radicais, por não termos acesso a informações de bastidores ou a uma radiografia completa sobre um determinado assunto.

Para preencher essa lacuna, entra em cena o livro-reportagem. É comum ? e já tradicional ? observar na imprensa brasileira o processo que se inicia com uma cobertura jornalística comum de um determinado assunto e acaba culminando no aprofundamento das investigações sobre o tema escolhido. Para tanto, cumpre-se a tarefa de consultar o que foi publicado na grande imprensa, estudar documentos e livros e, sobretudo, entrevistar fontes.

Ou cumprir a tarefa de "seguir os papéis, seguir as pessoas e seguir o dinheiro". O resultado de uma investigação desse tipo mostra o desenrolar dos fatos, seus bastidores e as características pessoais das personagens com um enfoque diferenciado, fugindo das limitações factuais de tempo e espaço colocadas pelos jornais e pelas revistas.

Os Bastidores da Internet no Brasil procura não fugir a essa regra. Este livro-reportagem tem como objetivo não só mostrar os fatos, mas também os porquês, em um registro histórico dos acontecimentos que tornaram a Internet comercial no Brasil algo possível. Para tanto, entrevistamos os principais protagonistas da Web brasileira, alguns em mais de uma oportunidade, bem como recolhemos a documentação jornalística existente sobre suas trajetórias e seus empreendimentos na grande imprensa. Fontes secundárias também foram ouvidas, ligadas ao mercado ou às personagens, com o objetivo de enriquecer a narrativa.

A obra procura apresentar, de início, o que é e como surgiu a Internet no meio acadêmico e os fatores que a tornaram uma indústria. A seguir são apresentados os primeiros empreendedores e suas trajetórias; o estabelecimento das grandes marcas da Internet brasileira; a chegada dos competidores internacionais ao país; o fenômeno do acesso gratuito; o crescimento de audiência e de faturamento das empresas pontocom; os altos e baixos das ações nas bolsas de valores; os fatores que levaram a internet a se tornar um grande negócio; a quebradeira pontocom; os mortos e feridos; a ressaca pós-Nasdaq e assim por diante, até chegarmos aos caminhos e desafios que a Web brasileira tem pela frente no alvorecer do século xxi.

No final do livro, tabelas e gráficos mostram estatísticas sobre a Internet no Brasil e no mundo, numa tentativa de mostrar mais objetivamente que existe uma revolução em curso que está modificando a maneira como vivemos.

Nunca é demais lembrar, não é mesmo? Boa leitura.

Fontes

Os Bastidores da Internet no Brasil foi produzido a partir de entrevistas com os principais protagonistas do mercado digital brasileiro. As conversas aconteceram no período de agosto de 2001 a fevereiro de 2003, pessoalmente ou por telefone. Muitos encontros se repetiram em mais de uma oportunidade. As entrevistas foram anotadas e, em sua maioria, gravadas em fitas cassete, transcritas e armazenadas em computadores (e em diversas formas de backup).

Além dos nomes citados abaixo, foram ouvidas, formal e informalmente, diversas personagens que, de alguma forma, são ou foram ligadas à Internet brasileira. Com a prerrogativa de manter o sigilo das fontes, seus nomes não serão mencionados nem publicados neste espaço ? o que não significa que eles não tenham sido fundamentais para que esta história fosse contada.

Ao todo foram realizadas mais de cem entrevistas que, de alguma forma, ajudaram na produção deste livro. Eis algumas das personagens que tornaram essa obra possível, em ordem alfabética (mil perdões se esqueci de mencionar alguém; a lista é imensa):

Abel Reis, Aleksandar Mandic, Antonio Bonchristiano, Antonio Machado de Barros, António Tavares, Bob Wollheim, Bruno Fiorentini, Caio Túlio Costa, Carlos Machado, Carlos Vicente de Azevedo, Charles Herington, Chris Meyn, Cid Torquato, Demi Getschko, Fábio de Oliveira, Fátima Ali, Fernanda Romano, Fernando Espuelas, Fernando Loureiro, Flávio Jansen, Francisco Loureiro, German Quiroga, Gil Torquato, Gustavo Viberti, Ike Zarmati, Índio Brasileiro Guerra Neto, Ivan Moura Campos, Jack London, Jerry Yang, Juarez Queiroz, Leão Serva, Luís Carlos Boucinhas, Luis Cláudio Vaz Allan, Luís Frias, Manoel Amorim, Marcelo Ballona, Marcelo Lacerda, Marcelo Sant?Iago, Marcos de Moraes, Marcos Wettreich, Marilia Rocca, Márion Strecker, Matinas Suzuki Jr., Meg Whitman, Michael Esrubilsky, Michel Wurman, Murillo Tavares, Nizan Guanaes, Octávio Lopes, Odécio Grégio, Osvaldo Barbosa de Oliveira, Patrícia Silberberg, Paulo Humberg, Paulo Manheimer, Pedro Cabral, Pedro Donda, Pierre Schürmann, PJ Pereira, Pyr Marcondes, Roberto Civita, Roberto Simões, Rogério Silberberg, Roque Abdo, Sérgio Herz, Sérgio Kulikovsky, Stello Tolda, Tonico Pereira, Toninho Rosa, Verônica Serra, Victor Ribeiro, Wenceslao Casares.

A todos, muito obrigado pela colaboração.

(*) Jornalista