JORNALISMO ECONÔMICO
Luciano Martins Costa (*)
Edward Schumacher, o jornalista colombiano, natural de Barranquilla, que até poucos meses atrás foi diretor e editor do Wall Street Journal Américas, costuma dizer que, em termos econômicos, o que acontece em um país acontece primeiro em seu setor produtivo. Assim, fazer jornalismo de economia e negócios deveria ser muito mais do que simplesmente relatar novidades empresariais.
Ele defende, há tempos, a adoção de boas ferramentas narrativas na reportagem econômica, como forma de ancorar as informações em contextos que façam mais sentido para o leitor. Na sua opinião, essa especialidade implica informar mais e melhor o cidadão, para que suas decisões sejam mais acertadas, desde a economia doméstica até a definição de estratégias financeiras e de investimentos de empresas e de governos.
Schumacher, que vai tratar desse tema em seminário na Fundação para um Novo Jornalismo Ibero-americano (informações em www.fnpi.org), em Cartagena de Índias, na Colômbia, em outubro, entende que a informação econômica precisa ter transparência, para que se perceba claramente o que é de interesse público e o que interessa apenas a uma empresa ou a um setor específico de negócios. A partir de suas considerações, pode-se ponderar que o jornalismo econômico deveria ser uma oportunidade para a imprensa facilitar decisões no sentido do bem comum, atuando como observadora da atividade econômica. E podemos concluir também que tem sido, quase sempre, a oportunidade perdida pela maioria dos jornais para exercitar a aproximação entre o mercado e a vida real, onde se manifestam as conseqüências das decisões econômicas.
Competição dura
No Brasil, onde o chamado "mercado" virou disfarce para a preguiça ou a falta de tempo de jornalistas ? ou, numa extensão ainda maior, para a ausência de jornalistas em número suficiente nas redações ?, o ideal de Schumacher está mais próximo da ilusão do que da utopia, se considerarmos a utopia como a projeção do ideal sobre premissas verdadeiras. É no "mercado", essa entidade fantasmagórica que conduz o país da euforia ao apocalipse, que se sustentam muitas manchetes, na louca disputa pela atenção do leitor.
Por trás dessa cortina de anônimos, aos quais se credita um poder maior do que o do Estado ou da própria sociedade, desenvolvem-se as expectativas de uma geração de jornalistas que vale a pena observar. Eles amadureceram nos cursos de adestramento de focas, tiveram suas carreiras tuteladas conforme as necessidades internas das empresas que os acolheram e muito cedo se tornaram especialistas. Os que foram destinados à cobertura da economia ou da vida empresarial formam, hoje, a elite que se consolida como modelo para a nova geração de profissionais que bate à porta dos centros de formação das empresas de mídia.
Eles ainda não têm 30 anos de idade e já são tidos como veteranos. Dominam a linguagem dos negócios, transitam com familiaridade pelos anglicismos que acompanham o desenvolvimento das novas tecnologias, entendem de marketing o suficiente para fazer de suas matérias produtos atraentes no mercado dos assuntos que disputam o restrito espaço das publicações, são bons vendedores de pautas. E se transformam em importante restrição ao necessário processo de mudança e reestruturação da imprensa.
A especialização prematura é a armadilha que os restringe. Ao alcançar rapidamente posição de destaque no meio, sem que tenham tido a oportunidade de amadurecer pessoalmente na mesma proporção, acabam parecidos com a imagem inversa de velhos escoteiros: são meninos e meninas que tentam desesperadamente parecer mais maduros do que realmente são. O fato de serem, quase sempre, os melhores entre os melhores ? selecionados no estreito funil dos vestibulares que as grandes empresas de comunicação impõem aos candidatos a uma vaga ? constitui um fator agravante no processo que os transforma rapidamente em jovens conservadores. A dureza da competição não abre espaços para a experimentação ou para a aventura do livre-pensar, e acabam conduzidos rapidamente à condição de qualificada força de reserva do status quo.
Formação equilibrada
Essas ponderações foram colhidas em fonte privilegiada: eram a essência das queixas do diretor de uma importante editora de revistas, há poucas semanas, em conversa sobre sua dificuldade para superar um problema de comunicação interna na empresa. Ele estava observando que muitos jornalistas da casa interpretavam de forma tão literal e estrita suas especialidades que começavam a aparecer lacunas na cobertura, como se os profissionais temessem cair pelas "bordas" dos assuntos aos quais haviam sido destinados. Um seminário interno sobre planos de reestruturação de títulos e editorias acabou agravando a situação, ao dar início a disputas por mais espaço editorial, que se tornaram rapidamente uma ameaça ao clima organizacional.
Numa outra empresa, bem posicionada no interior paulista, a queixa era de falta de ousadia nas pautas, e a causa diagnosticada foi a especialização prematura da redação: a percepção do sucesso profissional antes da maturidade pessoal estava produzindo um grupo de jornalistas acomodados e desprovidos de espírito crítico.
Do outro lado do balcão, a percepção não fica muito distante. Um empresário do setor de Tecnologia da Informação observava, recentemente, que tem encontrado dificuldades para se fazer entender ao tentar conduzir suas conversas com jornalistas para o campo da gestão. Ele percebe certa preferência dos jornalistas em manter os colóquios no campo estreito da tecnologia, onde eles podem pontificar com segurança e exibir seus conhecimentos específicos, em vez de aceitar o desafio de trafegar por reflexões mais livres e se aventurar na análise de tendências que melhor ajudariam a entender o momento econômico. Além disso, observa esse empresário, a estrita divisão das publicações em especialidades produz o efeito perverso no qual um repórter, ao descobrir um filão que conduz à editoria vizinha, é muitas vezes tentado a reduzir o alcance do tema para que caiba em sua própria especialidade.
O resultado, evidentemente, leva ao lado oposto ao ideal que Edward Schumacher enxerga para o noticiário econômico. Mas o mal não está apenas no exagero das especializações, que se seguiram à cadernalização dos jornais e extrema segmentação das revistas. O mal maior pode estar no esquecimento da velha lição segundo a qual a formação do bom profissional deve equilibrar o desenvolvimento pessoal com o crescimento profissional e a consolidação da identidade corporativa. A preferência por profissionais mais jovens ? e mais baratos ?, somada à pressa em amadurecê-los na estufa da competição, ainda vai cobrar seu preço.
(*) Jornalista