Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A legislação, se metendo onde é chamada

RÁDIODIFUSÃO & TV

Nelson Hoineff

Nos últimos dias de seu mandato no Ministério das Comunicações, o Ministro Juarez Quadros entregou a seu sucessor, Miro Teixeira, duas versões de um mesmo projeto, chamado de "Comunicação Social Eletrônica". A diferença entre as duas versões está na transferência de parte das responsabilidades para a Anatel ou a manutenção de todas no Poder Executivo. O projeto é amplo, e dispõe pela primeira vez sobre televisão aberta e por assinatura ao mesmo tempo, assim como estende o conceito de TV por assinatura não só para cabodifusão mas também por mecanismos como MMDS e DTH. Quase todas as páginas do projeto (que está aberto à leitura pública no site do MiniCom) contém novidades. E é particularmente interessante notar que no capítulo 2 do livro 4 (versão 1 do projeto, Poder Executivo), voltado para os serviços de comunicação eletrônica de acesso aberto, ele dispõe sobre o conteúdo da programação na radiodifusão.

No seu artigo 91, ele se mantém no comumente estabelecido: não transmissão de programas que atentem contra os valores éticos e sociais da pessoa e da família; e não transmissão de programas que exponham pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, além de observação dos critérios de classificação indicativa, bem como o horário adequado para a transmissão dos programas.

O artigo seguinte, no entanto, prevê entre outras coisas, a "promoção das atividades artísticas e jornalísticas na comunidade, favorecendo a integração de seus membros". Seguem-se os seguintes parágrafos:

1. É vedado o proselitismo de qualquer natureza nas exploradoras de radiodifusão comunitária;

2. A programação opinativa ou informativa observará os princípios da pluralidade de opinião e de versão simultâneas em matérias polêmicas, divulgando, sempre, as diferentes interpretações relativas aos fatos noticiados;

3. Qualquer cidadãatilde;o da comunidade beneficiada terá direito a emitir opiniões sobre quaisquer assuntos abordados na programação da exploradora, bem como manifestar idéias, propostas, sugestões, reclamações ou reivindicações, devendo observar apenas o momento adequado da programação para fazê-lo, mediante pedido encaminhado à direção da entidade;

4. As exploradoras do serviço de radiodifusão comunitária assegurarão, em sua programação, espaço para divulgação de planos e realizações de entidades ligadas, por suas finalidades, ao desenvolvimento da comunidade

Os dois artigos seguintes determinam que as exploradoras de serviços de radiodifusão deverão transmitir percentual mínimo de programação produzida regionalmente e que as exploradoras de serviços de radiodifusão deverão destinar percentual mínimo de seu tempo de funcionamento para transmissão de serviço noticioso.

O projeto determina, em seu artigo 102, que as exploradoras de serviço de radiodifusão deverão transmitir percentual mínimo de programas educativos e informativos dirigidos à criança, entre as sete e as vinte horas, observando que o conteúdo e a duração das inserções comerciais nos programas deverão ser adequados à criança e que as exploradoras do serviço deverão dispor de pedagogos e psicólogos para avaliação dos programas dirigidos à criança.

No artigo seguinte, o projeto fala sobre produção independente, determinando que as exploradoras de serviço de radiodifusão deverão exibir em sua programação percentual mínimo de dramaturgia brasileira inédita e de obra cinematográfica e videofonográfica brasileira de produção independente. A seguir, estabelece limites para a transmissão de programas em língua estrangeira.

No que diz respeito à TV por assinatura, há vários avanços, como a exigência do transporte de 15% de programação em língua portuguesa pelas operadoras, a obrigação de cada operadora originar pelo menos um canal e de distribuir pelo menos 2% de programação produzida regionalmente. Não é muito mas é o que de mais completo se fez até agora em termos de regulamentação do conteúdo em televisão aberta e por assinatura. É inadmissível, por exemplo ? embora isso não esteja suficientemente claro no projeto ? que operadoras e programadoras de TV por assinatura possam continuar vivendo uma situação de mútuo favorecimento sob uma mesma participação societária e o assinante não tenha direito a escolher aquilo pelo que ele está pagando.

O projeto é bem mais amplo e, se for levado adiante pelo Ministro Miro Teixeira, vai ensejar muita discussão até que seja levado à votação, provavelmente em forma bastante diferente e talvez desmembrado. Ele é um bom recado, no entanto de que televisão aberta e por assinatura não podem ser tratadas como se fossem entidades completamente distintas; e que as outorgas, em ambos os casos, devem levar em consideração a questão do conteúdo.

Essa questão ? a do conteúdo ? é extremamente delicada e qualquer forma de controle é a princípio nefasta, em primeiro lugar porque cheira a censura, e depois porque os conselhos que se formam não são necessariamente boas instancias para que isso seja discutido (veja-se o caso do Conselho Superior de Cinema, tratado como uma piada pelo próprio meio). O outro lado da moeda, no entanto, é que a televisão aberta no Brasil atingiu um nível que insulta a população que se forma por ela e que paga as suas contas. A Bandeirantes, por exemplo, acaba de vender seu horário nobre a uma seita evangélica. A Rede TV!, se fizesse o mesmo, possivelmente melhoraria o nível de sua programação. Quando a feira evangélica é capaz de ser melhor do que alguma coisa, então nenhuma forma de controle é suficientemente nefasta.

Os próximos anos vão ver de frente o lançamento das plataformas digitais de televisão e mudanças radicais na maneira de produção e distribuição de conteúdo. Essa transformação tem que passar pela legislação, que em muitos casos ainda é do tempo do rádio à válvula. O projeto encaminhado pelo ex-Ministro Juarez Quadros dá ao novo Ministro um oportuno toque neste sentido.